quinta-feira, 24 de maio de 2012

Lóla Prata (O Analfabeto Limpador de Livros)


Lóla é de Bragança Paulista/SP
5. Lugar no Concurso de Poesias Carlos Cezar 2012
Versos leoninos, separados em setissílabos


A tristeza enfileirada
se expunha ao olhar miúdo
de uma pessoa frustrada
que erguia um pano felpudo.
Dos livros, o cuidador
analfabeto indivíduo
lhes dava alto valor
e abominava o resíduo.
A poeira já fizera
um colorido cinzento;
na ousadia se aglomera
na estante em esquecimento.
Esse limpador começa
retirando cada um,
bem devagar... não se apressa.
Tem um capricho incomum.
Odeia o mofo, as traças
que enfeitam as prateleiras,
persegue os de carapaças,
liquida as pragas rasteiras.

Tira os fungos com cuidado
como cirurgião doutor
cada livro é restaurado
recuperando o frescor.
Os volumes vão brilhando
com novo fulgor externo
para ficar encantando
o ambiente amoderno.
Vendo todo aquele viço
o homem se regozijou:
completado seu serviço
com a alma se emocionou.
Saudades do velho dono
admirável escritor
cujos livros no abandono
do que fora antigo amor.
Morrera assim, de repente,
sobre um compêndio qualquer
com uma cara de contente
sem nenhuma dor sequer.

Deixara então, de herança
ao caseiro dedicado,
uma estranha segurança
por ter-lhe histórias contado.
E este, mesmo sem ler
e nem era capaz disso,
pelo menos o saber
chegou por meio postiço.
Sua falta de leitura
pois isso não conseguia,
com a douta criatura
na conversa se supria.
A grande biblioteca
com livros de todo o teor
não ia levar-a-breca
enquanto houvesse vigor.
lembrava da Capitu
de quem tinha certa raiva
de parte com belzebu,
a julgava muito laiva.

Dom Quixote e Sancho Pança
dupla esquisita, engraçada,
com uma certa semelhança
com seus amigos da praça.
Versos bons de Coralina
lá dos becos de Goiás
eram de velha-menina
de alguém muito vivaz.
Jonathan, de Adélia Prado
desconfiou ser Jesus
que o deixou encafifado
a desejar ter mais luz.
Bem, a vida do africano
Agostinho, o pensador,
depois ficou puritano
mas antes, que pecador!
E a História do Brasil?
Coisa linda, sim senhor,
Pedro Cabral foi viril,
enfrentou o exterior.

E o outro Pedro, o Segundo,
um menino imperador,
muito valente, foi fundo
mas nem sempre vencedor
e aquele poema lindo
que fala café-com-pão,
esse sim, o deixou rindo
o distraiu da função.
De Júlio César, romano
que amava fazer guerra,
um perverso e desumano
a toda gente da Terra.
Dentre os contos se lembrava
de O Capote, genial,
muito antigo, calculava;
de certa forma, atual.

Cansado demais estava
agora, com a tarde finda;
de uma cama precisava
e pela noite bem-vinda
já a queria em vigília
respirando bem no fundo;
e foi lá perto da pilha
de todos os livros do mundo
que o analfabeto caiu
muito exausto de saudade
daquele alguém que partiu.
Foi vê-lo na eternidade!

Fonte:
http://caeseubt.blogspot.com.br/

Um comentário:

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Tão belo!
Vou compartilhar!
Um abraço,
da Lúcia