sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Humberto de Campos (As camisas)

Há muitos dias que o Dr. Abelardo insistia com a mulher, a encantadora D. Silvia, para que usasse umas camisas de seda cor de rosa, que, na sua opinião, lhe deviam assentar admiravelmente sobre a pele clara, macia, cetinosa. Apaixonada pelo marido, que sabia disputado pela mais íntima das suas amigas, a loura Luizita Corrêa, D. Silvia escancarou, nesse dia, o grande móvel do quarto de vestir, em que guardava as suas roupas de interior e, tirando as dezenas de camisas que ali estavam arrumadas com ordem, ia mostrando-as, uma a uma, ao esposo:

- É assim?

- Não.

- É dessas, de seda, enfiadas de fita?

- Não.

- É assim, apenas com uma fita sobre o ombro?

- Também não!

E como a esposa lhe não mostrasse nenhuma camisa como a que ele desejava acariciar sobre o seu corpo soberbo, convidou-a ele próprio, beijando-a nos olhos.

- Amanhã, na cidade, veremos onde tem. Quero comprar-te uma dúzia. Ouviste, meu amor?

D. Silvia agradeceu, com um sorriso e um beijo, a gentileza amorosa do esposo e, no dia seguinte, à tarde, entravam, os dois, contentes, em uma casa de modas da rua do Ouvidor, onde, tomando a dianteira, o marido pediu:

- Camisas de dia, de seda, para senhora; n. 3.

- Que cor? - indagou, solicita, a moça que o atendeu.

- Cor de rosa.

A empregada subiu ao primeiro andar, trouxe algumas caixas de camisas de seda, mas nenhuma correspondia ao desejo elegante do freguês, que era, de fato, exigente.

- Não são destas? - consultou.

- Não, senhora. São mais finas, mais transparentes, com uma renda de seda até quase à cintura.

- Ah! Já sei! - exclamou a mocinha, sorrindo.

E, levantando os olhos para o andar superior chamou por uma companheira.

- Julieta!

Apareceu, em cima, no balaústre, a cabeça oxigenada de outra caixeira da casa.

- Manda-me dali, por favor - pediu - a caixa de camisas n. 8.645.

E, particularizando, alto:

- Olha! daquelas que D. Luizita Corrêa comprou aqui... Sabes?

Quando as camisas desceram das nuvens, D. Silvia tinha subido.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

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