1. O CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL E A ESCOLA LITERÁRIA
O início do século XX ficou marcado, no Brasil e no mundo, por uma série de mudanças em todos os setores da sociedade. Para melhor entendermos o que se estuda sob a denominação de Modernismo, precisamos perceber a relação entre um movimento, uma estética e um período.
O MOVIMENTO
A semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São, em 1922, marca o surgimento do movimento.
Na Europa, movimentos vanguardistas buscam de maneiras variadas e inusitadas novas formas de expressão artística, recusando tudo que significasse tradição. Alguns escritores brasileiros tomavam contato com tais novidades estéticas: Oswald de Andrade conhece o Futurismo em Paris; Manuel Bandeira, o neo-simbolismo suíço; Ronald de Carvalho colabora na fundação de Orpheu, uma revista futurista em Portugal.
Em 1917, Anita Mafatti faz uma exposição de artes plásticas apresentando elementos cubistas e expressionistas assimilados em seus estudos feitos na Alemanha e nos Estados Unidos. A polêmica causada ganhou força na voz de Monteiro Lobato, que escreve um artigo intitulado “Paranóia ou Mistificação” atacando violentamente a artista e suas obras. A defesa foi feita por Oswald de Andrade, Menotti del Picchia e Mário de Andrade.
A partir de então, um grupo de jovens da burguesia culta passa a tomar cada vez mais contato com as novidades da estética européia e a se movimentar de forma cada vez mais atuante no meio literário paulista. Preparam assim a Semana da Arte Moderna, trazendo conferências sobre literatura, pintura, escultura e apresentações de poesia, prosa e música modernistas.. Alguns dos principais participantes da Semana foram Ronald de Carvalho, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e outros. Vejamos alguns de seus episódios centrais:
Finalmente, a 29 de janeiro de 1922, o Estado de São Paulo noticiava: “Por iniciativa do festejado escritor, sr. Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, haverá em S. Paulo uma ‘Semana de Arte Moderna’, em que tomarão parte os artistas que, em nosso meio, representam as mais modernas correntes artísticas”. (...)
Realizaram-se três espetáculos durante a Semana, nos dias 13, 15 e 17 (...).
A grande noite da Semana foi a Segunda. A conferência de Graça Aranha, que abriu os festivais, confusa e declamatória, foi ouvida respeitosamente pelo público, que provavelmente não entendeu, e o espetáculo de Vila-Lobos, no dia 17, foi perturbado, principalmente porque se supôs fosse “futurismo” o artista se apresentar de casaca e chinelo, quando o compositor assim se calçava por estar com um calo arruinado... Mas não era conta a música que os passadistas se revoltavam. A irritação dirigia-se especialmente à nova literatura e às novas manifestações da arte plástica.
(...) Mário de Andrade confessa que não sabe como teve coragem para dizer versos diante de uma vaia tão bulhenta que não escutava, no palco e que Paulo Prado lhe gritava da primeira fila das poltronas. (...)
Mas, de qualquer forma, havia sido realizada a Semana de Arte Moderna, que renovava a mentalidade nacional, pugnava pela autonomia artística e literária brasileira e descortinava para nós o século XX, punha o Brasil na atualidade do mundo que já havia produzido T. S. Eliot, Proust, Pound, Freud, Planck, Einstein, a física atômica.
Em meio a muita polêmica a arte modernista conquistava seu espaço.
A ESTÉTICA
A primeira fase modernista foi chama de “fase heróica” ou “fase da revolução estética”. Na realidade, nunca conseguiram delinear claramente sua teoria estética. O que os unificara era uma intensa vontade de expressão livre e a tendência para transmitir a emoção pessoal e a realidade do país de modo não convencional. Quanto ao estilo, os modernistas rejeitaram os padrões portugueses, e deram espaço a uma expressão mais coloquial, próxima do falar brasileiro. Os assuntos também foram renovados, por meio do desejo de serem atuais, de exprimir a vida diária, o cotidiano. Enfim sua maior arma foi a valorização do prosaico e do bom humor.
O PERÍODO
O ano de 1922, marco na busca de liberdade literária, coincide com o Centenário da Independência. O mundo ainda faz descobertas das influências deixadas pela Primeira Guerra Mundial (1914/1918). No Brasil, há um crescimento da indústria. Começa-se a questionar a legitimidade do sistema político, dominado pelas oligarquias rurais. Desde 1890, a chegada de imigrantes como mão-de-obra traz também novos elementos culturais que passam a ter cada vez maior influência, como se vê na cidade de São Paulo.
2. O AUTOR: VIDA E OBRA
Antônio Castilho de Alcântara Machado d’Oliveira nasceu em São Paulo, em 1901, e faleceu no Rio de Janeiro em 1935. Filho de uma família tradicional na qual havia dois professores da faculdade de Direito onde se formou. Ainda estudante, fez jornalismo literário e crônicas teatrais. Sua segunda viagem para a Europa serviu de fonte para seu livro de estréia, Pathé Baby (1926). Em São Paulo esteve sempre vinculado aos responsáveis pela semana de Arte Moderna. Foi redator e colaborador das revistas modernistas Terra Roxa e outras Terras, Revista de Antropofagia e Revista Nova. Destacou-se como cronista e contista, mas também dedicou à pesquisa histórica, da qual resultaram trabalhos sobre Anchieta. Depois de 1932, entregou-se à atividade política, motivo da transferência de sua residência para o Rio de Janeiro.
Segundo a crítica, Alcântara de Machado foi o primeiro escritor do modernismo a se mostrar sensível às mudanças na prosa ficcional, dedicando-se à história curta. Sua atenção voltava-se basicamente para as curiosidade que o encontro entre italianos e paulistas provocava. Seu estilo, perfeitamente de acordo com os ideais modernistas, marca-se pela leveza, bom humor, fundido o registro de ítalos-brasileiras com imagens urbanas e a emoção do cotidiano. É nesse instante que sugere o retrato de uma São Paulo nova, em plena mudança na estrutura social e na economia.
OBRAS DO AUTOR
Pathé Baby, 1926; Brás Bexiga e Barra Funda, 1927; Laranja da China, 1928; Anchieta na Capitania de São Vicente, 1928; Comemoração de Brasílio Machado, 1929; Mana Maria, ed. Póstuma, 1926; Cavaquinho e Saxofone, ed. Póstuma, 1940.
3. ANÁLISE DA OBRA
Brás, Bexiga e Barra Funda é composto por um prefácio e onze histórias curtas, todas focalizando o ítalo-brasileiro nos bairros operários no início do século.
RESUMO DOS ENREDOS
1 · ARTIGO DE FUNDO
Na verdade, é o prefácio do livro. Porém, como, de m modo irreverente, o autor nega que a obra seja livro, o texto deixa de ser prefácio. O livro nasceu jornal, os contos nasceram notícias e o prefácio, portanto, nasceu artigo de fundo.. E como jornal, Brás, Bexiga e Barra Funda é o órgão dos ítalo-brasileiros de São Paulo.
Durante muito tempo, o Brasil teria vivido da mistura de três raças tristes: a primeira, os índios que aqui estavam quando chegou a segunda raça, os portugueses. Da mistura destas duas, nasceram os primeiros mamelucos.
A terceira raça, os negros, veio trazendo “outras moças gentis, mucamas, mucambas, mumbandas, macumbas” e nasceram os segundos mamelucos. Com os dois grupos de mamelucos o Brasil começou a funcionar.
Até que outras raças vieram a Europa, entre elas os alegres italianos. E da mistura da gente imigrante com o ambiente e com a gente indígena nasceram novos mamelucos, os “intalianinhos”.
Houve implicância e preconceito no começo:
Carcamano pé de chumbo
Calcanhar de frigideira
Quem te deu a confiança
De casar com brasileira?
Mas o italiano soube com seu jeito fazer-se respeitas e poderia responder: “A brasileira, per Bacco!”
Assim, o italiano conseguiu seu espaço.
Brás, Bexiga e Barra Funda, como jornal que é, não toma partido. Procura apenas noticiar os fatos do cotidiano.
Muitos ítalos-brasileiros serão homenageados neste jornal por terem impulsionado a vida espiritual e material de São Paulo.
2 · GAETANINHO
Gaetaninho quase foi atropelado por um Ford quando banzava no meio da rua. A mãe o manda entrar. Ele vem chegando e dribla a mãe com o chinelo da mão.
O sonho de Gaetaninho é andar de carro. Mas, ali, na rua do oriente, isso só acontece em dia de enterro. Um amigo de Gaetaninho, o Beppino, já atravessara a cidade de carro mas só porque sua tia Peronetta ia ser enterrada no Cemitério do Araçá.
Gaetaninho sonha que sua tia Filomena morre e vai ser levada para o cemitério. Ele vai na boléia do carro, ao lado do cocheiro, com roupa marinheira, palhetinha – chapeuzinho de palha – e ligas pretas segurando as meias. Muita gente na rua, vendo o enterro, admirava o Gaetaninho. Ele só não estava satisfeito porque o cocheiro não queria deixá-lo carregar o chicote.
Gaetaninho acorda com a tia Filomena cantando o Ahi, Mari! Primeiro fica desapontado. Depois quase chora de ódio.
Quando tia Filomena soube do sonho teve um ataque de nervos. E Gaetaninho tratou de substituí-la pelo seu Rubino, o acendedor da Companhia de Gás, que uma vez lhe deu em cocre danado de doído.
Durante um jogo de bola na calçada Gaetaninho pergunta para Beppino se ele irá ao enterro do pai do Afonso. Outro amigo, o Vicente, reclama da desatenção no jogo.
Gaetaninho volta para seu posto de defesa. Beppino chuta a bola de meia que vai parar no meio da rua. Gaetaninho vai buscar mas é atingido pelo bonde que trazia seu pai.
No dia seguinte, sai um enterro da rua do Oriente levando Gaetaninho no carro da frente dentro de um caixão fechado com flores pobres em cima. Vestia a roupa marinheira, tinha as ligas, mas não levava a palhetinha. Num dos carros do cortejo via-se Beppino vestido num soberbo terno vermelho.
3 · CARMELA
Carmela e Bianca saem da oficina de costura onde trabalham na rua Barão de Itapetininga. Carmela, bonita, sensual é paquerada na rua. Bianca, feia e estrábica, é a sentinela da companheira. Um rapaz – o caixa d’óculos – num automóvel Buick que já a paquerara em outro dia, reaparece. Carmela encontra o namorado Ângelo Cuoco, entregador da casa Clarck e pede para Bianca dar o fora. Na rua do Arouche o Buick passa várias vezes. Ângelo fica enciumado. Bianca, que segue um pouco atrás, é interpelada pelo caixa d’óculos. Com sua lábia consegue o endereço de Carmela e lhe manda um recado marcando um encontro atrás da Igreja da Santa Cecília. Bianca dá o recado para Carmela, incentivando-a.
Da noite Carmela, antes de deitar-se na cama de ferro ao lado da irmãzinha, lê Joana a desgraçada ou Odisséia de uma virgem, fascículo 2º. Olhando a gravura da capa, começa a confundir a imagem da princesa raptada com a sua própria imagem e a do castelo com a Igreja Santa Cecília. Mas logo o trispeiro Giuseppe Santini manda apagar a luz.
Carmela decide aceitar o convite mas apenas até a Alameda Glette. Bianca continua incentivando.
Na hora do encontro, Carmela exige que Bianca entre junto no Buick.
No encontro do domingo seguinte, Carmela avisa que Bianca não irá mais no carro. Bianca, cheia de despeito, começa a recriminar as atitudes da amiga.
Depois de ver o Buick afastar-se, Bianca vai dar um giro no bairro. Encontra a Ernestinha e lhe conta tudo. Quando Ernestinha pergunta sobre o Ângelo, Bianca responde:
- O Ângelo? O Ângelo é outra cousa. É pra casar.
· Tiro de Guerra nº 35
No Grupo Escolar da Barra Funda Aristodemo Guggiani aprendeu malandragens e ideais nacionalistas. Aristodemo era a melhor voz da classe, puxando o coro para cantar o hino nacional e o da bandeira.
Saiu do Grupo e foi trabalhar para o cunhado. Cresceu brincando, jogando bola, amando, brigando...
Quando brigou com o cunhado foi ser cobrador da linha Praça do Patriarca – Lapa na Companhia Auto-Viação Gabrielle d’Annunzio. Na rua das Palmeiras arrumou uma “pequena”.
Logo sumiu a “pequena”, sob o pseudônimo de Mlle. Miosotis, publica uma notinha n’A Cigarra indagando do seu paradeiro.
Aristodemo agora era soldado do Tiro de Guerra nº 35. Influenciado pelo sargento Aristótoles Camarão de Medeiros, Aristodemo ficou extremamente patriótico. Tornou-se ajudante de ordens do sargento e recebeu ordem de levar cópias do hino nacional para o ensaio de sete de setembro.
Durante o ensaio, Aristodemo acaba perdendo a paciência e dá um tabefe num soldado “alemãozinho” que estava “escachando” o hino nacional.
Após ouvir as testemunhas, o sargento Aristóteles escreve a “ordem do dia” expulsando o alemãozinho e citando Aristodemo como exemplo de patriotismo.
Ainda sob a influência do patriótico sargento, Aristodemo pede sua demissão da Companhia Auto-Viação Gabrielle d’Annunzio e vai trabalhar na Sociedade de Transportes Rui Barbosa Ltda., na mesma linha.
4 · AMOR E SANGUE
Nicolino Fior d’Amore estava triste, com a alma negra. Brigou com o verdureiro, não conseguiu encontrar a Grazia, não deu atenção ao amigo, não cumprimentou seu Salvador, dono da barbearia onde trabalhava. Também fingiu não ouvir quando o Temístocles da Prefeitura comentou um crime passional.
Ao encontrar Grazia na saída da fábrica, ameaçou se matar caso ela não falasse com ele. A única resposta que ela lhe dá é: “Pensa que eu sou aquela fedida da Rua Cruz Branca?” E vai embora.
Quando Grazia saía da fábrica conversando e rindo com Rosa, Nicolino aparece e lhe dá uma punhalada.
Na delegacia, ele se defende dizendo que estava louco e todos os jornais registram que essa frase foi dita chorando. E dela surge o estribilho de Assassino por Amor (Canção da atualidade para ser cantada com a música do “fubá”, letra de Spartaco Novais Panini)” que causou furor na zona:
Eu estava louco, Seu delegado! Matei por isso, Sou um desgraçado!
5 · A SOCIEDADE
A esposa do conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda não tolera sequer imaginar que a filha Teresa Rita venha a se casar com um “filho carcamano”
Mesmo assim, o rapaz, Adriano Melli, ronda a sua janela, passa buzinando no seu Lancia e cumprimentando com seu chapéu Borsalino. A mãe, atenta, manda-a entrar.
Os pais não puderam ir ao baile graças a um furúnculo no pescoço do conselheiro e com isso Teresa e Adriano conseguem se ver. Neste encontro, o jovem anuncia seu pai quer fazer negócio com o pai da moça.
A mãe, precavida, já deixa avisado: “Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pedir a mão de Teresa para o filho você aponde o olho da rua para ele, compreendeu?”
Mas o negócio era outro. O senhor Salvatore Melli vinha propor sociedade em um negócio no qual o conselheiro entrava com uns terrenos e ele com o capital. No meio da conversa, Salvatore avisa que seu filho será o gerente da sociedade.
Consultando a mulher, o conselheiro obteve a seguinte resposta: “Faça como quiser, Bonifácio...”. E ele resolveu aceitar.
Seis meses depois vem a outra proposta: o casamento dos filhos.
No chá de noivado, o senhor Melli recordou na frente de todos o tempo que vendia cebolas, batatas, Olio di Lucca e bacalhau para a mãe de Teresa quase sempre fiado e até sem caderneta.
6 · LISETTA
Assim que entrou no bonde com sua mãe, Lisetta viu logo o urso de pelúcia no colo da menina de pulseira de ouro e meias de seda. Quando a menina rica percebeu o encanto de Lisetta passou a exibir-se com o urso, deixando Lisetta ainda mais deslumbrada. Dora Mariana, a mãe, pedia à menina que ficasse quieta, mas Lisetta agora queria pegar o urso um pouquinho. A mãe da menina rica olhou, com ar de superioridade, fez um carinho no bichinho e se olhou no espelho. E o escândalo continuava.
Quando a família rica desceu, a mãe, já em frente ao seu palacete estilo empreiteiro português, voltou-se e agitou o bichinho no ar, provocando a menina.
Já em casa, Lisetta levou uma surra histórica. A mãe só parou quando Hugo, irmão da menina, chegou da oficina e a defendeu.
Mais tarde, Hugo deu à Lisetta um urso “pequerruncho e de lata”. Pasqualino, outro irmão, logo quis pegá-lo. Mas Lisetta correu para o quarto e “fechou-se por dentro”.
7 · CORÍNTIANS (2) VS. PALESTRA (1)
A partida estava vibrante no estádio do Parque Antártica. Miquelina, ao lado de sua amiga Iolanda não consegue se conformar quando o Coríntians faz o gol.
Sua esperança para garantir o Palestra agora era o Rocco. Gostava dele. Antes namorava o Biagio, jogador do Coríntians. Quando terminou o namoro, ela parou de freqüentar os bailes dominicais da Sociedade Beneficiente e Recreativa do Bexiga, onde todo mundo sabia da história deles. “E passou a torcer para o Palestra. E começou a namorar o Rocco.”
Matias, jogado do Palestra, empata o jogo. Miquelina delira.
No intervalo, Miquelina manda pelo irmão um recado ao Rocco, dizendo para que ele “quebrasse” o Biagio.
Quando Biagio estava parar marcar um gol, Rocco o derruba dentro da área: o juiz marca pênalti.
O próprio Biagio bate e faz mais um gol para o Coríntians. O jogo acaba.
Na saída, Miquelina “murchou dentro de sua tristeza”, “nem sentia os empurrões”, “não sentia nada”, “não vivia”.
No bonde, de volta para casa, corintianos faziam a festa. Um torcedor do Palestra reclama que a culpa foi “daquela besta do Rocco”.
Mais tarde Iolanda se surpreende quando Miquelina resolve acompanhá-la ao baile da Sociedade.
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O início do século XX ficou marcado, no Brasil e no mundo, por uma série de mudanças em todos os setores da sociedade. Para melhor entendermos o que se estuda sob a denominação de Modernismo, precisamos perceber a relação entre um movimento, uma estética e um período.
O MOVIMENTO
A semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São, em 1922, marca o surgimento do movimento.
Na Europa, movimentos vanguardistas buscam de maneiras variadas e inusitadas novas formas de expressão artística, recusando tudo que significasse tradição. Alguns escritores brasileiros tomavam contato com tais novidades estéticas: Oswald de Andrade conhece o Futurismo em Paris; Manuel Bandeira, o neo-simbolismo suíço; Ronald de Carvalho colabora na fundação de Orpheu, uma revista futurista em Portugal.
Em 1917, Anita Mafatti faz uma exposição de artes plásticas apresentando elementos cubistas e expressionistas assimilados em seus estudos feitos na Alemanha e nos Estados Unidos. A polêmica causada ganhou força na voz de Monteiro Lobato, que escreve um artigo intitulado “Paranóia ou Mistificação” atacando violentamente a artista e suas obras. A defesa foi feita por Oswald de Andrade, Menotti del Picchia e Mário de Andrade.
A partir de então, um grupo de jovens da burguesia culta passa a tomar cada vez mais contato com as novidades da estética européia e a se movimentar de forma cada vez mais atuante no meio literário paulista. Preparam assim a Semana da Arte Moderna, trazendo conferências sobre literatura, pintura, escultura e apresentações de poesia, prosa e música modernistas.. Alguns dos principais participantes da Semana foram Ronald de Carvalho, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e outros. Vejamos alguns de seus episódios centrais:
Finalmente, a 29 de janeiro de 1922, o Estado de São Paulo noticiava: “Por iniciativa do festejado escritor, sr. Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, haverá em S. Paulo uma ‘Semana de Arte Moderna’, em que tomarão parte os artistas que, em nosso meio, representam as mais modernas correntes artísticas”. (...)
Realizaram-se três espetáculos durante a Semana, nos dias 13, 15 e 17 (...).
A grande noite da Semana foi a Segunda. A conferência de Graça Aranha, que abriu os festivais, confusa e declamatória, foi ouvida respeitosamente pelo público, que provavelmente não entendeu, e o espetáculo de Vila-Lobos, no dia 17, foi perturbado, principalmente porque se supôs fosse “futurismo” o artista se apresentar de casaca e chinelo, quando o compositor assim se calçava por estar com um calo arruinado... Mas não era conta a música que os passadistas se revoltavam. A irritação dirigia-se especialmente à nova literatura e às novas manifestações da arte plástica.
(...) Mário de Andrade confessa que não sabe como teve coragem para dizer versos diante de uma vaia tão bulhenta que não escutava, no palco e que Paulo Prado lhe gritava da primeira fila das poltronas. (...)
Mas, de qualquer forma, havia sido realizada a Semana de Arte Moderna, que renovava a mentalidade nacional, pugnava pela autonomia artística e literária brasileira e descortinava para nós o século XX, punha o Brasil na atualidade do mundo que já havia produzido T. S. Eliot, Proust, Pound, Freud, Planck, Einstein, a física atômica.
Em meio a muita polêmica a arte modernista conquistava seu espaço.
A ESTÉTICA
A primeira fase modernista foi chama de “fase heróica” ou “fase da revolução estética”. Na realidade, nunca conseguiram delinear claramente sua teoria estética. O que os unificara era uma intensa vontade de expressão livre e a tendência para transmitir a emoção pessoal e a realidade do país de modo não convencional. Quanto ao estilo, os modernistas rejeitaram os padrões portugueses, e deram espaço a uma expressão mais coloquial, próxima do falar brasileiro. Os assuntos também foram renovados, por meio do desejo de serem atuais, de exprimir a vida diária, o cotidiano. Enfim sua maior arma foi a valorização do prosaico e do bom humor.
O PERÍODO
O ano de 1922, marco na busca de liberdade literária, coincide com o Centenário da Independência. O mundo ainda faz descobertas das influências deixadas pela Primeira Guerra Mundial (1914/1918). No Brasil, há um crescimento da indústria. Começa-se a questionar a legitimidade do sistema político, dominado pelas oligarquias rurais. Desde 1890, a chegada de imigrantes como mão-de-obra traz também novos elementos culturais que passam a ter cada vez maior influência, como se vê na cidade de São Paulo.
2. O AUTOR: VIDA E OBRA
Antônio Castilho de Alcântara Machado d’Oliveira nasceu em São Paulo, em 1901, e faleceu no Rio de Janeiro em 1935. Filho de uma família tradicional na qual havia dois professores da faculdade de Direito onde se formou. Ainda estudante, fez jornalismo literário e crônicas teatrais. Sua segunda viagem para a Europa serviu de fonte para seu livro de estréia, Pathé Baby (1926). Em São Paulo esteve sempre vinculado aos responsáveis pela semana de Arte Moderna. Foi redator e colaborador das revistas modernistas Terra Roxa e outras Terras, Revista de Antropofagia e Revista Nova. Destacou-se como cronista e contista, mas também dedicou à pesquisa histórica, da qual resultaram trabalhos sobre Anchieta. Depois de 1932, entregou-se à atividade política, motivo da transferência de sua residência para o Rio de Janeiro.
Segundo a crítica, Alcântara de Machado foi o primeiro escritor do modernismo a se mostrar sensível às mudanças na prosa ficcional, dedicando-se à história curta. Sua atenção voltava-se basicamente para as curiosidade que o encontro entre italianos e paulistas provocava. Seu estilo, perfeitamente de acordo com os ideais modernistas, marca-se pela leveza, bom humor, fundido o registro de ítalos-brasileiras com imagens urbanas e a emoção do cotidiano. É nesse instante que sugere o retrato de uma São Paulo nova, em plena mudança na estrutura social e na economia.
OBRAS DO AUTOR
Pathé Baby, 1926; Brás Bexiga e Barra Funda, 1927; Laranja da China, 1928; Anchieta na Capitania de São Vicente, 1928; Comemoração de Brasílio Machado, 1929; Mana Maria, ed. Póstuma, 1926; Cavaquinho e Saxofone, ed. Póstuma, 1940.
3. ANÁLISE DA OBRA
Brás, Bexiga e Barra Funda é composto por um prefácio e onze histórias curtas, todas focalizando o ítalo-brasileiro nos bairros operários no início do século.
RESUMO DOS ENREDOS
1 · ARTIGO DE FUNDO
Na verdade, é o prefácio do livro. Porém, como, de m modo irreverente, o autor nega que a obra seja livro, o texto deixa de ser prefácio. O livro nasceu jornal, os contos nasceram notícias e o prefácio, portanto, nasceu artigo de fundo.. E como jornal, Brás, Bexiga e Barra Funda é o órgão dos ítalo-brasileiros de São Paulo.
Durante muito tempo, o Brasil teria vivido da mistura de três raças tristes: a primeira, os índios que aqui estavam quando chegou a segunda raça, os portugueses. Da mistura destas duas, nasceram os primeiros mamelucos.
A terceira raça, os negros, veio trazendo “outras moças gentis, mucamas, mucambas, mumbandas, macumbas” e nasceram os segundos mamelucos. Com os dois grupos de mamelucos o Brasil começou a funcionar.
Até que outras raças vieram a Europa, entre elas os alegres italianos. E da mistura da gente imigrante com o ambiente e com a gente indígena nasceram novos mamelucos, os “intalianinhos”.
Houve implicância e preconceito no começo:
Carcamano pé de chumbo
Calcanhar de frigideira
Quem te deu a confiança
De casar com brasileira?
Mas o italiano soube com seu jeito fazer-se respeitas e poderia responder: “A brasileira, per Bacco!”
Assim, o italiano conseguiu seu espaço.
Brás, Bexiga e Barra Funda, como jornal que é, não toma partido. Procura apenas noticiar os fatos do cotidiano.
Muitos ítalos-brasileiros serão homenageados neste jornal por terem impulsionado a vida espiritual e material de São Paulo.
2 · GAETANINHO
Gaetaninho quase foi atropelado por um Ford quando banzava no meio da rua. A mãe o manda entrar. Ele vem chegando e dribla a mãe com o chinelo da mão.
O sonho de Gaetaninho é andar de carro. Mas, ali, na rua do oriente, isso só acontece em dia de enterro. Um amigo de Gaetaninho, o Beppino, já atravessara a cidade de carro mas só porque sua tia Peronetta ia ser enterrada no Cemitério do Araçá.
Gaetaninho sonha que sua tia Filomena morre e vai ser levada para o cemitério. Ele vai na boléia do carro, ao lado do cocheiro, com roupa marinheira, palhetinha – chapeuzinho de palha – e ligas pretas segurando as meias. Muita gente na rua, vendo o enterro, admirava o Gaetaninho. Ele só não estava satisfeito porque o cocheiro não queria deixá-lo carregar o chicote.
Gaetaninho acorda com a tia Filomena cantando o Ahi, Mari! Primeiro fica desapontado. Depois quase chora de ódio.
Quando tia Filomena soube do sonho teve um ataque de nervos. E Gaetaninho tratou de substituí-la pelo seu Rubino, o acendedor da Companhia de Gás, que uma vez lhe deu em cocre danado de doído.
Durante um jogo de bola na calçada Gaetaninho pergunta para Beppino se ele irá ao enterro do pai do Afonso. Outro amigo, o Vicente, reclama da desatenção no jogo.
Gaetaninho volta para seu posto de defesa. Beppino chuta a bola de meia que vai parar no meio da rua. Gaetaninho vai buscar mas é atingido pelo bonde que trazia seu pai.
No dia seguinte, sai um enterro da rua do Oriente levando Gaetaninho no carro da frente dentro de um caixão fechado com flores pobres em cima. Vestia a roupa marinheira, tinha as ligas, mas não levava a palhetinha. Num dos carros do cortejo via-se Beppino vestido num soberbo terno vermelho.
3 · CARMELA
Carmela e Bianca saem da oficina de costura onde trabalham na rua Barão de Itapetininga. Carmela, bonita, sensual é paquerada na rua. Bianca, feia e estrábica, é a sentinela da companheira. Um rapaz – o caixa d’óculos – num automóvel Buick que já a paquerara em outro dia, reaparece. Carmela encontra o namorado Ângelo Cuoco, entregador da casa Clarck e pede para Bianca dar o fora. Na rua do Arouche o Buick passa várias vezes. Ângelo fica enciumado. Bianca, que segue um pouco atrás, é interpelada pelo caixa d’óculos. Com sua lábia consegue o endereço de Carmela e lhe manda um recado marcando um encontro atrás da Igreja da Santa Cecília. Bianca dá o recado para Carmela, incentivando-a.
Da noite Carmela, antes de deitar-se na cama de ferro ao lado da irmãzinha, lê Joana a desgraçada ou Odisséia de uma virgem, fascículo 2º. Olhando a gravura da capa, começa a confundir a imagem da princesa raptada com a sua própria imagem e a do castelo com a Igreja Santa Cecília. Mas logo o trispeiro Giuseppe Santini manda apagar a luz.
Carmela decide aceitar o convite mas apenas até a Alameda Glette. Bianca continua incentivando.
Na hora do encontro, Carmela exige que Bianca entre junto no Buick.
No encontro do domingo seguinte, Carmela avisa que Bianca não irá mais no carro. Bianca, cheia de despeito, começa a recriminar as atitudes da amiga.
Depois de ver o Buick afastar-se, Bianca vai dar um giro no bairro. Encontra a Ernestinha e lhe conta tudo. Quando Ernestinha pergunta sobre o Ângelo, Bianca responde:
- O Ângelo? O Ângelo é outra cousa. É pra casar.
· Tiro de Guerra nº 35
No Grupo Escolar da Barra Funda Aristodemo Guggiani aprendeu malandragens e ideais nacionalistas. Aristodemo era a melhor voz da classe, puxando o coro para cantar o hino nacional e o da bandeira.
Saiu do Grupo e foi trabalhar para o cunhado. Cresceu brincando, jogando bola, amando, brigando...
Quando brigou com o cunhado foi ser cobrador da linha Praça do Patriarca – Lapa na Companhia Auto-Viação Gabrielle d’Annunzio. Na rua das Palmeiras arrumou uma “pequena”.
Logo sumiu a “pequena”, sob o pseudônimo de Mlle. Miosotis, publica uma notinha n’A Cigarra indagando do seu paradeiro.
Aristodemo agora era soldado do Tiro de Guerra nº 35. Influenciado pelo sargento Aristótoles Camarão de Medeiros, Aristodemo ficou extremamente patriótico. Tornou-se ajudante de ordens do sargento e recebeu ordem de levar cópias do hino nacional para o ensaio de sete de setembro.
Durante o ensaio, Aristodemo acaba perdendo a paciência e dá um tabefe num soldado “alemãozinho” que estava “escachando” o hino nacional.
Após ouvir as testemunhas, o sargento Aristóteles escreve a “ordem do dia” expulsando o alemãozinho e citando Aristodemo como exemplo de patriotismo.
Ainda sob a influência do patriótico sargento, Aristodemo pede sua demissão da Companhia Auto-Viação Gabrielle d’Annunzio e vai trabalhar na Sociedade de Transportes Rui Barbosa Ltda., na mesma linha.
4 · AMOR E SANGUE
Nicolino Fior d’Amore estava triste, com a alma negra. Brigou com o verdureiro, não conseguiu encontrar a Grazia, não deu atenção ao amigo, não cumprimentou seu Salvador, dono da barbearia onde trabalhava. Também fingiu não ouvir quando o Temístocles da Prefeitura comentou um crime passional.
Ao encontrar Grazia na saída da fábrica, ameaçou se matar caso ela não falasse com ele. A única resposta que ela lhe dá é: “Pensa que eu sou aquela fedida da Rua Cruz Branca?” E vai embora.
Quando Grazia saía da fábrica conversando e rindo com Rosa, Nicolino aparece e lhe dá uma punhalada.
Na delegacia, ele se defende dizendo que estava louco e todos os jornais registram que essa frase foi dita chorando. E dela surge o estribilho de Assassino por Amor (Canção da atualidade para ser cantada com a música do “fubá”, letra de Spartaco Novais Panini)” que causou furor na zona:
Eu estava louco, Seu delegado! Matei por isso, Sou um desgraçado!
5 · A SOCIEDADE
A esposa do conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda não tolera sequer imaginar que a filha Teresa Rita venha a se casar com um “filho carcamano”
Mesmo assim, o rapaz, Adriano Melli, ronda a sua janela, passa buzinando no seu Lancia e cumprimentando com seu chapéu Borsalino. A mãe, atenta, manda-a entrar.
Os pais não puderam ir ao baile graças a um furúnculo no pescoço do conselheiro e com isso Teresa e Adriano conseguem se ver. Neste encontro, o jovem anuncia seu pai quer fazer negócio com o pai da moça.
A mãe, precavida, já deixa avisado: “Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pedir a mão de Teresa para o filho você aponde o olho da rua para ele, compreendeu?”
Mas o negócio era outro. O senhor Salvatore Melli vinha propor sociedade em um negócio no qual o conselheiro entrava com uns terrenos e ele com o capital. No meio da conversa, Salvatore avisa que seu filho será o gerente da sociedade.
Consultando a mulher, o conselheiro obteve a seguinte resposta: “Faça como quiser, Bonifácio...”. E ele resolveu aceitar.
Seis meses depois vem a outra proposta: o casamento dos filhos.
No chá de noivado, o senhor Melli recordou na frente de todos o tempo que vendia cebolas, batatas, Olio di Lucca e bacalhau para a mãe de Teresa quase sempre fiado e até sem caderneta.
6 · LISETTA
Assim que entrou no bonde com sua mãe, Lisetta viu logo o urso de pelúcia no colo da menina de pulseira de ouro e meias de seda. Quando a menina rica percebeu o encanto de Lisetta passou a exibir-se com o urso, deixando Lisetta ainda mais deslumbrada. Dora Mariana, a mãe, pedia à menina que ficasse quieta, mas Lisetta agora queria pegar o urso um pouquinho. A mãe da menina rica olhou, com ar de superioridade, fez um carinho no bichinho e se olhou no espelho. E o escândalo continuava.
Quando a família rica desceu, a mãe, já em frente ao seu palacete estilo empreiteiro português, voltou-se e agitou o bichinho no ar, provocando a menina.
Já em casa, Lisetta levou uma surra histórica. A mãe só parou quando Hugo, irmão da menina, chegou da oficina e a defendeu.
Mais tarde, Hugo deu à Lisetta um urso “pequerruncho e de lata”. Pasqualino, outro irmão, logo quis pegá-lo. Mas Lisetta correu para o quarto e “fechou-se por dentro”.
7 · CORÍNTIANS (2) VS. PALESTRA (1)
A partida estava vibrante no estádio do Parque Antártica. Miquelina, ao lado de sua amiga Iolanda não consegue se conformar quando o Coríntians faz o gol.
Sua esperança para garantir o Palestra agora era o Rocco. Gostava dele. Antes namorava o Biagio, jogador do Coríntians. Quando terminou o namoro, ela parou de freqüentar os bailes dominicais da Sociedade Beneficiente e Recreativa do Bexiga, onde todo mundo sabia da história deles. “E passou a torcer para o Palestra. E começou a namorar o Rocco.”
Matias, jogado do Palestra, empata o jogo. Miquelina delira.
No intervalo, Miquelina manda pelo irmão um recado ao Rocco, dizendo para que ele “quebrasse” o Biagio.
Quando Biagio estava parar marcar um gol, Rocco o derruba dentro da área: o juiz marca pênalti.
O próprio Biagio bate e faz mais um gol para o Coríntians. O jogo acaba.
Na saída, Miquelina “murchou dentro de sua tristeza”, “nem sentia os empurrões”, “não sentia nada”, “não vivia”.
No bonde, de volta para casa, corintianos faziam a festa. Um torcedor do Palestra reclama que a culpa foi “daquela besta do Rocco”.
Mais tarde Iolanda se surpreende quando Miquelina resolve acompanhá-la ao baile da Sociedade.
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continua...
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Fonte:
Estudo copiado do material do Curso Universitário, disponível em http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/barrafunda
Fonte:
Estudo copiado do material do Curso Universitário, disponível em http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/barrafunda
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