domingo, 16 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Chiquinha Gonzaga, Ó Abre Alas)


O espetáculo homenageia Chiquinha Gonzaga, numa biografia musical da compositora e abolicionista carioca. A peça, escrita por encomenda do Teatro Popular do Sesi a Maria Adelaide Amaral, tem sua primeira montagem em São Paulo, sob a direção de Osmar Rodrigues Cruz, em 1983. Quinze anos depois, comemorando os 150 anos de aniversário do nascimento da artista, o Rio de Janeiro apresenta uma remontagem modernizada, numa grande produção encabeçada pelo diretor Charles Möeller e o diretor musical Claudio Botelho. 

A peça de Maria Adelaide Amaral fala da vida pública da compositora que, em meados do século XIX, disse não aos papéis tradicionais da mulher, tornando-se profissional da música e envolvendo-se em todas as grandes causas sociais e políticas do seu tempo. A sua primeira montagem é de 1983 e tem direção de Osmar Rodrigues Cruz, cenografia de Flávio Império, protagonizada por Regina Braga, à frente de grande elenco, numa superprodução do Teatro Popular do Sesi, TPS. O texto apresenta 140 personagens, que a direção distribui entre os 32 atores do elenco, cada um se desdobrando em até seis papéis, numa chave cênica similar ao sistema coringa, de Augusto Boal. 

O cenógrafo Flávio Império fragmenta a cena ao máximo, empurrando-a para fora de seus limites em direção ao público, criando também diversos planos para atender as exigências do texto. Os figurinos, adereços, perucas e chapéus, compostos por mais de seiscentas peças, são divididos em cores: para as mulheres, os tons da primavera e para os homens predominam o branco e o preto. O espetáculo arrebata vários prêmios, dentre eles, Instituto Nacional de Artes Cênicas, Inacen de um dos cinco melhores espetáculos do ano, Molière de melhor autor para Maria Adelaide Amaral, melhor atriz para Regina Braga, Associação Paulista de Críticos de Artes, APCA de melhor cenografia e figurinos para Flávio Império, melhor direção musical para Oswaldo Sperandio, e APCA grande prêmio da crítica para Osmar Rodrigues Cruz, pelos 20 anos de trabalho à frente do TPS. Em mais de um ano e meio em cartaz, a montagem foi vista por cerca de 300 mil espectadores.

A montagem carioca ocorre quinze anos depois, passando por algumas modernizações, sob o título de O Abre Alas, com encenação de Charles Möeller e direção musical de Claudio Botelho. Nessa versão, encabeçada por Rosamaria Murtinho, Chiquinha Gonzaga, a militante da causa abolicionista, da campanha republicana e da luta pelo reconhecimento do direito autoral, é também destacada por seus feitos artísticos e sua participação política. 

Enquanto as cenas de diálogo apresentam o contexto histórico, as cenas musicais mostram a compositora. Nos diálogos, a atriz lança mão de uma interpretação levemente distanciada, que valoriza a clareza da argumentação. Nos números musicais, surge uma igualmente suave estilização, que investe na graciosidade dos movimentos.

O espetáculo recebe um tratamento de grande musical, com cantores, coro e linguagem grandiloqüente. As músicas de Chiquinha Gonzaga são misturadas a canções do diretor musical e de outros compositores da época. A crítica Barbara Heliodora, considerando que o trabalho de Rosamaria Murtinho é responsável pela única e "verdadeira tentativa de chegar perto da homenageada", condena quase integralmente o resultado final, principalmente sua grandiosidade: "Na verdade, as pequenas incursões de Rosamaria pelo canto são muito melhores (porque agradáveis) do que as dos supostos cantores".1 A crítica Mariângela Alves de Lima, que observa que a peça não permite ver a opressão feminina sofrida por Chiquinha, vê qualidades no texto e na montagem: "Mas há, na estrutura da peça, um lugar reservado para o exercício da fantasia, da imaginação e dos outros atributos humanos que, na verdade, alimentam o impulso para a participação na vida coletiva. A artista, poética e sonhadora, se expressa por números musicais. Dividindo com nitidez um plano dramático da militância, configurado nos diálogos, e o da criação, concentrado nos números musicais, o roteiro propõe uma complementaridade quase ideal para o gênero musical. (...) Espetáculo com muitas formas e com algumas formas nada discretas, deleitando-se com a engenhosidade da cenotécnica e da iluminotécnica, com a habilidade vocal dos seus cantores e músicos, funciona também como a celebração de um gênero teatral que deixamos de cultivar".2

Notas
1. HELIODORA, Barbara. Uma grandiosidade que não alcança Chiquinha Gonzaga. O Globo, Rio de Janeiro, 6 set. 1998.

2. LIMA, Mariângela Alves de. 'O Abre Alas' celebra a emancipação da mulher. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 mar. 1999.

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