quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Athayr Cagnin (Poemas Avulsos)

VELHOS CAMINHOS

Caminhos que trilhei em minha infância,
não estranheis meu passo tardo, lento.
O tempo ficou longe, na distância,
em que me tínheis, livre irmão do vento.

Daquele velho ardor só guardo esta ânsia
de fugir, fugir sempre ao sofrimento.
Porém jamais encontro a verde estância
em que retome o fôlego e o alento.

Agora que vos piso novamente,
pobre de aspirações e sem ideais,
fico a pensar em minha luta ingente:

- Eterna fuga... Estradas sempre iguais...
A gente caminhando para a frente
E vendo que, afinal, vai para trás...

ESTAÇÕES

Aqui, na doce paz deste abandono
neste meu voluntário isolamento,
contemplo o ocaso final de um final de outono
num triste fim de dia sonolento.

Aí vem vindo o inverno nevoento
a enregelar-me e a perturbar meu sono.
Já lhe sinto o rigor. Já lhe ouço o vento
a uivar nas trinchas como um cão sem dono.

Farfalham folhas secas pelo chão,
lembrando as minhas ilusões perdidas...
- Sonhos da mocidade que se vão...

Eis que o inverno da vida me abre as portas,
levando, como folhas ressequidas,
uma por uma, as esperanças mortas.

DEUSA DA TARDE

Era na hora da tarde terna e suave
em que das pombas se ouve o arrulho amigo
que ela, com seu passinho leve de ave,
furtivamente vinha ter comigo.

Sempre que o sol se punha minha chave
abria a porta do solar antigo,
que, com seu porte austero, nobre e grave,
era do nosso amor o doce abrigo.

Nesses encontros rápidos, ousados,
todas as tardes, um desejo ardente
nos conduzia a extremos desvairados.

Para encontrar-me ela rompia amarras.
Mas um dia partiu. Ficou somente
comigo a algaravia das cigarras.

MENTIROSA

Todas diziam como tu. Sorrindo
e sem dar importância ao que falavam,
a todas eu também ia iludindo,
da mesma forma como me enganavam.

Umas juravam. Outras preferindo
com o pranto reforçar o que afirmavam,
iam, de um modo cínico, fingindo
ser eu aquele a quem no mundo amavam.

Fingi acreditar em todas elas.
Estas por demonstrarem mais ardor,
por serem algo liberais aquelas...

Foram-se todas, cheias de amargor...
Só tu que foste a mais fingida delas,
ficaste, eterna, para o meu amor!

SUBMISSÃO

Para apagá-la do meu pensamento
- ela que é tudo o que na vida almejo
nos braços de outras fui buscar alento
e sufocar a chama do desejo.

Mas por mais que eu buscasse o esquecimento
e de olvidá-la, tenha tido ensejo,
jamais pude alcançar o meu intento:
- cada beijo que eu dava era seu beijo.

Vivo neste dilema inexorável:
ou me submeto à sua tirania,
ou sofro a sua ausência irremediável.

O amor de outras mulheres posso ter...
São lindas... mas em minha fantasia,
só quero aquela que me faz sofrer!

CREPÚSCULO

Na tarde roxa, fria e evocativa
tudo parece morto e desolado.
A luz, aos poucos, como que se esquiva,
esgueirando-se ao longo do ar parado.

O céu tem a feição decorativa
de um afresco vazio e desbotado,
Constituindo a única nota viva,
como um ai, há de um pássaro o trinado.

Um cortejo de sombras, como um bando
de aves estranhas, sobre a natureza
as asas lentamente vai baixando...

E enquanto o dia, aos poucos chega ao fim,
um dilema me assalta: - Esta tristeza
Vem da tarde que morre... ou vem de mim?...

Fonte:
http://www.poetas.capixabas.nom.br/

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