Entre as lendas mais características do velho Egito, uma existe que merece ser contada sete vezes.
Vivia na cidade do Cairo um cheique de grande cultura chamado Calil El Modabighi, cujo nome aparecia sublinhado pela simpatia e pelo respeito que os muçulmanos soem emprestar aos sábios que são generosos e modestos. Era um homem verdadeiramente feliz; a vida para ele corria sempre suave, em meio de invejável conforto e ritmada por uma prosperidade que crescia na ordem natural das coisas, dia para dia.
O bom cheique vivia isolado; possuía, porém, um gato preto pelo qual tinha particular predileção.
Uma noite, tendo despertado casualmente, ouviu o sábio um ruído estranho, junto à porta de sua casa, e viu, com infinita surpresa, o gato levantar-se, abrir cautelosamente a larga janela e perguntar:
— Quem bate?
Alguém, que estava fora, no meio da escuridão da rua, respondeu, com voz sucumbida:
— Venho em busca do teu auxílio, ó poderoso djin! Abre a porta.
Retorquiu o gato:
— Proferiram o nome de Deus, junto à fechadura, e eu sou fraco para vencer esse encanto!
— Atira-me, então, um pedaço de pão pela janela — implorou o misterioso pedinte. — Dá-me, ao menos, um pouco d’água.
— Proferiram o nome de Deus junto do jarro, e eu sou fraco para vencer esse encanto! — declarou ainda o gato.
E ajuntou:
— Na casa ao lado moram infiéis que não pronunciam nunca o nome de Deus. Entra por minha ordem na sala do vizinho e tira de lá o que quiseres.
E, isso dizendo, voltou para o leito, meteu-se entre as cobertas e pôs-se a dormir sossegado.
Compreendeu o cheique, com maior assombro, que o gato preto era um djin, isto é, um gênio dotado de poder sobrenatural, capaz de praticar feitos mágicos e prodigiosos, como fazem os espíritos bons que povoam o espaço.
No dia seguinte o honrado ancião, depois de acariciar longamente o seu gato, disse-lhe, carinhoso:
— Meu bom companheiro, ó gatinho do coração! Bem sabes quanto tenho sido teu amigo! Quero possuir um palácio...
Esquivou-se o gato das mãos de seu dono e saltou para o peitoril da janela. E, naquele mesmo tom com que à noite falara ao estranho visitante, disse:
— Cheique! A tua amizade, outrora tão preciosa, de hoje para o futuro perdeu, infelizmente, para mim, todo o valor! Descobriste o segredo de minha existência; já sabes o que sou! Passaste, pois, a ser meu amigo por interesse!
E, tendo proferido tais palavras, pulou para a rua, fugindo de casa e nunca mais voltou.
Desse dia em diante, a vida do velho cheique desandou por completo; e antes, talvez, que as águas lutulentas do Nilo invadissem pela segunda vez as terras era ele apontado como um dos homens mais infelizes do Cairo.
Perdera, por causa de sua louca ambição, o único amigo e protetor.
Na verdade, a mais sólida e perfeita amizade não resiste ao veneno sutil do interesse.
Fonte:
TAHAN, Malba. O Gato do Cheique e outras lendas. RJ: Ediouro.
Vivia na cidade do Cairo um cheique de grande cultura chamado Calil El Modabighi, cujo nome aparecia sublinhado pela simpatia e pelo respeito que os muçulmanos soem emprestar aos sábios que são generosos e modestos. Era um homem verdadeiramente feliz; a vida para ele corria sempre suave, em meio de invejável conforto e ritmada por uma prosperidade que crescia na ordem natural das coisas, dia para dia.
O bom cheique vivia isolado; possuía, porém, um gato preto pelo qual tinha particular predileção.
Uma noite, tendo despertado casualmente, ouviu o sábio um ruído estranho, junto à porta de sua casa, e viu, com infinita surpresa, o gato levantar-se, abrir cautelosamente a larga janela e perguntar:
— Quem bate?
Alguém, que estava fora, no meio da escuridão da rua, respondeu, com voz sucumbida:
— Venho em busca do teu auxílio, ó poderoso djin! Abre a porta.
Retorquiu o gato:
— Proferiram o nome de Deus, junto à fechadura, e eu sou fraco para vencer esse encanto!
— Atira-me, então, um pedaço de pão pela janela — implorou o misterioso pedinte. — Dá-me, ao menos, um pouco d’água.
— Proferiram o nome de Deus junto do jarro, e eu sou fraco para vencer esse encanto! — declarou ainda o gato.
E ajuntou:
— Na casa ao lado moram infiéis que não pronunciam nunca o nome de Deus. Entra por minha ordem na sala do vizinho e tira de lá o que quiseres.
E, isso dizendo, voltou para o leito, meteu-se entre as cobertas e pôs-se a dormir sossegado.
Compreendeu o cheique, com maior assombro, que o gato preto era um djin, isto é, um gênio dotado de poder sobrenatural, capaz de praticar feitos mágicos e prodigiosos, como fazem os espíritos bons que povoam o espaço.
No dia seguinte o honrado ancião, depois de acariciar longamente o seu gato, disse-lhe, carinhoso:
— Meu bom companheiro, ó gatinho do coração! Bem sabes quanto tenho sido teu amigo! Quero possuir um palácio...
Esquivou-se o gato das mãos de seu dono e saltou para o peitoril da janela. E, naquele mesmo tom com que à noite falara ao estranho visitante, disse:
— Cheique! A tua amizade, outrora tão preciosa, de hoje para o futuro perdeu, infelizmente, para mim, todo o valor! Descobriste o segredo de minha existência; já sabes o que sou! Passaste, pois, a ser meu amigo por interesse!
E, tendo proferido tais palavras, pulou para a rua, fugindo de casa e nunca mais voltou.
Desse dia em diante, a vida do velho cheique desandou por completo; e antes, talvez, que as águas lutulentas do Nilo invadissem pela segunda vez as terras era ele apontado como um dos homens mais infelizes do Cairo.
Perdera, por causa de sua louca ambição, o único amigo e protetor.
Na verdade, a mais sólida e perfeita amizade não resiste ao veneno sutil do interesse.
Fonte:
TAHAN, Malba. O Gato do Cheique e outras lendas. RJ: Ediouro.
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