sábado, 3 de setembro de 2022

Milton S. Souza (A melhor coisa do mundo)


A pergunta que aquela professora de quarta série de uma escola municipal de Santo Antônio da Patrulha fez para os seus alunos deixou a classe inteira agitada. Ela deu dez minutos para eles responderem por escrito “Qual a melhor coisa do mundo?”. Depois de diversas consultas entre eles, com a formação de grupinhos, os alunos baixaram a cabeça e começaram a escrever as suas respostas. Quando todos terminaram, a professora recolheu as folhas, separou por assuntos, e começou um debate em sala de aula.

A grande maioria dos alunos colocou a saúde como melhor coisa do mundo. Mas alguns pensaram diferente.

Para aquela menininha de tranças, olhar triste e perdido, “a melhor coisa do mundo é ter um pai e uma mãe”. Ela completou dizendo que “não é fácil viver jogada no mundo e ser criada por estranhos”.

O garoto mais bagunceiro da classe afirmou que “a melhor coisa do mundo é  matar aula para jogar futebol”.

A garota de óculos “fundo de garrafa” que sempre sentava na primeira fila ressaltou que “A melhor coisa do mundo é enxergar bem”.

O menininho raquítico e esfarrapado, que já havia sido ajudado várias vezes pelo atendimento social da escola, garantiu que “a melhor coisa do mundo é ter o que comer”.

E aquela garota gordinha, que seguidamente trazia flores ou maçãs para a professora, esbanjou puxa-saquismo dizendo que “a melhor coisa do mundo é ter uma professora como a senhora”...

Nem é preciso dizer que o debate na sala de aula rendeu muito. O grupo que apostou na saúde enfrentou todos os outros dizendo que “sem saúde não adianta ter comida, casa, mãe e pai ou qualquer outra coisa”. Ao defender a ideia, eles até conquistaram os apoios de vários daqueles que pensavam diferente. Até o matador de aulas concordou que sem a saúde não dava para jogar futebol. Mas o grupo não conseguiu convencer a menina de tranças de que saúde é melhor do que ter pai e mãe: “Se alguém não tem saúde, mas tem um pai e um mãe para lhe cuidar, pode superar os seus problemas. Se alguém tem saúde, mas não tem pai e mãe, pode ficar doente por viver atirada no mundo”. A lógica da menina chegou a emocionar a professora. No final da aula, ela explicou para os alunos que a melhor coisa do mundo seria aquela que a gente estivesse necessitando com urgência naquele momento, seja a saúde, uma casa, um pai ou uma mãe e até um copo de água para matar a sede.

E você, leitor, que resposta daria para aquela pergunta? Eu, por exemplo, teria muita dificuldade para responder. São tantas as coisas boas e valiosas que Deus coloca todos os dias na minha vida que seria quase impossível optar por apenas uma. Talvez eu ficasse com o amor daquela pessoa que mais amo. Talvez colocasse nesta resposta a minha família inteira. Talvez tivesse que pensar muito antes de retirar das opções as minhas duas maiores manias: ler e escrever. Qualquer resposta, por certo, ficaria incompleta. Por isso, vou apostar em uma mais simples que, no meu modo de ver, consegue englobar todas as outras: “A melhor coisa do mundo é, mesmo, viver”…

Fonte:
Recanto das Letras do autor.
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/84963

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