COLHEITAS DE AMOR
I
Tudo era inverno em mim quando chegaste.
O altivo coração, que fora outrora
um Chimborazo ardente de desejos,
enregelado e inerte - adormecera!...
Não mais cantavam pássaros nos ramos.
E as flores todas dos jardins dos sonhos,
hirtas de frio, a tiritar, jaziam
despetaladas pelo chão de neve.
Tudo era inverno em mim quando chegaste.
Sobre o busto de Palas de minha alma
já o corvo augural pousado estava,
grasnando o “never more” da descrença.
Tudo era inverno em mim quando chegaste,
qual fruto sazonado ao sol do estio!
II
Vinhas da Canaã dos meus sonhares
para o deserto hostil dos meus desgostos,
trazendo em teu sorriso alegre e franco
o mágico esplendor de vinte auroras.
Como Ruth a Booz então me deste
do teu ardente amor farta colheita.
Da amendoeira em flor sentei-me à sombra
e fui feliz no vale do teu seio!
Deixei as vinhas de Nabot, malditas,
onde a ambição domina e o vício medra,
como o joio floresce nos trigais...
E não mais precisei, por graça tua,
ó doce Sherazade dos meus sonhos,
colher frutos de amor noutras searas!
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DIZE-ME ENTÃO...
Tu, que não crês no amor, dize-me agora
qual a ilusão que, plácida e risonha,
consola o desespero de quem chora
e inspira o devaneio de quem sonha!
Pediste amor ao pôr do sol e à aurora,
sem ver, na sua súplica tristonha,
que a quem supremo bem do alheio implora,
importa que igual bem sempre reponha.
Procura o teu destino e os teus prazeres,
e saberás que as crenças mais queridas
são fagulhas de Deus na alma dos seres...
E assim verás que o amor nunca encontraste,
porque se o procuravas noutras vidas,
no próprio coração nunca o buscaste!
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PAIXÕES
Posto que homem sou, feito de carne e osso,
sou sujeito a paixões como qualquer mortal.
Vibra e palpita em mim, num constante alvoroço,
todo o sensualismo atávico ancestral!
Domino-o porque sei, desde os tempos de moço,
sobrepor às paixões do instinto um nobre ideal.
O beijo que se paga é sempre um beijo insosso,
todo o amor que se compra é sempre amor banal!
Pode rugir feroz a besta dos desejos!
A carne pede a carne, a boca pede beijos,
mas tu, ó alma boa, o corpo me dominas!
A menos que, por fim, vencida te entregares
à sede de prazer que vem dos lupanares
e à fome de amor comprado às messalinas!
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SOBRE A SAUDADE
Quem sente saudade, sente
pouca esperança também.
Mas como é triste se a gente
nem uma, nem outra, tem.
Sentir saudade é pungente,
ao se esperar quem não vem;
porém, mais sofre o descrente
que nunca espera ninguém!
Assim, no claustro da vida,
o amor nos faz como um monge
que aguarda a luz prometida.
Por que mais vale, por certo,
uma esperança mais longe
que um desengano mais perto.
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VERSOS À ITAPERUNA
(Poema declamado pelo autor na festa que marcou o Primeiro Encontro de Valores Itaperunenses, em 11/09/1976)
I
Eu amo a minha terra e estimo a minha gente
como um filho a seus pais e a seus irmãos germanos.
E embora esteja longe há vinte e tantos anos,
só o meu corpo partiu! A alma ficou presente!
E bem maior não há, neste mundo inclemente,
(Bem por graça de Deus dado aos seres humanos)
do que a glória de ter, em meio aos desenganos,
em reciprocidade o afeto que se sente!
É este, - Itaperuna, - o meu maior anseio:
Ser querido por ti, que me nutriste o seio,
E me mim sempre encontraste a devoção e o apreço.
Ser querido por ti, que eu amo e que venero,
na mesma proporção do muito que te quero,
e não na proporção do pouco que mereço!
II
O certo é que ninguém mais do que eu te adora,
pois que és o meu lugar, o meu berço e o meu teto,
onde de um lar cristão gozando o doce afeto
eu era mais alegre e mais feliz que agora!
Meu céu só tinha então o resplendor da aurora!
E o caminho da vida era florido e reto!
Com a esperança a afagar meu coração inquieto,
não via a dor que punge e a mágoa que devora.
Um dia, Deus o quis, eu te deixei, tristonho.
Que te importa a razão? E porque o fiz, e o sonho
com que embalei meu ser buscando outro destino?
O fato é que parti e encaneci bastante...
Sou um triste que lembra a alegria distante,
sou um velho que chora os tempos de menino!
III
E hoje que estou aqui, tranquilo em teu regaço,
qual um peixe a nadar no lago onde nasceu,
trago-te a saudação e o carinhoso abraço
do menino que sou, que sem querer cresceu!...
Todo o bem que possuo, - Itaperuna, - é teu!
Esta lira que empunho e esse talento escasso.
E o saudável vigor que o teu leite me deu,
pago-te em gratidão nos versos que te faço.
Que riquezas não tem quem te dedica às rimas;
quem busca no cascalho um veio de obras primas,
na bateia do Belo emprega o engenho seu.
Eis a razão por que, à falta do ouro e gemas,
eu te ofereço agora estes humildes poemas:
são pedras sem valor, mas o garimpo é meu!
Fontes:
Athos Fernandes. Shangri-La Poesias. 1979.
Athos Fernandes. Ofir. 1977.
Athos Fernandes. Shangri-La Poesias. 1979.
Athos Fernandes. Ofir. 1977.
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