sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Aparecido Raimundo de Souza (Bichinho Arredio)


Achei você no jardim do meu olhar. Você era a flor mais bonita, a que se destacava das demais, a que sobressaia e brilhava com uma intensidade que nenhum poeta saberia descrever.

Havia um passarinho que pairava (lembrava um helicóptero em miniatura) elegante, numa espécie de dança cadenciada. Enquanto batia freneticamente as asas, com o bico beijava a maciez que lhe evolvia com uma suavidade perene. Depois dava uma volta curta em torno das outras plantas e sumia, de vez, junto com o vento.

De repente, de repente você murchou. Ficou abandonada, esquecida. Seu brilho se quedou ofuscado. A cor que lhe realçava perdeu a magia. Ninguém mais parou para lhe contemplar, nem o passarinho que vinha de longe ousou se aproximar. Sua elegância impar, num dado momento, perdeu completamente o viço. Você se apagou, por inteira, se fez toda em tristeza, se trancou sem explicação, sem motivos aparentes, numa redoma escura.

Foi ai que lhe roubei. Você estava entristecida, o coração partido e sem forças. Levei você pra mim, escondida, como um bandido que rouba alguma coisa e não quer ser pilhado em flagrante. Cuidei, então, de você, no aconchego da minha casa. Seu corpo tão cheio de vícios se decompunha coberto de chagas e espinhos pontiagudos. Durante meses, reguei com paciência, joguei água limpa, podei as dores, as mágoas, os dissabores. Afastei as lembranças que lhe feriam. Durante meses, só tive olhos para você. A sua solidão doía, não só em seu coração, mas, igualmente no meu. A dor que castigava sua alma, sem tirar, nem por, eu sentia a danada aqui dentro. O receio de morrer só e abandonada, tanto machucava você, quanto enlutava a minha existência.

Com o passar do tempo fui lhe avivando. Moldei sem pressa seu novo eu numa escala ascendente, até que, sem querer, me vi cativo da sua beleza, do seu porte de princesa, do seu jeito nobre de ser. E foi a partir daí que passei a dividir também com você meus dias, minhas horas, meus segredos. Como um louco, lhe mostrei meus fantasmas, expus meus ais, me abri, na verdade, de alma inteira e me deixei ser levado pela magnificência da lealdade que brotava do fundo do seu chão. Falei do meu hoje, abri meu presente, mostrei minhas incertezas e desconfortos para o futuro. Ensinei você de pouquinho, aos goles pequenos, ensinei a acreditar novamente na vida, a aceitar seu destino sem temer os percalços que ainda estavam por vir. Mostrei a você que se fazia necessário gostar primeiramente de si mesma, se amar, ter esperanças, persistência, sempre, houvesse o que houvesse, acontecesse o que acontecesse.

Deixei pra você, uma herança - um pedaço de mim transformado em carinho - sedimentado em esperanças imorredouras. Deixei pra você, ainda, uma canção suave, uma canção eterna, e, junto, de roldão, com o amor que, acima de qualquer coisa fará de você, um ser tranqüilo, confiante, pleno, realizado, reconhecido no mundo, não só no mundo, mas a sua volta, e o que há de melhor e de especial, dentro de sua alma.

E hoje quando lhe vejo no jardim dos meus olhos, me lembro e tenho plena convicção de que você também se recorda, sem nenhuma tristeza, sem nenhuma magoa, dos fora propositais que a vida nos deu, dos desencontros voluntários pelos quais ela nos fez e nos obrigou a passar...

Com certeza, hoje sabemos – você e eu temos a mesma visão ótica: do fundo desse poço escuro em que num momento do destino - você e eu nos envolvemos levados pelas mãos inconsequentes do destino. Hoje sabemos, a vida... A vida só estava juntando EU E VOCÊ para sermos um só!

Fontes:
O Autor
Pintura =
Alex França

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