terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Teatro Épico



O teatro épico é produto do forte desenvolvimento teatral na Rússia, após a Revolução Russa de 1917, e na Alemanha, durante o período da República de Weimar, tendo como seus principais iniciadores o diretor russo Meyerhold e o diretor teatral alemão Erwin Piscator. Nesse tempo, as cenas épicas alemãs recebiam o nome de cena Piscator, dado o extensivo uso de cartazes e projeções de filmes nas peças dirigidas por Piscator. No entanto, o grande propagandista do teatro épico foi Bertolt Brecht.

Embora elementos da linguagem épica existam no teatro desde os seus primórdios, o Teatro Épico surge com o trabalho prático e teórico de Bertolt Brecht. Trata-se do resgate de um termo antigo para conceituar uma nova linguagem cênica. Essa é substancialmente organizada a partir de textos que abordam os conflitos sociais sob uma leitura marxista, encenados pelo método do Distanciamento.

Bertolt Brecht aprofunda seus primeiros escritos sobre o teatro épico no prefácio à montagem de Ascenção e Queda da Cidade de Mahagonny (Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, em alemão). Mahagonny é uma sátira política em forma de ópera, com músicas de Kurt Weill e texto de Bertolt Brecht, cuja estréia ocorreu em Leipzig, em 9 de março de 1930, e depois em Berlim, em dezembro de 1931.

No prefácio a esta ópera, Brecht monta um quadro comparativo sobre as diferenças entre o teatro dramático e o teatro épico, destacando que eles não são antagônicos. Isso pode ser comprovado em algumas de suas peças posteriores, nas quais o dramático predomina, como em Os Fuzis da Senhora Carrar.

Ao longo do seu exílio, no período nazi-fascista da Alemanha e na II Guerra Mundial, ele aprofunda suas teses sobre o teatro épico, que, segundo Brecht, teria em Charles Chaplin um modelo de interpretação épica, com sua personagem Carlitos.

O próprio Brecht afirma que sempre existiu teatro épico, seja na intervenção do coro no teatro da Grécia Clássica, seja na Ópera Chinesa, e até mesmo no Dadaísmo, conforme tese bastante desenvolvida por Anatol Rosenfeld em seu Teatro Épico.

O teatro épico consiste em uma forma de composição teatral que polemiza com as unidades de ação, espaço e tempo e com as teorias de linearidade e uniformidade do drama, fundamentadas em determinada compreensão da Poética de Aristóteles elaborada na França renascentista. A catarse perde seu espaço na concepção teatral épica. Não cabe envolver o espectador em uma manta emocional de identidade com o personagem e fazê-lo sentir o drama como algo real, mas sim despertá-lo como um ser social. Segundo Brecht, a catarse torna o homem passivo em relação ao mundo e o ideal é transformá-lo em alguém capaz de enxergar que os valores que regem o mundo podem e devem ser modificados.

Efeito V

Um dos pressupostos do teatro épico é o efeito de distanciamento ou de estranhamento (Verfremdungseffekt ou V-Effekt, em alemão) por parte do espectador. O ator não busca identificação plena com a personagem. O cenário expõe toda sua estrutura técnica, deixando claro que aquilo é teatro, e não a realidade. O enredo se desenvolve sem um encadeamento linear cronológico entre as cenas, de modo a poder misturar presente e passado, procurando evitar o envolvimento do ator e do espectador na trama, sempre com o intuito de provocar a reflexão e de despertar uma visão crítica do que se passa, sem levar ao desfecho dramático e natural. "Estranhar tudo que é visto como natural", segundo Brecht.

Teatro épico e teatro dramático

Em 1930, no prefácio de Ascenção e Queda da Cidade de Mahagonny, Brecht desenvolve seu entendimento sobre o teatro épico, descrevendo 18 distinções entre a forma épica e a forma dramática. Ressalta, porém, que esse esquema não pretende impor contraposições absolutas, mas somente "deslocamentos de acentuações". Assim, Brecht destaca que, dentro de um processo de comunicação, pode-se dar preferência ao que se sugere por via do sentimento (dramático) ou ao que se persuade através da razão (épico).

Definindo o fundamental de sua poética, Brecht afirma que, no teatro, há que se renunciar a tudo que pretenda provocar uma tentativa de hipnose e que pretenda provocar êxtase e obnubilação.

Brecht defende que se deve conceder à música, como parte da cena, maior independência, propondo que ela comente o texto e tome posição dentro da obra, não apenas como forma de realce do texto, ilustração ou formadora de uma situação psicológica da cena.

O Teatro Épico no Brasil

A primeira montagem de um texto de Brecht no Brasil ocorre na Escola de Arte Dramática - EAD, com A Exceção e A Regra, em 1956. A primeira encenação profissional dá-se com A Alma Boa de Set-Suan, 1958, pelo Teatro Maria Della Costa - TMDC. Seguem-se Os Fuzis da Senhora Carrar, 1962, pelo Teatro de Arena, O Círculo de Giz Caucasiano, 1963, pelo Teatro Nacional de Comédia - TNC, e A Ópera dos Três Vinténs, 1964, pelo Teatro Ruth Escobar.

O Teatro Épico utiliza uma série de instrumentais diretamente ligados à técnica narrativa do espetáculo, onde os mais significativos são: a comunicação direta entre ator e público, a música como comentário da ação, a ruptura de tempo-espaço entre as cenas, a exposição do urdimento, das coxias e do aparato cenotécnico, o posicionamento do ator como um crítico das ações da personagem que interpreta, e como um agente da história. Tais ingredientes estão em algumas importantes montagens dos anos 60. Os espetáculos Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes, por exemplo, inauguram o sistema coringa, desenvolvido por Augusto Boal no Teatro de Arena, onde as soluções brechtianas são aclimatadas e empregadas em indisfarçável chave brasileira. A existência de um narrador distanciado (o coringa) opõe-se à existência do protagonista (criado à maneira realista) e o coro (que pode ora pender para um lado, ora para outro). O emprego da música como comentário, a constante troca de papéis entre os atores e os saltos no desenvolvimento da trama são alguns dos recursos mais utilizados.

O Teatro Oficina realiza encenações históricas de textos de Brecht: Galileu Galilei, em 1968, alterna cenas efetivadas ao estilo brechtiano mais ortodoxo com a cena do carnaval em Veneza, onde recursos tropicalistas surgem com desenvoltura. Na Selva das Cidades, em 1969, texto do autor prévio à teorização épica é, entretanto, encenado como uma arqueologia da cultura contemporânea, perpassado na violência dos conflitos urbanos, criando inúmeras conexões com a contracultura e o pós-tropicalismo. José Celso Martinez Corrêa, diretor das duas encenações, declara ao jornal O Estado de S. Paulo, anos antes: "O teatro épico, tendo um caráter demonstrativo, usa muitos elementos visuais e não só literários, o que o torna mais comunicativo para o público moderno, acostumado ao cinema e à tevê. O teatro épico é gostoso como um filme" (CORREA, José Celso Martinez, 22 jan. 1966). Em visita ao Berliner Ensemble, companhia fundada por Brecht na Alemanha, José Celso descobre o humor da atriz Helena Weigel e da linguagem do grupo.

Nos anos 70, o conjunto das propostas brechtianas passa por um redimensionamento entre os grupos brasileiros. O Pessoal do Cabaré, que desenvolve uma linguagem própria, promove uma reimpostação do teatro épico e também do sistema coringa. Valoriza-se o conjunto do grupo como autor e a especificidade de cada integrante: os atores cantam, tocam e falam de si. Não é mais o teatro épico brechtiano - mas guarda, dessa descendência, a teatralidade como o prazer de ser e se mostrar como teatro. Essa consciência de si não pode mais ser ignorada: o teatro puramente dramático está, ao que parece, enterrado.

O Teatro do Ornitorrinco, nos anos 70 e 80 em São Paulo, sob a liderança de Cacá Rosset e Luiz Roberto Galízia, realiza um amplo trabalho sobre Brecht. Desde um recital de poemas e canções como Ornitorrinco Canta Brecht até a encenação de Mahagonny Songspiel, uma versão curta e bastante livre da ópera originalmente criada pelo dramaturgo e Kurt Weill. Ubu, Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes é um espetáculo inteiramente brechtiano, lido pelo ângulo cáustico do deboche, da irreverência e do humor negro.

Na década de 90, o dramaturgo Luís Alberto de Abreu desenvolve uma sólida atualização dos conceitos e técnicas brechtianas a partir de um projeto de investigação de uma nova Comédia Popular Brasileira. Junto ao diretor Ednaldo Freire e a Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes, encenam uma série de comédias escritas por Abreu, destinadas, originalmente, a um circuito de trabalhadores e sindicatos.

Também nos anos 90, a crise de dramaturgia, que na década anterior levara os encenadores a mergulhar nos clássicos, dá origem a uma proliferação de montagens realizadas a partir de contos e romances. Em A Mulher Carioca aos 22 Anos, realização exemplar nesse sentido, Aderbal Freire Filho encena na íntegra uma obra de João de Minas, fazendo as personagens assumirem as falas do narrador. A quebra da identificação entre o intérprete e seu papel e a assimilação, explícita ou não, da figura do narrador, permite um outro desdobramento do teatro épico que deixa de ser um mero recurso para se tornar opção de linguagem: a montagem de uma peça com muitos personagens por um elenco reduzido, o que obriga o diretor a lançar mão de signos-chaves para identificar os personagens. Não é mais o gestus brechtiano - mas recria a desvinculação ator/personagem.

Fontes:
http://www.itaucultural.org.br/
http://pt.wikipedia.org

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