Viviam ambos na mesma casa. Tão íntimos.
No início da vida tudo foi muito bom! Cumplicidade perfeita, um “mar de rosas” como se costuma dizer. Alguns anos depois a casa foi se modificando, as diferenças foram aparecendo e as brigas foram aumentando ao ponto de um deles ficar doente e, às vezes, até os dois.
- Sossegue, amor!
- Como quer que sossegue? Tenho de falar, de pôr ordem nessa bagunça que você faz. Falta disciplina!
- Não vês que sofro?
- Tem é de encarar a realidade.
Outras vezes, o que se considerava tão cabeça dizia, até com jeito:
- Sossegue, amor!
- Como? Sinto como se tivesse um nó na garganta, tenho vontade de chorar, até de … morrer.
- Mas ainda ontem você não ocultava sua alegria quando lhe trouxe aquelas flores. Achei quase ridículo sentir-se nas alturas por causa de algumas flores.
- Algumas flores? Era isto para você? Vi foi o amor, a delicadeza, a forma como me foram oferecidas. Ah, me senti nas nuvens, sim, insensível!
Vê tudo atrapalhado, pensou o outro.
E as desavenças continuavam. Não queriam sair daquela casa, o seu universo, mas às vezes era insuportável. Um queria sobrepujar o outro. O disciplinado, enquanto dominava sentia-se bem, mas logo via tudo tão seco, insípido, sem a companhia impulsiva, meiga, sensível, vendo além do invisível…
Quando o mais doçura tentava dominar, ficava como que alucinado. Passava de uma sensação a outra e quase não podia dominar o sentimento que o invadia. Imaginação. Quem mesmo a havia chamado de “a louca da casa”? Ah, o disciplinado poderia pôr ordem naquele caos. Só ele sabia ver o que era prioritário, essencial. À sua intuição ele proporia sua informação; à inspiração, seu saber; à compaixão, a sabedoria.
Separavam-se, cada um para seu lado. Buscavam aprender um com o outro, mas nessas ocasiões eram divergências, na certa.
Pensaram em morar em ambientes separados, mas viram que precisavam um do outro – o doçura é que pensava assim. O disciplinado, nem tanto.
- Um dia, tudo passará!
Nesta afirmação os dois estavam de acordo
Numa bela manhã a doçura começou a sentir umas premonições de que iria deixar a casa. Ficou pensando como o tempo passou depressa. A casa já era considerada como antiga em comparação com outras novinhas que eles viam sendo construídas. A tecnologia apresentava cada vez mais recursos para consertar os estragos causados pelo tempo. Até que dava uma aparência diferente. Mostravam o antes e o depois – o depois sempre aparecia com um sorrisão aberto, forçado, mas não havia como esconder que o tempo passara por ela.
- Querido, vou fazer um puxadinho aqui.
E ele:
- Deixa desses puxadinhos. Só estraga a planta original. É um único conjunto. Esforcemos por conservá-la firme e segura, na medida do possível.
Falou com o disciplinado sobre seus receios, suas premonições. O que ele achava?
- Não são premonições. São fatos. Chegaremos ao fim juntos com esta casa.
- Tenho medo. Você ficará perto de mim?
- Claro. Só que vou pegar no sono antes de você. É você, doçura, quem, corajosamente vai apagar a luz e entregará a casa.
Madrugada. Pressente-se alguma coisa. A casa! Seria o fim a que tudo o que existe está destinado? Seria, sim.
O disciplinado adormeceu logo depois. A doçura ainda ficou pulsando, levando a despedida a todos os cômodos da casa, apagando a luz de cada um deles, até que, cansada, parou. Nem tentou chamar seu companheiro, pois sabia que seria o primeiro a sossegar. Seu amigo fiel por tantos anos naquele lar, também não acordou. Sabia que a doce companheira dormiria um pouquinho mais tarde para não acordar mais.
Cérebro e Coração, adormecidos naquela casa, nem viram quando ela foi soterrada, no outro dia, de tardinha.
Dizem que uma luz diáfana emanou dela. Reduziu-se ao essencial e tornou-se invisível aos olhos dos demais. Esse “essencial” levava, sorridente e envolto em luz, todo o aprendizado obtido pelos dois.
O anoitecer estava lindo!
Fonte:
Academia de Letras de Maringá
No início da vida tudo foi muito bom! Cumplicidade perfeita, um “mar de rosas” como se costuma dizer. Alguns anos depois a casa foi se modificando, as diferenças foram aparecendo e as brigas foram aumentando ao ponto de um deles ficar doente e, às vezes, até os dois.
- Sossegue, amor!
- Como quer que sossegue? Tenho de falar, de pôr ordem nessa bagunça que você faz. Falta disciplina!
- Não vês que sofro?
- Tem é de encarar a realidade.
Outras vezes, o que se considerava tão cabeça dizia, até com jeito:
- Sossegue, amor!
- Como? Sinto como se tivesse um nó na garganta, tenho vontade de chorar, até de … morrer.
- Mas ainda ontem você não ocultava sua alegria quando lhe trouxe aquelas flores. Achei quase ridículo sentir-se nas alturas por causa de algumas flores.
- Algumas flores? Era isto para você? Vi foi o amor, a delicadeza, a forma como me foram oferecidas. Ah, me senti nas nuvens, sim, insensível!
Vê tudo atrapalhado, pensou o outro.
E as desavenças continuavam. Não queriam sair daquela casa, o seu universo, mas às vezes era insuportável. Um queria sobrepujar o outro. O disciplinado, enquanto dominava sentia-se bem, mas logo via tudo tão seco, insípido, sem a companhia impulsiva, meiga, sensível, vendo além do invisível…
Quando o mais doçura tentava dominar, ficava como que alucinado. Passava de uma sensação a outra e quase não podia dominar o sentimento que o invadia. Imaginação. Quem mesmo a havia chamado de “a louca da casa”? Ah, o disciplinado poderia pôr ordem naquele caos. Só ele sabia ver o que era prioritário, essencial. À sua intuição ele proporia sua informação; à inspiração, seu saber; à compaixão, a sabedoria.
Separavam-se, cada um para seu lado. Buscavam aprender um com o outro, mas nessas ocasiões eram divergências, na certa.
Pensaram em morar em ambientes separados, mas viram que precisavam um do outro – o doçura é que pensava assim. O disciplinado, nem tanto.
- Um dia, tudo passará!
Nesta afirmação os dois estavam de acordo
Numa bela manhã a doçura começou a sentir umas premonições de que iria deixar a casa. Ficou pensando como o tempo passou depressa. A casa já era considerada como antiga em comparação com outras novinhas que eles viam sendo construídas. A tecnologia apresentava cada vez mais recursos para consertar os estragos causados pelo tempo. Até que dava uma aparência diferente. Mostravam o antes e o depois – o depois sempre aparecia com um sorrisão aberto, forçado, mas não havia como esconder que o tempo passara por ela.
- Querido, vou fazer um puxadinho aqui.
E ele:
- Deixa desses puxadinhos. Só estraga a planta original. É um único conjunto. Esforcemos por conservá-la firme e segura, na medida do possível.
Falou com o disciplinado sobre seus receios, suas premonições. O que ele achava?
- Não são premonições. São fatos. Chegaremos ao fim juntos com esta casa.
- Tenho medo. Você ficará perto de mim?
- Claro. Só que vou pegar no sono antes de você. É você, doçura, quem, corajosamente vai apagar a luz e entregará a casa.
Madrugada. Pressente-se alguma coisa. A casa! Seria o fim a que tudo o que existe está destinado? Seria, sim.
O disciplinado adormeceu logo depois. A doçura ainda ficou pulsando, levando a despedida a todos os cômodos da casa, apagando a luz de cada um deles, até que, cansada, parou. Nem tentou chamar seu companheiro, pois sabia que seria o primeiro a sossegar. Seu amigo fiel por tantos anos naquele lar, também não acordou. Sabia que a doce companheira dormiria um pouquinho mais tarde para não acordar mais.
Cérebro e Coração, adormecidos naquela casa, nem viram quando ela foi soterrada, no outro dia, de tardinha.
Dizem que uma luz diáfana emanou dela. Reduziu-se ao essencial e tornou-se invisível aos olhos dos demais. Esse “essencial” levava, sorridente e envolto em luz, todo o aprendizado obtido pelos dois.
O anoitecer estava lindo!
Fonte:
Academia de Letras de Maringá
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