sexta-feira, 2 de junho de 2023

Estante de Livros (Uma princesa de Marte, de Edgar Rice Burroughs)


Uma Princesa de Marte (A Princess of Mars, no original) é um romance de fantasia científica de Edgar Rice Burroughs, o primeiro de sua série Barsoom. Repleto de lutas de espadas e proezas audazes, o romance é considerado um exemplo clássico da literatura pulp do século XX. É também um exemplo seminal do romance planetário, um subgênero da fantasia científica que se tornou muito popular nas décadas após a sua publicação. Seus primeiros capítulos contêm também elementos de faroeste. A história se passa no Planeta Marte, imaginado como um planeta moribundo com um ambiente de deserto inóspito. Esta visão de Marte foi baseado nos trabalho dos astrônomos Percival Lowell e Camille Flammarion sobre os supostos canais de Marte.

Foi publicado pela primeira vez na revista pulp All-Story com título "Under the Moons of Mars" em 1912, Mais tarde foi publicado como um livro pela A.C. McClurg em 1917.

A série Barsoom inspirou uma série de bem conhecidos escritores de ficção científica do século XX, incluindo Jack Vance, Ray Bradbury, Arthur C. Clarke, Robert A. Heinlein, e John Norman. A série também foi inspiradora para muitos cientistas nas áreas de exploração do espaço e a busca por vida extraterrestre, incluindo Carl Sagan, que leu A Princess of Mars quando ele era uma criança. A obra encontra-se em domínio público, porém os herdeiros de Burroughs ainda possuem direitos da marca registrada.

No Brasil o livro só foi publicado em 2010 pela Editora Aleph.

PERSONAGENS PRINCIPAIS

John Carter, é um nativo de Virginia humana, EUA. Enquanto morava na Terra lutou na Guerra Civil no lado confederado, servindo como capitão. Ele descobriu uma mina de ouro por isso é imensamente rico. Fugindo um grupo de índios pele vermelha entra refúgio em uma caverna onde ele entra em um estado de sonolência. Ao acordar ele se encontra em Mars.

Capitão James K. Powell, um nativo de Richmond, Virginia, é um oficial confederado, especialista em minas e um experiente caçador de índios.

Dejah Thoris, filha de Mors Kajak e neta de Tardos Mors Jeddak de Helium. Ela é uma princesa marciano do reino Helium dos homens vermelhos, de aparência humana e excepcionalmente bela. Ele é corajoso e decidido e muitas vezes em perigo mortal. Ela é o interesse amoroso de John Carter.

Tars Tarkas, marciano verde, grande guerreiro, feroz, cruel e corajoso.

Alone, uma marciana verde, filha secreta de Tars Tarkas é de bom coração e bons sentimentos, o que torna Thark um traidor de seu povo.

Woola, uma espécie de cão marciano monstruoso e gigantesco, com cabeça de sapo e presas. Professa lealdade absoluta para John Carter.

Sarkoja, um marciano verde, nove anos de idade, pérfido, cruel e traiçoeiro.

Tal Hajus, um verde marciano Jeddak de Thark, famoso por sua extrema crueldade e ferocidade com prisioneiros que caem em suas mãos.

GÊNEROS

Enquanto o romance é muitas vezes classificado como fantasia científica, também pertence aos subgêneros romance planetário e espada e planeta, que possuem afinidades com a fantasia e a espada e feitiçaria. Distingue-se pela sua inclusão de elementos científicos (ou pseudo-científicos). Tradicionalmente, romances planetários ocorrem na superfície de um mundo alienígena, e muitas vezes incluem lutas de espadas; monstros; elementos sobrenaturais, tais como: habilidades telepáticas (em oposição a magia), culturas semelhantes a do Planeta Terra em épocas pré-industriais, especialmente com as estruturas sociais teocráticos ou dinásticas. Naves espaciais podem aparecer normalmente, mas não são fundamentais para a história. Esta é uma diferença fundamental da space opera, em que geralmente naves espaciais são fundamentais para a narrativa. Embora existam exemplos anteriores nos gêneros, A Princesa of Mars e suas sequelas são os mais conhecidos, e eles foram uma influência dominante em autores posteriores.

O romance também compartilha uma série de elementos de faroestes, como ambientações desérticas, mulheres sendo raptadas, e um climático confronto de vida ou morte com o antagonista.

FILMES

Em 2009 foi lançado um filme diretamente em vídeo intitulado "Princess of Mars" com os atores Antonio Sabato Jr. no papel de Carter e Traci Lords como Dejah Thoris.

Em 9 de março de 2012, a Disney lançou o filme "John Carter: Entre Dois Mundos", dirigido por Andrew Stanton, com Taylor Kitsch no papel de John Carter.

Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Princess_of_Mars

Aparecido Raimundo de Souza (Final surpresa)

O OVO NÃO QUERIA mais saber de ficar encarcerado dentro do invólucro apertado que o impedia de ver a vida lá fora, de forma plena e prazerosa. Fora de si, sobretudo apressado e agastado, enjoado e abatido, arranjou um jeito de se livrar daquela prisão que o oprimia e intimidava, e fazia dele um ser inferior e desgraçado, pequeno e detestável. Na verdade, o Ovo precisava se sentir leve e solto, sem amarras, experimentando o frescor do vento balançando as folhas das árvores, e o calor aconchegante de um impecável sol radiante.

A Clara, sua amiga inseparável, sabedora dessa vontade quase doentia do velho zigoto, estava disposta a ajudar o amigo em seus anseios corroborando acirradamente para que as suas pretensões fossem atendidas e levadas à efeito. Assim pensando, foi ter uma conversa de pé de ouvido com a amiga Gema.

Clara:
— Gema, sabia que o nosso querido amigo Ovo fugiu da caixa onde vivia com seus onze irmãos?

Gema:
— Me falaram. E agora você me trazendo essa confirmação, fico mais tranquila. Mas e daí? Ele está realmente livre, leve e solto... ou...?!

Clara:
—... Quem dera, minha amiga. Quem dera! Você nem imagina o que aconteceu! Meu Deus, só de pensar...

Gema:
— Fala de uma vez. Deixe de rodeios. Vamos direito ao ponto...

Clara:
— O nosso amigo Ovo está numa frigideira de cabo preto em cima do fogão...

Gema:
— Jesus, Maria, José!

Clara:
— Precisamos fazer algo, amiga Gema. E urgente, ou nosso amigo virará, dentro em pouco, numa bela fritada, sem contar que irá parar na barriga dos filhos tresloucados da patroa.

Gema:
— Que horror!

Clara:
— Bota horror nisso, amiga. Bota horror nisso.

Gema:
— Como aconteceu?

Clara:
— Na hora da fuga, o Ovo, ao atravessar para os lados de uma dispensa pouco usada, se viu pego numa armadilha pela empregada, a esquisita da Célia da Boca Torta, que passou a mão no coitado, lhe deu vários tapas pelo corpo, e, assim, que o viu pelado, o jogou com tudo, para dentro de uma frigideira. Aliás, é essa em que ele está agora.

Gema:
— Que azar amiga, coitadinho!

Clara:
— Só não virou comida, pelo menos por enquanto, em face de ter faltado óleo e a Célia da Boca Torta se debandar às carreiras até o supermercado, possivelmente a mando da patroa.  

Gema:
— Então vamos agir?

Clara:
— Sem mais delongas.

Gema:
— Por onde começamos?

Clara:
— Tenho um plano. Tomara que dê certo. Seguinte: você vigia a Célia Boca Torta. Enquanto isso, eu passo a mão no Ovo e o tiro das incertezas do além.

Gema:
— OK. Vamos nessa.

Clara:
— “Demorô!”.

Numa corrida contra o tempo, Clara partiu para onde estava o Ovo, sem roupa, estirado na frigideira a alguns centímetros apenas do bico do fogo. Em sentido oposto, Gema se precipitou para a porta da sala e se postou à espreita da empregada. O azar, contudo, se faz presente e pegou as duas amigas de surpresa. Astolfo, um dos filhos da patroa entrou inopinadamente na cozinha, e, de forma estabanada, ao se apoderar de uma panela, de arroz, derrubou a pesadona peça em Clara, esmagando-a contra a tampa do fogão.

Em seguida, logo atrás, veio, no vácuo dele, o irmão Astulfo. Não vendo a Gema de olhos arregalados no portal de entrada que acessava a sala, adentrou às carreiras e estraçalhou sobre seus sapatos a desditosa, misturando seu pobre corpo a um velho e surrado capacho. Com esse gesto violento, o rapaz levou a desventurada que igualmente a malfadada Clara (que estavam prestes a salvar o Ovo do seu desditoso porvir) aos grilhões do nunca mais. Por falar no Ovo, esse também não teve como se livrar de sua longa senda sem retorno. Envolto a uma pitada de sal, cebolas picadas, massa de tomates e pedacinhos de linguiça, se transformou, num piscar de pálpebras, em uma bela e saborosa omelete.

Quem se banqueteou com essa guloseima? Antes de responder, o autor do texto quer agradecer penhoradamente aos que não fizeram parte ativa de toda essa horrenda situação, em que o pobre Ovo se viu frente a frente com a desgranhenta Senhora Dona da Foice. Aqui uma lembrança em tempo hábil: não somente o Ovo se viu em palpos de aranha. Com ele, se ferraram, de verde amarelo, e, igualmente, se viram aprisionados pelas voracidades do eterno, a Clara e a Gema. Clara, levada pela ação inconsequente de Astolfo perdeu a vida com uma panelada cheia de arroz diretamente em sua cabeça.  

Ao esmo tempo, Astulfo esmagou a Gema, ao se posicionar em vigia à empregada no portal de acesso à sala. Partiu dessa vida sem tempo de se defender, ou dar um berro, sem, mesmo norte, soltar um pio, comprimida debaixo das solas esmagadoras e assassinas de um infeliz destrambelhado que sequer se dava ao trabalho de olhar para onde transitava. Assim, dessa maneira um tanto azarada e cruel, pungente e acrimoniosa (
mordaz), terminou a carreira de três inocentes criaturas que só queriam viver felizes em seus respectivos mundinhos.        

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Varal de Trovas n. 582

 

Contos e Lendas do Paraná - 16 (Origem e nomes de localidades e cidades)


GENERAL CARNEIRO
O Passo do Inferno

Este relato nos faz voltar em meados do ano de 1890, entre as localidades do Iratim e Marco Quatro, hoje denominada Estrada Velha. Naquela época essa região era o corredor de passagem dos tropeiros. Neste local havia um riacho pequeno, chamado na época de Passo por possibilitar a travessia dos animais.

O local, porém, transformava-se num grande atoleiro durante a passagem das tropas. Como consequência, os tropeiros sofriam um enorme desgaste físico na tentativa de salvar os animais, que acabavam encalhando. Muitas vezes, os tropeiros não tinham sucesso na travessia de todos os animais, por este motivo deram o nome ao local de Passo do Inferno.

Conta-se que um fazendeiro, neste mesmo ano, ao retornar de São Paulo, após efetuar a venda da sua boiada, trazia sobre o lombo dos animais uma considerável quantia de moedas de ouro e prata, avolumadas em bruacas. Nas proximidades do Passo do Inferno teve a impressão de estar sendo seguido por homens estranhos. Com medo de um assalto, resolveu pernoitar nos arredores. Antes, no entanto, enterrou o tesouro no mato. Ele, como temia, foi assaltado. Por não portar nenhum valor em moedas foi morto pelos malfeitores.

Após esse acontecimento, cidadãos que por ali passavam avistavam vultos estranhos. Muitos tentaram encontrar o dinheiro enterrado pelo fazendeiro, porém nunca se ouviu falar que alguém tenha encontrado alguma coisa. Mas, as bruacas com as moedas de ouro e prata continuam enterradas lá. No Passo do Inferno.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

PALMEIRA
Surgimento de Palmeira

Conta uma lenda indígena, que certa vez um forte e destemido índio do planalto, filho do cacique, pediu ao pai para conhecer o mar. Ao conhecer os carijós, no litoral, apaixonou-se por uma indiazinha, estes estavam para casar. Quando retornou para pedir a bênção do pai, este não concordou com a união e invocou o espírito do mal, a fim de petrificá-los.

Os carijós, tristes pela perda de sua irmã, recorrem a Tupã, mas este, não podendo tirar esse encantamento, apenas atenuou o mal, transformando-os em duas bonitas e simbólicas árvores. Ao belo índio deu a forma do pinheiro e à indiazinha, uma esbelta e graciosa palmeira. E quando o vento sopra, leva os suspiros do elegante pinheiro à sua bem amada e os dela ao seu amor.

Correram os anos. Um dia, por vontade de Tupã, um velho fazendeiro vai até o litoral e leva sementes da bela palmeira, mais alguns anos e a fazenda Palmeira se tornou a mais linda dos Campos Gerais. Fiel à tradição, doou o velho fazendeiro, no rincão dos buracos, meia légua de campos à Nossa Senhora da Conceição. Surgiu, então, a primeira capela. Envolto em brumas, fica, porém, um fio de verdade dessa lenda selvagem das araucárias: o elo da amizade que ora une Paranaguá a Palmeira.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

A lenda do Véu da noiva

Uma moça, filha de um fazendeiro que morava perto de um rio, onde havia uma linda cachoeira, gostava de um dos seus empregados e dizia que queria casar com ele. Usaria no seu casamento um véu bem comprido e largo. Seu pai, que era um homem ambicioso, a deu em casamento para um homem rico e desconhecido, que ela não conhecia.

Ela, vendo que a data se aproximava e não conseguia de jeito nenhum terminar aquele noivado indesejável, foi à cachoeira, escorregou lentamente no lugar mais perigoso das pedras. Os seus longos cabelos, levados pelas águas, se abriram enroscando-se nas raízes e pedras e ela morreu. Quando acharam o corpo, chamaram aquele lugar de Véu da Noiva.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

TAPEJARA
Lenda da Cidade

No norte do Paraná habitava uma tribo. Ubirajara era o cacique. Um certo dia, Ubirajara pescava nas margens do rio e viu um branco navegando. Chamou a sua tribo e o prenderam. Na tribo havia uma índia bonita que se chamava Tapejara, era noiva do cacique, mas não era de sua vontade.

Com o passar dos dias, ela começou a gostar do prisioneiro, ele também correspondia ao seu amor. O cacique descobriu e mandou-a para fora da tribo e matou o prisioneiro. Mas apesar de tudo, ele amava a índia. Colocou-a em uma linda floresta, lá havia lindos frutos dos quais ela se alimentava e havia uma fonte onde ela bebia água. Ao correr dos anos, começaram a chegar os pioneiros e se o cacique não desse permissão para os brancos entrarem nas terras, haveria luta. Mas logo a índia entrou em contato com sua tribo, pois ela sabia que o cacique ainda a amava. Então logo propôs para o cacique:

– Eu caso com você, e você deixa os brancos habitarem essa terra.

Assim, o cacique aceitou. Os brancos começaram a derrubar a floresta e formar uma cidade. Quando foram derrubar a floresta em que Tapejara tinha morado vários anos, os índios pediram para não derrubá-la, pois os brancos deviam um favor a ela e atenderam o pedido.

Chegou a hora de colocar o nome na cidade, puseram-lhe o nome de Tapejara, em homenagem à índia. Passaram-se anos e atualmente é a Tapejara que nós conhecemos. A floresta que a índia pediu para não ser derrubada é atualmente o bosque da cidade, onde nasce uma fonte cristalina, que hoje abastece a cidade.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

RIO BRANCO DO IVAÍ
Lenda do Rio Ivaí

Uma linda índia, aparecida aos canoeiros que subiam e desciam o rio, levava-os aos lugares com mais pedras e dizia a eles: vai por aí. E os canoeiros iam por lugares que a índia indicava e ficavam envolvidos nas pedras sem poder sair.

Os canoeiros, amedrontados, iam contar o ocorrido e juntavam as palavras para pronunciar, dizendo Ivaí, que significa: índia-vai-aí; por todo o percurso do rio. Ficando Ivaí, no início da colonização.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

CRUZEIRO DO IGUAÇU
Lenda do Miserável

A ocupação efetiva da região do sudoeste, que fez parte do Território do Iguaçu, e está dentro da faixa de fronteira, começou com os primeiros posseiros na década de 1930. Em 1936, chega à região do sudoeste a família de Atanásio da Cruz Pires, proveniente do sul, fixando residência às margens dos rios Iguaçu e Chopim, hoje Foz do Chopim, município de Cruzeiro do Iguaçu.

Para o sustento da família, Atanásio utilizava-se do que a natureza oferecia em abundância, numa região coberta de mata nativa: a caça e a pesca. O couro dos animais era comercializado e a carne que não era consumida, jogada fora. Com isso, Atanásio ia conhecendo o território e a ele atribuindo suas nomeações históricas, hoje lendárias.

Numa época de muita chuva, Atanásio, acompanhado por seus filhos, seguia pela costa do rio Chopim, até a barra do Divisor, atual Rio Cruzeiro. Naquele local permaneceram por vários dias acampados sem pegar caça e pesca alguma. A chuva era torrencial e constante. Acabando o estoque de alimento e a fome aumentando, Atanásio acabou matando uma das suas cachorras de caça para se alimentar.

Nessa passagem, o velho disse aos seus filhos:

– Esse local é tão miserável que nem caça e pesca dá! A partir de hoje, matamos somente a caça que podemos comer”

Seu Atanásio considerou esse episódio um castigo, pois num dado momento haviam matado doze antas e jogado a carne ao rio. Em razão desses acontecimentos o local passou a dominar-se rio Miserável; mais tarde, deu a origem ao “Povoado Miserável”, hoje Cruzeiro do Iguaçu.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná.
Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Caldeirão Poético LXIII


Gioconda Labecca
(Campanha/MG, 1931 – 2020, São Paulo/SP)

ASPIRAÇÃO

Se eu pudesse, morrer, morrer olhando,
daqui desta janela bem defronte,
o Céu, a Vargem, a Campina e o Monte,
e junto a mim a minha Mãe orando...

E a natureza toda me embalando
ao som de salmos, murmurando a fonte,
e o sol tépido e morno no horizonte
e sorrateiramente se escambando...

Ver meus irmãos em orações funéreas,
mandando aos Céus em espirais etéreas
a fumaça do incenso, espesso véu...

E eu, vendo a vida plena de esplendores,
dizer, sorrindo nos meus estertores:
— Que tarde azul para subir ao Céu!
= = = = = = = = = = = = = = = = =

João Rangel Coelho
(Juiz de Fora/MG, 1897 – 1975, Rio de Janeiro/RJ)

MÃOS

As tuas longas mãos alvinitentes,
despetalando rosas ao luar,
são brancas, "como dois lírios doentes"
no lago emocional do meu olhar.

Meu triste amor!... Nas horas mais pungentes
da minha vida boêmia e singular,
as tuas mãos de seda, transparentes,
teceram meu destino, a acarinhar.

Quando partiste, as tuas mãos esguias,
num derradeiro gesto de agonias,
tremularam de manso aos olhos meus

e, com saudade imensa e dolorida,
deixaram para sempre a minha vida
na balada tristíssima do adeus.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

JG de Araujo Jorge
(Tarauacá/AC, 1914 – 1987, Rio de Janeiro/RJ)

BOM-DIA, AMIGO SOL!

Bom-dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara!
Deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entra! Vem surpreendê-la quase nua!
Doura-lhe as formas de beleza rara...
Na intimidade em que a deixei, repara
que a sua carne é branca como a Lua!

Bom-dia, amigo Sol! É esse o meu ninho...
Que não repares no seu desalinho,
nem no ar cheio de sombras, de cansaços...

Entra! Só tu possuis esse direito
de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!...
= = = = = = = = = = = = = = = = =

Lilinha Fernandes
(Rio de Janeiro/RJ, 1891 – 1981)

A CASA ONDE NASCI

Era minha esta casa. Eu a conheço...
Janelas amplas... larga porta... a escada
por onde agora em pensamento desço
para ver como nasce uma alvorada.

O laranjal cheiroso, o mato espesso...
O poço onde era a roupa bem lavada.
No pátio, bem no centro, eu não me esqueço,
a amendoeira por meu pai plantada.

Dava guarda ao portão um jasmineiro
que de flor se vestia o ano inteiro
e hoje está triste e velho como eu.

Casa velha! deixaste de ser minha...
Assim, tudo que amei, tudo que eu tinha,
deixou, há muito tempo, de ser meu!

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

Irmãos Grimm (O tico-tico e o urso)

Certa vez, num belo dia de verão, um urso e um lobo saíram a passear pela  floresta. ouvindo o canto de uma ave, o urso disse:

- Irmão lobo, que pássaro é esse que canta bonito?

- É o rei das aves, -disse o lobo - diante dele temos de nos curvar.

O passarinho era um tico-tico.

- Sendo assim, - falou o urso - gostaria de ver o palácio real. Leva-me até lá.

- Isso não é tão fácil assim. - respondeu-lhe o lobo - Terás de esperar até que venha Sua Majestade a rainha.

Pouco depois apareceu a rainha, seguida do rei, trazendo no bico a comida para seus filhinhos.

O urso teria gostado de ir logo atrás, mas o lobo segurou-o pelo braço e lhe disse:

- Não! Agora terás de esperar até que o senhor rei e a senhora rainha tenham saído.

Tomaram nota do lugar onde estava o ninho e se afastaram. Mas o urso não se conformou com a espera. Queria ver, o quanto antes o palácio real e, pouco depois, voltaram lá novamente. O rei e a rainha estavam fora e ele resolveu dar uma espiada no ninho. Viu lá dentro uns cinco ou seis filhotes.

- Ah! então é este o palácio real?! - exclamou o urso. - Mas que palácio mais à toa! E vocês também não são príncipes; não passam de uns embromadores!

Quando os tico-tiquinhos ouviram aquilo, ficaram furiosos e gritaram:

- Não, não somos nenhum embromadores! Nossos pais são gente muito direita. Você vai nos pagar, seu urso mentiroso!

O urso e o lobo deram volta, assustados, e foram sentar-se nas suas cavernas.

Os pequenos tico-ticos, porém, continuaram gritando, fazendo uma algazarra dos diabos. Quando seus pais trouxeram a comida, eles declararam:

- Não tocaremos nem numa perninha de mosca, estamos dispostos até a morrer de fome, enquanto não ficar provado se somos ou não uns embromadores. O urso esteve aqui e nos disse uma porção de desaforos.

- Fiquem descansados, - disse o velho rei - que eu vou tirar isso a limpo.

Ele e a senhora rainha saíram voando até à entrada da caverna do urso e o rei gritou:

- Velho resmungão! Por que insultaste meus filhos? Isso te sairá caro. Vai dar numa guerra tremenda!

E assim ficou declarada a guerra ao urso. E ele então chamou em seu auxílio todos os quadrúpedes: o boi, o burro, o veado, o tigre e todos os demais que andam de quatro pés por este mundo em fora. O tico-tico, por sua vez, convocou tudo o que voa. Não só os pássaros grandes e pequenos, mas também os mosquitos, marimbondos, abelhas e moscas tiveram de acudir.

Quando chegou a data em que a guerra deveria começar, o tico-tico enviou seus espias para descobrir quem era o general comandante das tropas inimigas. O mosquito, que era o mais esperto, saiu pelo mato onde estavam reunidos os adversários e escondeu-se entre as folhagens da árvore em cuja sombra os inimigos discutiam os planos de guerra. Ali estava o urso, que chamou a raposa e lhe disse:

- Raposa, tu és o mais esperto de todos os bichos. Quero que sejas o nosso general. É preciso que no guies durante a batalha.

- Bem, - disse a raposa - mas que senha combinaremos, para eu dar as ordens a vocês?

Ninguém atinava com uma senha que o inimigo não pudesse descobrir. Aí a raposa continuou falando:

- Tenho uma bela cauda  comprida e bem peluda, que se parece com um penacho vermelho. Se eu a  mantiver em pé, será sinal de que tudo corre bem, e vocês deverão continuar avançando. Mas se eu abaixar a cauda, saiam disparando o mais depressa possível.

Quando o mosquito ouviu aquela combinação, regressou voando e contou tudo, direitinho ao tico-tico.

Na madrugada em que seria travada a batalha, via-se, de longe, o exército dos quadrúpedes correr em grande velocidade, fazendo um barulhão que estremecia a terra. O tico-tico, por sua parte, vinha pelo ar, à frente de seu exército, em tremenda algazarra; era um gritar e um zumbir que dava medo. E os dois exércitos investiram com furor.

Aí então o tico-tico enviou o marimbondo, com ordem de ficar embaixo do rabo da raposa e de picá-la com toda a força que tinha. Na primeira ferroada a raposa estremeceu e levantou uma perna. Mas resistiu, mantendo a cauda de em pé. A segunda picada a obrigou a abaixá-la um momento e, à terceira, não podendo mais aguentar a dor soltou um berro e meteu o rabo entre as pernas . Quando os animais viram o sinal, acreditaram que tudo estava perdido e começaram a fuga, procurando cada qual esconder-se em suas covas. E assim as aves ganharam a batalha.

O senhor rei e a senhora rainha voaram, então, ao ninho dos seus filhotes e lhes disseram:

- Alegrem-se, pequenos; comam e bebam à vontade. Ganhamos a guerra!

Mas os filhotes replicaram:

- Não comeremos até que o urso venha ao nosso ninho pedir desculpas e reconheça que não somos impostores.

O tico-tico voou até a gruta do urso e gritou na entrada:

- Urso resmungão, tens de ir até o ninho de meus filhos, pedir-lhes perdão e dizer que são crianças direitinhas; do contrário, teremos de quebrar todos esses teus ossos!

O urso, assustado, apressou-se em ir apresentar desculpas. Só então os pequenos tico-ticos ficaram satisfeitos, comeram e beberam como nunca e ficaram festejando até uma hora em que as crianças já deviam estar deitadas.

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Contos de Grimm. Publicados de 1812 a 1819.

Lucy Hay (Como escrever e publicar um livro) – 1 –

Escrever um livro e publicá-lo não é uma tarefa fácil. Mas com dedicação suficiente, algumas pessoas para ajudarem, como editores e agentes, e sua mente criativa, você pode conseguir. Comece definindo metas diárias que possa atingir. Depois que finalmente tiver um livro, veja suas opções de publicação. Seja realista quanto às suas expectativas. O processo deve ser divertido, não oneroso. Ser publicado não é tudo o que há no campo da escrita. Divirta-se com o que está fazendo!

ESCREVENDO SEU LIVRO

1. Comece a formar ideias.

Anote algumas delas e depois selecione as que quiser.

Algumas pessoas conseguem começar a escrever com apenas uma frase como inspiração. Outras passam meses ou anos pensando em uma história antes de colocar uma única palavra que seja no papel. Não importa que tipo de escritor você é; o truque é seguir uma ideia até o
fim.

Stephen King, um autor famoso, declarou que não anota as ideias em um caderno. Para ele, "um caderno de escritor é a melhor maneira de imortalizar ideias ruins". Isso não significa que você não deva colocar as ideias em um caderno que levar por aí. Se esse método funcionar para você, siga-o, porém tome cuidado com o que vai anotar. Pergunte a si mesmo se essa ideia seria boa o bastante para ser lembrada no dia seguinte, se não fosse anotada.

Depois que encontrar inspiração para uma ideia que quer desenvolver, comece a escrever.

Não se preocupe com os erros; você pode corrigir sua escrita mais tarde. As melhores histórias são produzidas quando se continua a escrever sem olhar para a tela e ficar obcecado com cada errinho. Se você ficar encarando a tela, é provável que queira alterar tudo na hora em vez de continuar a história.

Ao escrever um livro e esperar publicá-lo, você produzirá muitos rascunhos antes dele estar pronto para ser enviado. Alguns deles provavelmente farão grandes mudanças na sua história, mas no começo você só está tentando construir um mundo e colocar as ideias no papel ou na tela.

Concentre-se em construir os personagens. Certos livros têm foco no enredo, o que não é um problema. Mas geralmente, as pessoas querem ler aqueles que tratam mesmo das personagens e da importância da situação na qual você as coloca. Embora o enredo faça a história seguir, são os momentos entre as personagens que vendem um livro. Não importa se você está escrevendo uma fantasia, como Harry Potter, ou um romance como o "Liberdade", de Jonathan Franzen.

Concentre-se em sobre "quem" você está escrevendo. O "quando", o "quê", o "onde" e o "por quê" virão mais naturalmente.

2. Defina objetivos de escrita diários.

Não deverá haver um limite do quanto você pode escrever por dia, porém defina um mínimo para ajudá-lo a se concentrar na história.

Não importa se sua meta é 300 palavras por dia ou uma hora, ela vai ajudá-lo a se manter no caminho. Esse número não é muito, mas pode ser ótimo para começar. Caso você seja novo na escrita ou muito ocupado, dê a si mesmo um objetivo menor que possa alcançar facilmente.

Os objetivos maiores são bem mais difíceis de alcançar e muitas vezes farão com que você nem escreva. É necessário dar um passo de cada vez para chegar a um fim maior.

Você pode aumentar sua meta diária conforme avançar ou se tiver mais tempo livre para escrever. Só atenha-se a ela. Mesmo que se sinta travado em algum ponto do texto, faça um esforço para alcançar seu objetivo. Você nunca sabe quando a inspiração vai chegar.

Trabalhe em um local quieto ou vazio. Encontrar uma área silenciosa onde você possa se concentrar e que possa transformar em sua não tem preço para a escrita. Mesmo que escreva em uma cafeteria, encontre um canto onde não terá muitas distrações.

3. Mantenha-se diligente.

Muitos escritores começam bem, mas logo se distraem, ficam frustrados com o processo lento ou se entediam. Uma das melhores e mais simples maneiras de evitar esse problema é simplesmente sentar na cadeira.

Seguir sua meta diária e atingi-la ajudará você a se manter no caminho certo. O ato de sentar-se e começar a trabalhar ajudará a transformar o objetivo em uma realidade.

Procure ter um horário definido para escrever diariamente, além de uma meta diária. John Grisham já publicou muitos best-sellers e começou sua carreira de escritor enquanto era advogado. Ele acordava cedo todos os dias e produzia uma página.

Transforme a escrita em um vício com o qual não possa parar. Encontre um local único e escreva todos os dias no mesmo horário.

4. Obtenha um feedback precoce.

Ainda que prefira proteger seu trabalho e mantê-lo escondido até que ele esteja pronto, não o faça. Busque um feedback frequente e precoce da sua escrita vindo de pessoas que seriam honestas com você.

Se ainda não fizer parte de uma, considere entrar para uma oficina de escritores local. Esses grupos ajudarão você a tornar suas ideias vivas, lhe darão um feedback e manterão você trabalhando.

Use a internet. Caso esteja nervoso quanto a mostrar seu trabalho a alguém conhecido, encontre um fórum on-line onde possa obter um retorno e trabalhar com as ideias. Locais como o Reddit.com são opções para você conseguir ajuda com seu trabalho.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

Lucy V. Hay é uma autora, roteirista e blogueira que ajuda outros escritores através de workshops, cursos e de seu blog, Bang2Write. Lucy é produtora de duas séries de suspense britânicas e seu romance de estreia, "The Other Twin', está sendo adaptado pela Free@Last TV, que também produziu a série indicada ao Emmy "Agatha Raisin".
= = = = = = = = = = = = = = = = =

continua…

Fonte:
https://pt.wikihow.com/Escrever-e-Publicar-um-Livro

terça-feira, 30 de maio de 2023

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 25

 

Sammis Reachers (De quando fomos desafiar o famigerado Lobão para um jogo de bolas de gude)

Confesso uma vergonha: Nunca fui bom com atividades ou brincadeiras manuais, e mesmo com esportes. Não me interessava por soltar papagaio (que aqui chamamos de cafifa); nunca aprendi direito a jogar bolinha de gude, rodar pião, sequer jogar um bilboquê! De tal desacerto nem eu sei o motivo. Talvez fosse, além de uma inabilidade nata, preguiça em aprender.

De toda forma, a bola de gude era uma febre difícil de ser vencida. Eu queria estar na rua, queria companhia, e assim, mesmo sem ser um jogador, eu me dispunha acompanhar outros jogadores em suas disputas, na falta de ter algo melhor para fazer.

Renato era um grande “fominha” das bolinhas de vidro, e um formidável jogador. A coisa nestas paragens era tão evoluída que por vezes os melhores jogadores do bairro agiam como no velho oeste: Um desafiava o outro, e marcava hora e tudo para a troca de tiros, perdão, de
boladas de gude.

Foi numa noite úmida de verão que Renato me chamou para acompanhá-lo até a casa de um elemento que eu conhecia apenas de vista, até porque ele era mais velho que nós, um mal encarado a quem chamavam de Lobão – sim, como o cantor de rock, popular naqueles fins da década de oitenta.

Chegados em frente da casa do bruto, começamos a chamar. Chama que chama e o tal Lobão, que de lobo parecia não ter nada pois pelo visto era quase surdo, não respondia. Continuamos a chamança, a chamação, o chamado, a chamadeira ou que seja, e nada do lupino pilantra dar as caras. Eu já queria ir embora, mas Renato, fominha, queria jogo, queria duelo, queria aumentar sua coleta daquelas inúteis bolas de vidro.

Lobão morava num quintal de duas casinhas, quintal cuja frente era protegida por uma mureta, coisa de um metro, metro e vinte de altura, tijolos assentados sem chapisco nem reboco. Ninguém dava sinal de dentro da casinha, embora pudéssemos ouvir até a TV ligada, e resolvemos nos achegar à mureta para berrar com mais gosto. O que se seguiu foi um processo contínuo e fulminante: Apenas encostamos na mureta, para melhor chamar o tal lobo surdo, e a maldita veio abaixo, desmontando-se como se feita de pecinhas de Lego, como se o cimento na junção dos tijolos fosse barro...

No mesmo instante, como se sacado de uma cartola de Mandrake, o lobo pulou para fora da toca, furioso como um diabo, xingando nossas mães, avós e irmãs.

Dessa vez não deu pra fugir, e olha que de minha parte cheguei a fazer menção de disparar para casa. Ele sabia onde morávamos e iria com certeza aparecer por lá. E agora? Chora daqui, se desculpa dali, e a solução imposta pelo grandão foi que reerguessemos o muro: Ali mesmo, naquele impropício momento, no escuro abafado duma noite de verão.

Nas praticamente duas horas seguintes, eu e Renato fomos feitos de pedreiros, trôpegos, confusos, aloprados – montando tijolos uns sobre os outros, sem massa nem nada, apenas “no encaixe” como num jogo de Lego mesmo – sob o olhar furioso do Lobo mau.

Mais uma vez, o prejuízo da trupe ficou barato: Se meus pais fossem acionados, eu levaria mais uma coça. Não teve jogatina naquela noite: Após concluirmos a cansativa montagem, fomos honrados com um belo cascudo cada um, e voltamos para casa em silêncio.

Amanhã é sempre um outro dia…
Fonte:
Enviado pelo autor .
Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco: uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. do Autor, 2021.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) LV


REZA
 
MOTE:
Na hora em que a terra dorme
enrolada em frios véus,
eu ouço uma reza enorme
enchendo o abismo dos céus.

Castro Alves
(Curralinho/BA, 1847-1871, Salvador/BA)


GLOSA:
Na hora em que a terra dorme,
e o silêncio toma conta,
meu pensamento disforme,
com o silêncio se afronta.
 
E minha alma, assim, tristonha,
enrolada em frios véus
sente, então, grande vergonha
como o mais triste dos réus.
 
Nesse silêncio uniforme
surgem vozes sonolentas:
- Eu ouço uma reza enorme-
que mais parecem tormentas.
 
E, às vezes, em oração,
quebram os silêncios meus,
e seguem com emoção
enchendo o abismo dos céus.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

MULHERES...
 
MOTE:
Vêm as rugas...e, no entanto,
a mulher não se intimida...
A perda externa do encanto
não desencanta uma vida!

Edmar Japiassú Maia
(Nova Friburgo/RJ)


GLOSA:
Vêm as rugas...e, no entanto,
o sonho não envelhece,
fica mais forte, garanto,
traz a força de uma prece!
 
Sonhar, traz felicidade!
A mulher não se intimida...
pois sonha com suavidade
em qualquer tempo da vida!
 
Jamais derrama seu pranto
vendo a velhice chegar...
A perda externa do encanto
não vai sua alma abalar!
 
Uma mulher de verdade,
não será, nunca vencida,
mesmo o avançado da idade,
não desencanta uma vida!
= = = = = = = = = = = = = = = = =

PALHAÇO
 
MOTE:
Vencendo todo o cansaço,
decerto gargalharei,
pois hoje sou um palhaço,
dos sonhos que não sonhei!

Giselda Medeiros
(Fortaleza/CE)


GLOSA:
Vencendo todo o cansaço,
da tristeza que angustia,
vou seguindo, passo a passo,
e talvez, até sorria...
 
Se, de fato, eu conseguir,
decerto gargalharei,
pois o tempo é de sorrir
por tudo quanto chorei!
 
Cantarolar é o que eu faço
mundo afora, sempre, a esmo,
pois hoje sou um palhaço,
um palhaço de mim mesmo!
 
Sigo, então, a minha estrada
e feliz sei que serei,
pois me encontro compensada
dos sonhos que não sonhei!
= = = = = = = = = = = = = = = = =

MAR... MONSTRO SAGRADO...
 
MOTE:
O mar é monstro sagrado,
mas fragilmente desmaia,
quando beija apaixonado
os lábios quentes da praia!

José Lucas de Barros
(Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN)


GLOSA:
O mar é monstro sagrado,
com suas ondas enormes
por ventos, transfigurado,
provoca visões disformes!
 
É imenso, é potente, é forte,
mas facilmente desmaia,
bendizendo a sua sorte,
mais um doce beijo ensaia!
 
Fica o mar todo excitado
no  vaivém de suas ondas,
quando beija apaixonado
os grãos de areia, nas rondas!
 
Em êxtase, quer ficar,
como espontânea cobaia,
para, então, sempre  beijar
os lábios quentes da praia!
= = = = = = = = = = = = = = = = =

ROSÁRIO DE LEMBRANÇAS
 
MOTE:
Sozinho, ao fim das andanças,
desfio nas madrugadas
meu rosário de lembranças
de ousadias não tentadas...

Sérgio Bernardo
(Rio de Janeiro/RJ)


GLOSA:
Sozinho, ao fim das andanças,
em completa solidão,
só tenho desesperanças
no meu pobre coração!
 
Assim, tão só e infeliz
desfio nas madrugadas
o que eu sonhei e não fiz,
num tudo cheio de nadas!
 
Nessas tristes remembranças
rezo do começo ao fim
meu rosário de lembranças
e sinto pena de mim!
 
Passo a noite a relembrar,
em  horas enfeitiçadas,
que minha vida é um mar
de ousadias não tentadas…
= = = = = = = = = = = = = = = = =
Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas X. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Agosto 2003.

Lima Barreto (O meu carnaval)

— Mas foste mesmo recrutado?

— Fui; e comi fogo que não foi graça.

— Como foi a história?

— Aproximava-se o Carnaval. Como era meu costume, vim para a oficina, onde trabalhava. Eu morava em Santa Alexandrina, pelas bandas do largo do Rio Comprido. Ao chegar à oficina, na rua dos Inválidos, o mestre me disse: “Valentim, você hoje tem um serviço externo. Você vai até Caxambi, no Méier, para assentar as caixas-d’água de um prédio novo”. Deu-me o dinheiro das passagens e parti. Conhecia aquela zona e, a fim de poupar níqueis, desprezei o bonde e fui a pé. Passava eu por uma rua transversal à Imperial, quando fui abordado por três ou quatro tipos fardados, do mais curioso aspecto. Eram de diversas cores, formando uma escolta, cujo comandante, um cabo, era um preto. E que engraçado! Desengonçado, pernas compridas e arqueadas, pés espalhados. A farda, blusa e calça, estava toda pingada; o cinturão subira-lhe até quase ao peito...

— Que é que eles te disseram?

— O cabo veio direito a mim e perguntou-me com toda a empáfia: “Onde é que você vai?”. Disse-lhe; mas a feroz autoridade parecia ter implicado comigo, tanto que me intimou: “Você vai à presença do senhor capitão Lulu”. “Mas não fiz nada”, objetei. Ele foi inabalável e não quis atender os meus rogos. Chorei, roguei, mas nada! Num dado momento, um dos soldados disse: “Seu cabo está com muitos luxos. Se fosse comigo, esse paisano ia já”. E fez menção de desembainhar um enorme sabre de cavalaria que tinha à cinta.

— Mas que soldados eram estes?

— Não estás vendo logo? Eram guardas nacionais.

— Percebo. Foste?

— Fui. Que remédio?

— Que te fizeram?

— Vou contar-te tintim por tintim. Levaram-me à presença do oficial. Era um mulato forte, simpático, e o seria intensamente se não fosse a sua presunção e pernosticidade. Era assim o capitão Lulu. Muito apurado no seu uniforme, disse-me num tom imperativo: “Você é um reles desertor. É um ignóbil brasileiro que recusa servir a sua pátria”. Objetei-lhe cheio de susto: “Mas, senhor capitão, nunca fui soldado, como posso ser desertor?”. O capitão Lulu não respondeu diretamente à minha interrogativa, mas perguntou-me: “Como é que você se chama?” Disse-lhe. Indagou ainda: “Onde é que você mora?”. Indiquei: “Rua tal, em Santa Alexandrina”. Isto pareceu-lhe contrariar; mas nada disse. Pôs-se a escriturar num livro e, por fim, falou-me: “Encontrei os seus assentamentos. Você está há muito tempo qualificado neste batalhão — 01.723.436, regimento de cavalaria da Guarda Nacional. Apesar de reiteradas intimações, você não se tem apresentado. Está preso disciplinarmente por oito dias”. Fiquei tonto, atordoado: “Mas senhor”, fiz eu, a tremer. “Cabo”, gritou o Lulu, “cumpra as ordens. Já sabe!”

— Puseram-te na cadeia?

— Não. Revistaram-me, tiraram-me as ferramentas e o dinheiro que levava. Isto tudo na presença do marcial Lulu. Quando este viu os cobres, gritou: “Dá cá! Esses cobres vão para a caixa do regimento”. Após o quê, levaram-me para um outro compartimento, onde me fizeram despir a roupa e vestir uma calça e blusa do uniforme. Das peças que lá havia, a única blusa que me chegava tinha as divisas de cabo. Não quiseram arrancá-las e fui feito cabo de esquadra. Isto não impediu, porém, que me pusessem em serviço árduo.

— Qual foi?

— Meteram-me uma enxada na mão e fizeram-me capinar a chácara durante quase oito dias,
passando fome.

— Como?

— A comida era café ralo e pão duro, pela manhã; e, às duas horas, um ensopado de mamão verde, muito malfeito, no qual encontrar um naco de carne-seca era uma raridade de fazer alegria até chorar. Na sexta-feira que precedia o sábado, véspera do Carnaval, descansei. Ordenaram-me que lavasse a farda e a roupa branca, o que fiz vestindo em cima do corpo a fatiota com que fora preso. Mandaram passar a roupa lavada a ferro; e, no sábado, ordenaram-me que a envergasse e fosse à presença do comandante. Apresentei-me, fiz a continência que me haviam ensinado e esperei as ordens. O Lulu disse para o superior: “Está aí coronel, o desertor que capturei”. O comandante, recostado na cadeira, acariciou o ventre proeminente com as duas mãos e disse com sotaque italiano: “Que vai ele fare?” O capitão Lulu respondeu: “Vai ser minha ordenança, no patrulhamento do Carnaval”. O coronel ítalo-brasileiro só se limitou a dizer: “Bene!”. À tarde, no sábado, Lulu, antes de sairmos, mandou-me chamar e aconselhou-me: “Você me parece boa pessoa, disciplinada. Procede muito bem. ‘A submissão é a base do aperfeiçoamento’, disse Victor Hugo. Se sou oficial, se cheguei à posição em que estou, devo não só ao meu esforço, como também a ser obediente aos meus superiores. Você veio, acompanhou-me; porte-se bem que não terá de arrepender-se”.

— O que era esse tipo, além de guarda nacional?

— Era servente do Senado.

— Que magnata!

— Não te rias. À hora marcada, saímos, eu e Lulu, para a ronda. Deu-me cinco mil réis, para despesas; mas não os pude gastar em uma feijoada, porque o aguerrido Lulu não me dava tempo. Andamos pelas ruas e, à noite, fomos aos clubes, onde pude beber e comer à vontade. No domingo foi a mesma coisa e já tinha ganho a intimidade de Lulu, a ponto de bebermos os nossos calistos juntos. Na segunda-feira, deu-me licença de ir até em casa; e eu que já estava ensoberbado de ser guarda nacional, fui de farda, facão e tudo! Quando cheguei ao largo do Rio Comprido, saltei para tomar alguma coisa. Topei logo com um conhecido que, surpreendido e cheio de espanto, me disse:

“Valentim! Que é isso? Você pode ser ‘pegado’!”. “Por quê?” “Ninguém se pode fantasiar com os trajes militares do país.” Mal tinha dito isto, quando fui preso imediatamente por um polícia que me levou à delegacia onde não me quiseram ouvir e me meteram no xadrez até Quarta-feira de Cinzas.

Está aí em que deu a Guarda Nacional e como foi o meu Carnaval, naquele ano.

Fonte:
Disponível em Domínio Público
Lima Barreto. Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá. Publicado em 1919.

Aparecido Raimundo de Souza (Apagão)

NÃO ERA A PRIMEIRA VEZ que aquilo acontecia com ele. Vinha pela rua, cabisbaixo, fumando seu cigarrinho. De repente, uma jovem dos cabelos compridos, pintados de vermelho, um sorriso encantador no rosto de princesa, lhe estancou os passos no exato momento em que parava numa banca para comprar um jornal:

— Garcia, há quanto tempo!

Garcia olhou para a pessoa que lhe chamava pelo nome e tentou se lembrar de onde a conhecia:

— Verdade. Faz bastante tempo mesmo!

— Por que não foi mais lá em casa?

— Falta de tempo.

Naquele momento, pela segunda vez, falhava a memória. Garcia não conseguia se recordar daquela moça bonita, parada, ali, na sua frente, os dentes muito brancos, um corpo perfeito cheio de curvas pecaminosas.

Coisa de uma semana, Garcia vinha passando por esse desconforto. As pessoas se encontravam com ele e o desditoso não conseguia atinar de onde as tinha visto anteriormente. Por mais que se esforçasse, dava um branco. Zerava tudo dentro da sua cachola. Pensou com seus botões:

— Pai Amado! Agora, com essa joia rara, a coisa se repete. Que pedaço de mau caminho, essa guria e eu não faço a mínima ideia de onde a vi em vezes anteriores...

A beldade, sem se dar conta do problema, seguiu adiante:

— Como vai dona Bárbara?

Dona Bárbara era a mãe dele:

— Bem, graças a Deus.

— E seu pai, o velho Juvenal?

— Firme, forte e rijo.

— E a menina Glorinha?

— Casou!

— Casou? Nossa, não diga! Acaso com Bartolomeu?

— Não, com o Zeca.

— Com o Zeca?

— Pois é. Para você ver como são as coisas.

— E o Bartolomeu?

— Escafedeu do pedaço.

— Nossa! Glorinha casou com o Zeca! Quem diria!...

Garcia seguia dissimulando a aflição que o invadia. Estava passado. Realmente, não recordava daquela figura tão fogosamente bela e exuberante.

Ficava chato mostrar a sua estupidez, assim, logo no inicio do encontro. Seria vexatório confessar a gafe. Seu velho pai, vivia dizendo que “não havia nada mais desgastante que um sujeito esquecer uma pessoa tão cativante, ainda mais se ela fosse dona de um rosto literalmente chamativo e sensual”. E aquele bem ali diante de seu nariz tirava qualquer um do sério. Puxou numa derradeira tentativa pela droga da mente. A Deusa de Vênus conhecia a sua família em peso. A mãe, o pai, a irmã, os namorados da irmã. E ele feito um panaca, abobalhado, se mordia tentando resgatar uma nesga de lembrança dentro da amnésia repentina (ou algo parecido) insistindo com veemência em lhe atingir os brios de maneira tão rudemente cruel:

— Valha-me Jesus Cristo!

Estava claro, ela não se enganara. Ele é que se passava por um perfeito idiota. Um babaca que não conseguia alforriar do fundo de seu âmago a figura estonteante daquela maravilha bem ali ao alcance das suas mãos:

— Pelo que estou vendo você não conseguiu deixar o vício.

— Que vício?

— O do cigarro.

— Bem que tentei.

— Lembro que por um bom tempo, você obteve êxito.

— É verdade.

— E por que voltou a fumar?

— Difícil explicar. Na verdade, nem me lembrava que alguma vez consegui deixar o tabagismo. Certamente fraqueza.

— Você sempre foi um homem forte. Demonstrou essa qualidade quando a Margarida...

Por tudo quanto existia de sagrado. A garota lembrava da Margarida. Até da Margarida, sua primeira namorada, a infeliz não se esquecera. Seu primeiro amor. Com a Margarida o Garcia noivou, quase casou. Largou da Margarida pela Bete:

— Por falar nela, tem visto?

— Visto quem? A Margarida ou a Bete, que veio depois dela?

— A Margarida.

— Nunca mais me foi dado esse prazer.

— Soube que se casou.

— Ah, é verdade. Me falaram.

— E você, continua só?

— Ainda.

— Desde a sua formatura?

— Sim. Desde a minha formatura...

Garcia queria sair às carreiras, pedir socorro. Gritar, espernear, chorar. Mas não podia. Ficava chato declarar aquela moça tão meiga e gentil que não lembrava da Margarida, ou via outra, da Bete, aliás, não lhe vinha à cuca, coisa alguma. Tampouco a sua interlocutora, ali, a seu lado, ele fazia ideia de quem se tratava. Seria uma tremenda falta de educação e das grandes.

Atarantado com seus problemas, deu uma última tragada no cigarro. Jogou a guimba no chão e pisou em cima, com a ponta do sapato, para amassar. Voltou a consultar a memória:

— Meu Pai Eterno, quem é essa fofura?  

Talvez, se perguntasse o nome tudo se esclarecesse:

— Escuta, eu não sei de quem se trata a sua...

Antes que terminasse o que pretendia, a estrangeira o interrompeu bruscamente:

—... Garcia, não me diga que continua só desde a sua formatura? Espere um pouco. Depois da Margarida pintou a Bete que lhe botou um par de chifres e depois, a Luzia. O que aconteceu com ela?

— Ela quem?

— A Luzia, ora bolas

— A Luzia morreu atropelada.

— E a Sandrinha do Miguel?

— Sandrinha foi para os Estados Unidos. Casou com um americano. Já é mãe de dois moleques. Quanto ao Miguel se ajuntou com uma sirigaita lá do bairro e ela está grávida de seis meses.

— Nossa!

— Vamos parar de falar de mim. Falemos de você.

— O que quer saber?

— O trivial. Casou?

— Está falando sério?

— Sim.

— Garcia, seu moleque. Isso lá é pergunta que me faça? Não acredito no que estou ouvindo... sinceramente! Depois de tudo que... vi... esquece... vá para o diabo que o carregue.

Sem se despedir, e visivelmente furiosa a inimitável virou as costas e deixou o Garcia de boca aberta, os olhos arregalados e um tremendo vazio rodando no embaralho de sua cabeça.  

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Izo Goldman (Buquê de Trovas) – 2 –

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 84

As caminhadas são verdadeiras crônicas onde um mosaico de situações, de paisagens, de pensares são arrolados no espaço de tempo de uma hora ou pouco mais. Suficientes para que os olhos clínicos, assessorados pela caneta e o papel, apreendam os matizes do trecho.

A romaria começa registrando flores do casario que se estende até a mata logo adiante. E então as pandelícias do caminho - o riacho bombeando entre os verdes, o esquilo trêfego (
esperto) saltitando na galharia, o canto veraneiro do sabiá.

Adelante. O banhadinho das saracuras, o campito dos quero-queros, as ciliares fartas de flores silvestres. Aqui as araucárias, lá céu azul. A cascata cascateando . . .

O pequeno mundo é um vasto mundo, vívido, vigoroso, verdadeiro. Onde se anda a natureza é inspiração e poesia. E a vida de viandante lembra das palavras do poeta: " Vivo matizado de matizes. O viver é colorido".

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Coelho Neto (A flauta e o sabiá)

Em rico estojo de veludo, pousado sobre uma mesa de charão (
verniz negro ou vermelho), jazia uma flauta de prata. Justamente por cima da mesa, em riquíssima gaiola, suspensa do teto, morava um sabiá.

Estando a sala em silêncio e descendo um raio de sol sobre a gaiola, eis que o sabiá, contente, modula uma volata (
sequência modulada de tons rapidamente executados).

Logo a flauta escarninha põe-se a casquinar (
rir com escárnio) no estojo, como a zombar do modulo cantor silvestre.

— De que te ris? – indaga o pássaro.

E a flauta, em resposta:

— Ora esta ! Pois tens coragem de lançar tais guinchos diante de mim ?

— E tu quem és? Ainda que mal pergunte.

— Quem sou? Bem se vê que és um selvagem. Sou a flauta. Meu inventor, Marsyas*, lutou com Apolo e venceu-o, por isso o deus, despeitado, imolou-o. Lê os clássicos.

— Muito prazer em conhecer. Eu sou um mísero sabiá da mata. Pobre de mim! Fui criado por Deus muito antes das invenções. Mas deixemos o que lá foi. Dize-me: que fazes tu ?

— Eu canto.

— O oficio rende pouco. Eu que o diga, que não faço outra coisa. Deixarei, todavia, de cantar — e antes nunca houvesse aberto o bico porque, talvez, sendo mudo, me não houvessem escravizado — se, ouvindo a tua voz, convencer-me de que és superior a mim. Canta ! Que eu aprecie o teu gorjeio e farei como for de justiça.

— Que eu cante...?!

— Pois não te parece justo o meu pedido?

— Eu canto para regalo dos reis nos paços, a minha voz acompanha os hinos sagrados nas igrejas. Ao ritmo dos meus delicados trilos bailam as damas, guiam-se as endeixas das serenatas de amor, ao luar. O meu canto é a harmoniosa Inspiração dos gênios da rapsódia sentimental do povo.

— Pois venha de lá esse primor. Aqui estou para ouvi-lo e para proclamar-te, sem inveja, a rainha do canto.

— Isso agora não é possível.

— Não é possível! Por que?

— Não está cá o artista.

— Que artista?

— O meu senhor, de cujos lábios sai o sopro que transformo em melodia. Sem ele nada posso lazer.

— Ah! É assim...?

— Pois como há de ser?

— Então, minha amiga — modéstia à parte — vivam os sabiás! Vivam os sabiás e todos os pássaros dos bosques, que cantam quando lhes apraz, tirando do próprio peito o alento com que fazem a melodia.

Assim, da tua vangloria há muitos que se ufanam. Nada valem se os não socorre o favor de alguém; não  se movem se os não amparam, não cantam se lhes não dão sopro, não sobem se os não empurram.

O sabiá voa e canta — vai à altura, porque tem asas; gorjeia, porque tem voz. E sucede sempre serem os que vivem do prestígio alheio os que mais alegam triunfos.

Flautas, flautas . . . Cantas nos paços e nas catedrais. Pois vem daí a um dueto comigo.

E, ironicamente, a toda a voz, pôs-se o sabiá cantar e a flauta de prata no estojo de veludo... moita (fica calada)! Faltava-lhe o sopro.
= = = = = = = = = = = = = = = = =
* Marsyas = Na mitologia grega, Marsyas é um sátiro frígio, que passa a se considerar um músico tão perfeito que desafia Apolo para uma competição, sendo que o vencedor teria o direito de punir o perdedor. Apolo vence, Marsyas é amarrado a uma árvore e esfolado vivo. Do seu sangue, nasce o rio Marsyas, na Frígia. Algumas vezes, Marsyas é substituído por Pan, no episódio da competição com Apolo. O mito simboliza a superioridade da cultura grega (representada pela lira de Apolo) em relação à cultura da Ásia Menor (representada pela flauta de Marsyas). (wikipedia)

Fonte:
Disponível em domínio público.
Coelho Neto. Fabulário. Porto/Portugal: Livraria Chardron, de Ceio & Irmão, 1924.
Atualização do português por J. Feldman

Afrânio Peixoto (Trovas Populares Brasileiras) – 14

Atenção: Na época da publicação deste livro (1919), ainda não havia a normalização da trova para rimar o 1. com o 3. Verso, sendo obrigatório apenas o 2. Com o 4. São trovas populares coletadas por Afrânio Peixoto.


Quem raiva de mim tiver,
grande paixão há de ter,
há de ladrar como cão,
mas sem lograr me morder.
= = = = = = = = = = =  

0 cachorro está latindo
lá pra banda do chiqueiro;
— Cala a boca, cachorrinho,
não sejas mexeriqueiro.
= = = = = = = = = = =  

Cachorro que late grosso
é bonito, quando acua.
Um amor, quando é de gosto,
ai, meu Deus, que coisa boa!
= = = = = = = = = = =  

Todo animal traiçoeiro
onde pastou, quer pastar:
Quando eu saio dos teus braços
é já pensando em voltar.
= = = = = = = = = = =  

Menina, minha menina,
como estás tão bonitinha...
No reino do céu se vejam
tua mãe, tua madrinha.
= = = = = = = = = = =  

A batata, quando nasce,
deita a raiz pelo chão.
Menina quando se deita
bota a mão no coração.
= = = = = = = = = = =  

Não tem confiança em si
estas meninas de agora...
Entregam-se, corpo e alma,
ao primeiro que as namora.
= = = = = = = = = = =  

Menina, aproveita o tempo,
quem espera, desespera,..
Olha que o tempo perdido
nunca mais se recupera...
= = = = = = = = = = =  

Menina não tenhas pressa
tua hora de chegar
Tu tens tempo de escolher,
vai com tempo e devagar...
= = = = = = = = = = =  

Estas meninas de agora
só querem é namorar.
Botam panelas no fogo
e não sabem temperar.
= = = = = = = = = = =  

Menina, rainha menina,
minha flor de cananeia,
tu nasceste neste mundo
pra seres minha teteia.
= = = = = = = = = = =  

Menina, diz-me o teu nome
e também tua morada,
eu tenho um cavalo gordo
e um galope não é nada...
= = = = = = = = = = =  

Menina da saia branca
já não falas com ninguém;
Quando a saia se romper,
fala comigo, meu bem.
= = = = = = = = = = =  

Esta menina faceira
com todos dizem que manga,
comigo é perder seu tempo
inda que chore pitanga!
= = = = = = = = = = =  

A pimentinha mordida
rabeia, desesperada,
e assim certa menina
quando fica despeitada.
= = = = = = = = = = =  

Lá se vai o sol entrando
deixando raios atrás.
Tanta morena bonita,
que pena eu não ser rapaz!
= = = = = = = = = = =  

Laranjeira ao pé da porta,
na cama me vai o cheiro.
Tanta mocinha bonita
Para mim que sou solteiro!
= = = = = = = = = = =  

No alto daquele morro,
passa boi, passa boiada,
também passa a moreninha
da trancinha cacheada.
= = = = = = = = = = =  

Morena, minha morena,
não tenhas pena do chão...
Tomara achar quem me diga
onde viu mais perfeição.
= = = = = = = = = = =  

Cajueiro pequenino,
carregadinho de flor,
eu também sou pequenina
carregadinha de amor...
= = = = = = = = = = =  

Moreninha, doce de ovos
não se come sem canela...
Quem é gente de bom gosto
não pode passar sem ela...
= = = = = = = = = = =  

0 teu rosto de morena
levemente tem a cor,
para o poder comparar
não encontro uma só flor.
= = = = = = = = = = =  

As morenas da Bahia
todas têm um certo quê,
temperam a vida da gente
como à moqueca o dendê.
= = = = = = = = = = =  

Morena, você me mata
com essa graça que tem;
Você fica criminosa
e eu sem você, meu bem!
= = = = = = = = = = =  

Uma morena bonita
não precisa mais rezar:
Basta o encanto que tem
pra sua alma se salvar.
= = = = = = = = = = =  

Menina quando eu te vi
despedir, sem me falar,
me fugiu a cor do rosto -
e o coração do lugar.
= = = = = = = = = = =  

Em mortalha de papel
fumo verde não fumega,
onde há moça bonita
meu coração não sossega.
= = = = = = = = = = =  

Quem me dera ser a seda,
depois da seda o cetim,
para andar de mão em mão,
As moças pegando em mim.

Fonte:
Disponível em Domínio Público
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919.

A. A. de Assis (Bona > Bõa > Boa )

O til – o risquinho fanhoso – nada mais é que um pequenino “n”

Recentemente falei da cedilha. Um amigo carioca, Renato Alves, poeta e professor, chamou-me a atenção para outro sinal gráfico, o til (~), que tem igualmente uma historinha bem interessante.

O til – aquele risquinho fanhoso que parece uma pequena onda – é nada mais que um pequenino “n” – um n-zinho. Em espanhol ele é colocado em cima do “n” para produzir o som “nh”: “España, mañana. Em português é usado para nasalizar vogais: botão, corações.

O til acompanhou a evolução do nosso idioma. Uma das especulações a respeito diz que seus inventores foram uns monges copistas que trabalhavam em conventos na Espanha e em Portugal. Por alguma razão, costumavam colocar o “n” em cima da vogal anterior em palavras como “chão” (planus > chano > chão); “mão” (manus > mano > mão). Uma forma de abreviatura, mais ou menos como se faz hoje no internetês: pq, vc, ñ, bjs.

Na história da língua portuguesa há incontáveis exemplos de transformação do “n” em til. Lembremos alguns: cidadanus > cidadano > cidadão;  germanus > hermano > ermano > ermão > irmão; vulcanus > vulcão; canes > cães; panes > pães; leones > leões.

Em alguns casos, a evolução chegou à desnasalização: “bona” virou “bõa, que depois virou “boa”. Deu-se o mesmo com persona > persõa > pessoa; corona > corõa > coroa; plena > chena > cheia; arena > areia; luna > lua.

Ficou claro? Então tá. Porém, como um assunto puxa outro, vem-me à lembrança uma polêmica ainda não suficientemente resolvida, embora os gramáticos, para amenizar a briga, digam que as duas formas estão corretas: /Roráima/ ou /Rorãima/? Vamos conferir.

A fonética geralmente obedece às tendências naturais do nosso aparelho fonador, que por sua vez obedece à “lei do menor esforço” (lex minoris conatus). Por uma dessas tendências naturais, as consoantes nasais “m” e “n” contagiam a vogal que venha atrás delas. Assim é que, por exemplo, na palavra “cOmo” o primeiro “o” soa nasal, enquanto o segundo soa oral. Dá-se o mesmo com “drAma”, “trEme”, “sOno”, “pOmo”, ‘mÍni”, “hÚmus”, “mÚnus”. “Muito” talvez seja o único caso em que o “m” nasaliza a vogal posterior a ele.

Nos ditongos (vogal + semivogal), a consoante nasal nasaliza a vogal (o fonema mais forte): ”paina” /pãi-na/. Nos hiatos (vogal + vogal), é nasalizada a vogal mais próxima do “n” ou do “m”: “Janaína” /Ja-na-ÍN-na/, “Coimbra” /Co-IM-bra/.

Mas voltemos a Roraima (que significa “Montanha Verde”). Os roraimenses pronunciam /Roráima/, aliás amparados até numa norma estabelecida pela Assembleia Legislativa. Parece que em todo o Norte e Nordeste há também preferência por essa forma. Nas demais regiões, todavia, a pronúncia mais frequente tem sido /Rorãima/, tal como ocorre com “Bocaina” /Bocãina/, “faina” /fãina/, “aplaina” /aplãina/, “amaina” /amãina/, “andaime”  /andãime/ e outras tantas.  

Para concluir: você diz /bá-nã-na/ ou /bã-nã-na/? E chama o Jaime de /Jáime/ ou de /Jãime/?

Lembra-se do padre Zanettini? Ele chamava Dom Jaime de /Dom Jãime/.

Fonte:
Jornal do Povo – Maringá – 09.3.2023, obtido no facebook do autor

Minha Estante de Livros (Despertar dos Deuses, de Isaac Asimov)


Despertar dos Deuses (The Gods Themselves) é uma obra de Isaac Asimov, famoso escritor de ficção científica, publicada em 1972. O livro é divido em três passagens distintas que, apesar de fazerem parte da mesma narrativa, possuem muitas diferenças em sua estrutura.

O título do livro e o título de suas três partes teriam sido inspirados na citação de Friedrich Schiller (1759–1805): "Contra a estupidez os próprios deuses lutam em vão".

Enredo

O livro narra um estranho acontecimento, quando cientistas descobrem que uma amostra de Tungstênio-186 foi estranhamente trocada por outra de Plutônio-186. Acontece que o Plutônio-186 não é estável e nem mesmo possível, segundo as leis da física conhecidas, e por isso, em pouco tempo o elemento perde a sua estabilidade e começa a liberar radiação. O radioquímico Frederick Hallam cria a teoria de que este elemento teria vindo de um outro universo, onde as leis da física pudessem aceitar a existência do mesmo. O elemento ao chegar ao nosso universo seria capaz de se manter estável, por trazer parte de seu verdadeiro universo, mas com o tempo, o nosso universo conseguia fazer valer suas leis sobre ele e o Plutônio-186 se desestabilizava.

Através das experiências de trocas dos elementos, os cientistas recebem placas enviadas por seres deste "outro universo" (Universo Paralelo), onde eles descreviam como criar uma máquina que faria a troca de elementos dos dois lados, recebendo a Terra o Plutônio-186, e enviando para eles o Tungstênio-186 (assim como Plutônio-186 em nosso mundo, o Tungstênio-186 seria instável e radioativo no Para-Universo). Esta máquina (chamada de "Bomba Eletrônica") seria capaz assim de criar energia radioativa cíclica e infinita, para os dois lados.

Dr. Peter Lamont, que estava trabalhando em um artigo sobre a história da Bomba de Elétrons, chega a conclusão de que tal Bomba traria a ruína ao nosso universo. Com a troca constante de "leis" entre ambos os universos, suas regras se misturariam e tudo que faz o nosso universo funcionar como é, aos poucos se desestabilizaria. Isto foi previsto pelo Dr. Hallam, mas a prazos de bilhões de anos. De acordo com Denison, podia acontecer em menos de cem anos.

UM LIVRO, TRÊS HISTÓRIAS

1. Contra a estupidez...

A primeira parte narra a descoberta do Plutônio-186 e a criação da Bomba Eletrônica, sendo o Dr. Frederick Hallam aclamado como o pai do projeto. Mas o que parecia ser uma solução perfeita para os problemas de energia da Terra, poderia significar uma grande desgraça. Investigando os fatos e indivíduos envolvidos em torno da criação da Bomba Eletrônica, o jovem Dr. Peter Lamont chega a conclusão de que esta poderia significar a aniquilação do Universo. Ele passa a investigar a tradução das placas enviadas pelos seres do Universo Paralelo com a ajuda de um perito linguístico, Dr. Myron Bronowski. A situação complica-se quando começam a surgir placas com mensagens de que a Bomba seria perigosa, ao mesmo tempo que os esforços de Lamont em provar sua teoria da possível destruição não se veem reconhecidos.

2. ...Os próprios deuses...

A parte mais fantástica do livro, narra sobre o Universo Paralelo, um mundo habitado por seres fantásticos, de natureza completamente diferente da vida encontrada na Terra.

Estes Seres estariam divididos em 2 grupos em seu mundo, os "Suaves" e os "Duros".

Os Suaves são seres mais simples, de composição maleável, capazes de modificar suas formas (alguns até em formas gasosas). Os Suaves deviam se reunir em trindades (Tríades), sendo que cada ser da tríade possuía um tipo de personalidade que representava um dos 3 papéis existentes em seu mundo:

– Emocionais: eram a porção feminina da Tríade, os mais sutis e sensíveis, reunindo em si os sentimentos, emoções e preocupações.

– Parentais: representavam o lado instintivo da Tríade, responsáveis pela gestação, criação e educação dos filhos, a medida que nascem.

– Racionais: a parte intelectual do trio, com a capacidade de aprendizado, intelecto e raciocínio muito aguçados.

Os Duros representam a elite da sociedade destes Seres, possuindo seus corpos mais sólidos e consistentes, sendo inteligentíssimos e responsáveis pela evolução do mundo. Para os Suaves, os Duros eram dignos de todo respeito, e a origem deles dentro de sua espécie nunca foi uma coisa muito clara (este fato é explicado mais adiante nesta parte do livro).

Na História temos Dua, a Emocional, que fazia parte de uma Tríade com Odeen, um Racional e Tritt, um Parental. Dua era considerada uma Esquerda-Em, por ser uma Emocional com grande capacidade intelectual e por compreender os assuntos dos Racionais. No decorrer da história, Dua começa a tomar ciência sobre as verdadeiras intenções e implicações da Bomba Eletrônica, e se vê na tentativa de impedir o seu uso.

3. ...Disputam em vão?

O desfecho do livro é protagonizado pelo Dr. Benjamin Allan Denison (ex-colega de Frederick Hallam, e que foi ridicularizado por este, na época primeira da descoberta da amostra de Plutônio-186). Denison viaja até a Lua, procurando na colônia selenita um recomeço para sua carreira que fora destruída na Terra por Hallam. Lá conhece Selene, uma selenita que serve de guia a ele no diferente ambiente lunar. Logo, Denison vê-se novamente envolvido com os problemas da Bomba Eletrônica e se torna a peça chave para explicar as teorias que comprovam seu perigo e por elaborar uma possível solução para todo o problema.

Fonte:
Wikipedia