sábado, 11 de setembro de 2010

Sylvio Von Söhsten Gama (Sonetos Parnasianos)


AQUELA FLOR
Maceió / 1938
Em um dos primeiros namoros meus houve troca de mimos.

Achei aquela flor, já desbotada,
que um dia, perfumada, recebi.
Um pouco... Um muito a relembrar de ti
nas páginas de um livro agasalhada.

Nós dois... Uma ilusão que foi guardada,
é tudo que esta flor resume em si;
ilusão em que a vida conheci,
num amor de criança... Só, mais nada.

Talvez contigo não conserves inda,
mesmo que ressequida quem foi linda,
a outra flor que dei apaixonado.

Eu a minha guardei tendo a certeza
de um dia recordar toda beleza
do que depressa se tornou passado.

DECEPÇÃO
Maceió / 1938

Uma desejada vingança.

Muito desejo confessar-te tudo,
dizendo-te o tanto que te quero
e, aguardando o momento, calo e espero,
na agonia de ter que ficar mudo.

Ignoras o quanto sou sincero
e tua indiferença é conteúdo
que torna meu desejo mais agudo.
Não o posso reprimir e desespero.

Não suporto viver mais de desejos,
pensando noite e dia nos teus beijos
que, certo, me encheriam de emoção...

Por isso, agora, sinto diferente,
o que me agradaria no presente
era o teu sim, para dizer um não.

ENGANO
Maceió / 1938

Na adolescência, quase infância, o exagero dominava os sentimentos.

Tentei vê-la outra vez. Melhor seria
que eu houvesse ficado na ilusão,
pois os sonhos que tinha, com emoção,
decorriam de mera fantasia.

Como a encontrei mudada! Parecia
que não era você. Desilusão!
Nos olhos seus a procurei em vão
não reencontrando aquela que eu queria.

Foi triste constatar acabrunhado
que só eu conservava do passado
o nosso amor, meu sonho, a sua jura...

Não me conformo em ter fingido tanto
pra mim que acreditava, lhe garanto,
ser você das mulheres a mais pura.

PRIMEIRA DESVENTURA
Maceió / 1939

Felizmente as desventuras não foram muitas.

Descamba a tarde a se arrastar tristonha,
envolve a Terra um tom esmaecido.
A Natureza perde o colorido,
é quase anoitecer... O mundo sonha.

Por entre as nuvens, pálido, perdido,
um brilho que escondeu-se de vergonha...
e a escuridão a se espalhar medonha
deixam, no espaço, o negro difundido.

Esperei por você com ansiedade,
custa-me acreditar que na verdade
o seu alheamento me tortura.

Nosso encontro não foi realizado.
Em mim ficou um coração magoado
e o gosto da primeira desventura.

INSPIRAÇÃO
Maceió / 1939

Eu ainda não sabia que poesia não se faz, se liberta, e que está em todas as coisas.

Saí pra fazer versos, procurando
em tudo que encontrava uma inspiração.
Estrelas, céu, luar, escuridão,
e a tudo indiferente ia passando.

Horas vaguei mal inspirado... Em vão
tentei o espaço percorrer voando,
e as imagens que ia formulando,
se as erguia, rolavam pelo chão.

Desditosa ventura de poeta!
Se acaso quer sonhar – coisa dileta –,
o mundo o contraria e lhe diz não.

Se resolve viver na realidade,
força estranha lhe tolhe essa vontade
e o envolve no manto da ilusão.

ENCONTRO MARCADO
Maceió / 1940

Naquele tempo o namoro era proibido.
Acontecia, furtivamente, na entrada e saída dos colégios.

Meio-dia, poeira, solo ardente.
O sol se apraz em espalhar mormaço,
e este, com forte e tenebroso abraço,
me envolve e me angustia horrivelmente.

Demoras... Apreensivo, olhando o braço,
vejo o relógio que anda lentamente.
Me aborreço. Nervoso, impaciente,
entro em luta, debato-me, fracasso.

Sou todo exaltação de ansiedade.
Minutos se transformam em eternidade
e lentos se sucedem... Desespero!

Mas o desejo de te ver é tanto
que venço a impaciência e, num recanto,
fico sereno, acalmo-me, te espero.

ADEUS
Rio de Janeiro / 1941

O porto de Maceió não existia e os navios ficavam ao largo.
O embarque e o desembarque eram feitos em barcos a remo.

Adeus foi o que lhe disse... Adeus, parti.
Parti e, do navio a praia olhando,
vi seu vulto nas águas mergulhando...
E as lágrimas deter não consegui.

Longos dias se vão... Triste, pensando
nos momentos de angústia que vivi,
fecho os olhos pra vê-la tal a vi,
linda, na tarde triste, e chorando.

Busco em tudo lembranças do passado.
Horas vivo no tédio mergulhado,
mergulhado em tristeza como quê.

A recordá-la com carinho e encanto,
quase, quase a ver, vertida em pranto,
a saudade que sinto de você.

ESPADIM
Realengo(RJ) / 1941

Juramento que fiz no recebimento do espadim – miniatura do Sabre de Caxias –,
depois de rigoroso teste, na Escola Militar do Realengo.

Ah! Que sonho eu sonhei, quando desperto,
que te incluía, Escola Militar!
Um projeto de vida a modelar
pro qual o coração estava aberto.

Consegui em teu seio ingressar.
Formidável conquista foi... Decerto.
Porém, outro maior feito concreto,
eu confiava, ia se realizar.

Realizou-se entre alegria pura,
quando apuseram, em minha cintura,
o que eu julgava ser demais pra mim.

Prometo vida plena em ousadias
– miniaturas, porém, das de Caxias,
como é a dimensão desse espadim.

LONGE
Rio de Janeiro / 1941

Um cadete, no Rio de Janeiro, morria de saudades da namorada que deixara em Maceió.

Parto deixando-te. E, em partir somente,
o pensamento fica atordoado.
Não sei... Quero falar, porém, calado,
te deixo o coração, levo-te em mente.

De longe, te relembro. Ao meu lado
sinto-te em tudo, em tudo que se sente:
tristeza ou alegria... E, em ter-te ausente,
o alegre pelo triste vem trocado.

Tenho fé que na vida serás minha,
porquanto a cada dia mais se aninha
no fundo do meu eu esse desejo.

Eu sei que minha vida será tua.
Isso fica evidente e se acentua,
pois sonhando somente a ti eu vejo.

PRIMEIRO BEIJO
Palmeira dos Índios / 1942

O cadete, no hotel, recordava o lindo dia que fez acontecer.

Agora aqui, neste cair de tarde,
hora da dúvida, hora da incerteza,
busquei uma alegria na tristeza,
na tristeza feliz que tudo invade.

Em você e em nós dois pensei... Verdade.
É verdade, querida. Com certeza
deste dia completo de beleza
ficou lembrança para a eternidade.

É verdade e foi hoje! Um sonho ousado,
que sonhei tanto tempo acordado
alimentando a chama de um desejo.

Tomei-a nos meus braços palpitante...
E aconteceu, marcando aquele instante,
o seu, o meu, nosso primeiro beijo.
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Fonte
Gama, Sylvio von Söhsten. Meus sonetos: 211 parnasianos. Maceió,AL: [S N], 2005

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