quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Argemiro Garcia (Caldeirão Literário da Bahia)

JANELAS

Olho da janela e o que vejo?
Formigas de azulejo
escalam muros de pedra;
anjos de face rosada
velam santos e orixás;
outros anjos, de cara suja,
percorrem praias e ruas,
à cata de latas e lixo.
Em torno, um e outro bicho
passam também a fuçar.
Rabiscos riscam tapumes e uma garatuja
Assina-se nas paredes. Solidão flutua no ar.
Janelas, sempre janelas!
Assisto através delas
o mundo que teima em passar.
Gotas escorrem do vidro:
Lágrimas? Suor?
Liberdade, Paraíso, Amaralina,
Copacabana, Imbetiba, Ondina,
quantas ruas será que eu, ainda,
percorro até me encontrar?

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MORRO ACIMA, MORRO ABAIXO

A cidade sobe, num jeito de presépio,
pelas curvas de nível e ladeiras.
Sobem, acima dela, pipas, pássaros,
nuvens de fumaça, como um véu;
sobem sonhos e orações num escarcéu.
A cada chuva descem,
nas sarjetas,
suores, sujeiras e dissabores,
incertezas e esperanças
que aguardam outro dia,
outra chance, a loteria,
para se concretizar.
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PAZ

Não sou guerreiro.
Não sou herói.
Guerreiros não vacilam nas grandes batalhas.
Prefiro lençóis a mortalhas.
Não puxaria um gatilho,
mas uma enxada.
Dignidade se constrói
com tijolos e cimento,
calos, calva e cãs.
Medalhas e bravatas? Coisas vãs.
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VIRA-LATAS

a Marilda Confortin e Manuel Bandeira

Filitas peito facas,
feito lápides, são estacas
cravadas no coração do Brasil.
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MARINHEIROS

Sobre a pedra, uma gaivota
observa o remador
e estuda sua rota.
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VIDA

A vida é um mistério
escancarado
livro aberto em idioma
ignorado,
escrito em pele humana,
pergaminho,
mapa ilegível
do caminho.
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ANJOS BARROCOS

Todo santo de pau oco
espera um pouco
espera um beijo
um soco.
Todo santo de pau oco
aguarda um pouco
um sorriso
um riso rouco
e guarda em si
um louco
desejo de carinho
um jeitinho.
Todo santo de pau oco
se guarda
e guarda em si
um prêmio
um tesouro,
pedra, ouro,
e espera sempre um pouco.

Macaé, 21/02/90
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ESTAÇÃO RODOVIÁRIA

Um gato passa caçando
na madrugada sem mistérios.
Vozes, tosses, impropérios
e um par de tamancos longínquos
ecoam pelo saguão;
o vapor da cafeteira
envolve o guarda ao balcão.
Dúzias de óculos me espiam
sem olhos atrás da vitrina
não sei como enxergariam
com essa luz que ilumina
menos que a minha sombra.
O chiado da vassoura
e a risada que estoura
sublinham o não-silêncio
da noite baiana cansada.

Salvador, 19/7/87
G G G G G G G G G G G G
Sobre o Autor
Nasceu em São Paulo, em 1960. Graças a seu pai, Argemiro, e a seu professor Wilson que se interessou pela poesia. Casou-se com Mariene: tiveram quatro filhos, Gabriela, Leonardo, Pedro e Gabriel. Hoje, moram em Salvador.

Participou das seguintes antologias:
Álbum In Verso. Macaé, RJ: Petrobras, 1995.
Brusca Poesia. Salvador, BA: Grupo Cultural Pórtico, 1996.
Antologia Escritores & Poetas da Bahia. Salvador, BA: Petrobrás, 1997.
Anuário Pórtico 1997. Salvador, BA: Grupo Cultural Pórtico, 1997.
Antologia Poetrix. Salvador, BA: Movimento Internacional Poetrix, 2002.
Antologia Pórtico 1. Salvador, BA: Grupo Cultural Pórtico, 2003.

Mantém o blog "Canto de Anjo", sobre o filho caçula, que é autista:
http://www.cantodeanjo.blogger.com.br
o blog "Cronica Autista", de notícias sobre autismo
http://www.cantodeanjo.blogger.com.br
e o blog "Imbloglio",
http://www.imbloglio.blogger.com.br , de Crônicas, poesia e tudo o mais.
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Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br

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