quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Cecy Barbosa Campos (A Noitada)



Ela se olhou no espelho, de frente, de lado, entortando os olhos para trás, ao máximo possível. Defato estava linda. Gostou do resultado, sentindo-se irresistível.

Naquela noite, tudo teria que acontecer. Estava cansada de esperar pela chegada do marido que, com desculpas esfarrapadas, voltava para casa cada vez mais tarde. Agora, seria a sua vez. Ele haveria de estranhar sua ausência, sentir sua falta, preocupar-se, temendo que algo lhe houvesse acontecido. Passaria pelos vários estágios de ansiedade que constituíam o seu tormento cotidiano ou, pelo menos, bastante frequente.

Saiu com as amigas, bebeu, dançou, "ficou", sem quase se lembrar do marido. Quando começou a ficar entediada, pelo burburinho sem significado, e teve vontade de voltar para casa, sentiu medo. Não medo de sua reação, pois até gostaria de uma cena de ciúmes, mas medo de chegar antes dele e sentir a frustração de ter sua tresloucada atitude reduzida a nada. Daí reagia e continuava fingindo a alegria que mostravam seus dentes claros e perfeitos, mas que não atingia o seu coração.

Finalemnte, com o dia amanhecendo, voltou para casa. Estava exausta e com um terrível sentimento de vazio.

Ao entrar no edifício foi, imediatamente, abordado pelo porteiro que lhe entregou um envelope.

- A Moto-entrega deixou isto aqui inda agora, cedinho, disse ele solícito.

Sem agradecer, de relance, ela reconhece a letra do marido. Desolada, perdida, na brancura do papel, uma única palavra - ADEUS - sem explicação e sem assinatura, pois que ela não seria necessária.

Seria inútil, pensou. Tudo inútil.

Fontes:
CAMPOS, Cecy Barbosa. Recortes de Vida. Varginha, MG: Edições Alba, 2009.
Imagem = http://www.fotosdahora.com.br/

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