quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Edna Gallo (O Recado)


O expediente terminara. Os funcionários já haviam ido embora e João estava sozinho na sua empresa. Dirigiu-se à escrivaninha, apanhou uma pasta e começou a examinar alguns papéis importantes, referentes à parte que teria de pagar à esposa de seu sócio Felipe, falecido recentemente.

Maquinava uma maneira de trapacear com o dinheiro da viúva. Ela era completamente alheia aos negócios do marido. Sempre vivera para o lar, atenta as tarefas de dona de casa. Mulher simples, confiava totalmente na honestidade desse homem que fora companheiro de trabalho de seu esposo e, posteriormente, sócio nesse bem sucedido empreendimento.

Com a morte de Felipe, João ficara só na administração da firma e, sentindo-se senhor da situação pensou logo em ficar com tudo, propondo então à viúva a compra da parte dela. Sem ter condições ou prática para gerir os negócios e ainda com filhos adolescentes para educar, ela concordou com a venda. Empregaria o dinheiro na compra de imóveis e viveria da renda dos mesmos.

Já era tarde e ele permanecia ainda no escritório. Formado em contabilidade, ele estudava uma forma de pagar um valor bem menor que o real. Tinha que fazer tudo direito, usar a cabeça, de modo que ela jamais desconfiasse que a importância a receber era maior que aquela que ele ia lhe pagar. A viúva confiava nele a ponto de dispensar a assessoria de um bom advogado.

Começou a subtrair dados, escondeu documentos, e quando estava adulterando algumas somas ouviu um barulho no trinco da porta, como se alguém a estivesse abrindo...

De repente, sentiu um cheiro de perfume ao seu redor. Arrepiou-se todo. Aquela era a fragância que Felipe usava.

Largou tudo o que estava fazendo e saiu correndo com o coração descompassado.

Esperou passar alguns dias e voltou a fazer a contabilidade. Desta vez, porém, não ficou só. Aproveitou o horário de expediente e, cercado de pessoas à sua volta, na certa aquele fato estranho, talvez até fruto de sua imaginação, não aconteceria outra vez.

Sentou-se e começou a rever a papelada. A idéia de trapaça não fora afastada. As intenções eram as mesmas. De repente o barulho na porta e o perfume exala no ar.

Não era possível! Chamou a secretária. Ela entrou e foi logo dizendo: “Nossa, que sala perfumada.”João ficou ainda mais nervoso com o comentário. Então, não era impressão sua. Ela também sentira o perfume. Resolveu, então, ficar algum tempo sem tocar naquela documentação.

Um dia, resolveu levar os tais papéis para casa.

Quem sabe longe do ambiente de trabalho aquilo não voltasse a se manifestar, porém, mais uma vez escutou ruídos na porta, e sentiu aquele aroma tão seu conhecido. Chamou a esposa e contou-lhe o que estava acontecendo. Decidiu rasgar todas as anotações que fizera e jogou-as no lixo. Fez a contabilidade novamente. Não omitiu um centavo. As contas foram feitas com a maior honestidade.

A viúva recebeu a parte dela. Tudo o que lhe pertencia estava ali, tostão por tostão. João compreendera o recado.
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Sobre a autora
Edna Gallo é poetisa, trovadora, cronista e contista. Nasceu em Santos/SP - pertence ao grupo Encontro de Poetas e a União Brasileira de Trovadores (U.B.T) Seção Santos. Alguns de seus poemas foram musicados pela musicista Glorinha Veloso regente do coral " Vozes da Esperança
"Livros publicados: “Alvoradas e Crepúsculos” e “Brisa de Outono”

Fonte:
CÁPUA, Cláudio de (editor). Revista Santos – Arte e Cultura. ano IV. vol.21 - maio de 2010.

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