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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Contos e Lendas do Mundo (Dinamarca: O Príncipe-Veado)

Era uma vez um viúvo e uma viúva que casaram um com o outro. Cada um deles tinha uma filha — a do marido era formosa e elegante e a da mulher muito feia. A viúva tinha inveja da enteada, por ser muito mais bonita que a sua filha, pelo que passava o tempo a pensar como a podia prejudicar, e tratava-a pessimamente. O marido permanecia quase todos os dias fora de casa, de manhã à noite, razão pela qual não se achava muito informado sobre a situação da jovem.

Uma noite, quando já estavam todos deitados, bateram à porta, e a mulher disse à filha que fosse ver quem era. Como esta não se mostrasse muito entusiasmada em obedecer, a enteada ofereceu-se para o fazer, mas não lhe permitiram, pois a mulher desejava que fosse a filha. Por conseguinte, a jovem retirou o ferrolho, abriu a porta e viu um veado ou algo parecido. Sem perda de um segundo, pegou numa vassoura e fez menção de o agredir, conseguindo assim pô-lo em fuga. Depois, fechou de novo a porta e foi contar o sucedido à mãe.

Na noite seguinte, quando se preparavam para aferrolhar a porta, voltaram a bater, mas desta vez a filha da mulher não se atreveu a ir abrir, e ninguém se opôs a que o fizesse a enteada, à qual se deparou com o mesmo veado.

— Coitadinho — murmurou ela. — De onde vens?

— Sobe para o meu dorso, menina! – indicou o veado.

Mas ela disse que não estava disposta a fazê-lo, pois já tinha dificuldades suficientes ao carregar consigo próprio. O veado explicou que era a única maneira de o poder acompanhar, perante o que ela subiu em seu dorso — pois não queria continuar em casa — e partiram.

Pelo caminho, chegaram a uma planície, e ele perguntou:

— Que dirias se, um dia, nos pudéssemos divertir aqui?

No entanto, a jovem não conseguia conceber como ambos poderiam se divertir naquele prado. Finalmente, chegaram a um enorme palácio. O veado introduziu a companheira e disse-lhe que, dai em diante, teria de viver lá completamente só, mas teria todos os desejos realizados, e que tentasse passar o tempo o melhor que pudesse. Garantiu-lhe que, um dia, viria visitá-la e pediu que não entrasse num lugar em que havia três portas — uma de madeira, outra de cobre e a terceira de ferro. Não as devia abrir sob pretexto algum.

Entretanto, estava intimamente convencido de que seria a primeira coisa que faria.

Ela passou o resto do dia totalmente só. Chegou a noite e, na manhã seguinte, decidiu percorrer todo o palácio. Invadiu-a então uma vontade tão forte de abrir a porta de ferro, que não lhe pôde resistir. Fez-o e viu lá dentro dois homens que remexiam com as mãos e os braços uma caldeira de alcatrão, aos quais perguntou porque procediam assim sem usarem qualquer proteção. Eles responderam que estavam condenados a fazê-lo até que uma alma cristã lhes fornecesse algo para remexer o alcatrão. Sem hesitar, ela pegou numa acha, improvisou com ela uma espécie de colher plana e entregou-a aos homens.

O dia foi-se escoando e anoiteceu. Na manhã seguinte, ela ouviu muito barulho na corte e viu vários homens que davam de beber aos cavalos e numerosos serviçais a limpar as pratas. Todos estavam muito ocupados e moviam-se de um lado para o outro. A jovem teve então vontade de abrir a segunda porta. Era a de cobre, e viu duas raparigas que atiçavam uma chama com as mãos. Perguntou-lhes porque o faziam e responderam que tinham sido condenadas a proceder assim até que uma alma cristã lhes fornecesse alguma coisa para substituir as mãos. Sem hesitar, ela foi buscar uma barra de ferro, que lhe agradeceram com gratidão.

Na manhã seguinte, todo o palácio estava cheio de moças, que varriam, lavavam e punham tudo em ordem. Deixou o dia decorrer sem fazer nada, mas, a certa altura, não se pôde conter mais — tinha de abrir também a porta de madeira. Quando o fez, encontrou-se perante o veado num leito de palha e perguntou-lhe, naturalmente, porque estava ali deitado. Ele explicou que tinha de se conservar assim até que um alma cristã lhe limpasse a sujeira. Sem hesitar, a jovem pegou num molho de palha e começou a limpá-lo. A medida que o fazia, o veado transformava-se no príncipe mais atraente que ela jamais vira.

Depois, contou-lhe que todo o palácio tinha sido encantado, porém ela agora conseguira quebrar o feitiço, pelo que queria desposá-la, e foi uma boda extraordinária que se prolongou por vários dias.

Passado algum tempo, ele perguntou à esposa se queria convidar a madrasta e a filha e ela respondeu que sim, que gostaria muito de as voltar a ver. O marido disse então que não poderia estar presente, quando chegassem, e recomendou-lhe que, ao servir vinho ou qualquer outra coisa, deixasse cair uma gota no sapato. Ele apareceria então e a limparia. Além disso, advertiu-a de que não desse à madrasta nada que fosse uma, duas ou três coisas — tinham de ser mais de três, como cereais ou algo do gênero.

Quando a madrasta e a filha chegaram, a princesa — pois agora era princesa — mostrou-se muito atenciosa. Ofereceu-lhes vinho e deixou derramar uma gota no seu sapato dourado. No mesmo instante, surgiu o príncipe, que limpou a nódoa com o lenço. Se as outras ainda não estavam abismadas com o que as rodeava, ficaram-no sem dúvida quando o viram aparecer. Mais tarde, saíram ao jardim, e a madrasta empenhou-se em que a princesa lhe colhesse uma maçã, mas ela não quis. A mulher insistiu que queria maçãs que não fossem mais de três. No entanto, a princesa manteve a sua posição e disse-lhe que teria todas as que desejasse, quando estivessem maduras.

A outra ficou então furiosa. De regresso a casa com a filha, corroía-a a inveja de não ter sido esta a alcançar semelhante felicidade. Estava tão indignada, que não se conteve de a acusar culpada de tudo. A filha insurgiu-se e, palavra puxa palavra, acabaram por se puxar os cabelos, até que se desfizeram e converteram num monte de seixos rolados.

É este o motivo por que há tantos seixos rolados no mundo.

Fonte:
Ulf Diederichs, Palácio dos Contos. Lisboa/Portugal: Círculo de Leitores, 1999.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Contos e Lendas do Mundo (Dinamarca: A Constelação das Plêiades)

Era uma vez um homem que tinha seis filhos aos quais não dera nomes, como as pessoas costumam fazer, limitando-se a chamar-lhes, de acordo com a idade, Primeiro, Segundo, Terceiro, Antepenúltimo, Penúltimo e Último. 

Quando o Primeiro completou dezoito anos e o Último doze, o pai mandou todos percorrerem o mundo, para que aprendessem um ofício. Eles puseram-se a caminho e, durante algum tempo, seguiram juntos, mas não tardaram a chegar a um dupla encruzilhada, da qual partiam seis caminhos diferentes. Reconheceram então que deviam se separar e cada um optaria pelo seu próprio percurso. Decidiram igualmente que, dois anos exatos mais tarde, voltariam a reunir-se naquele local, de onde regressariam à casa paterna.

Com efeito, no dia combinado, encontraram-se de novo aí e regressaram juntos a casa do pai, o qual perguntou a cada um que arte aprendera. 

O Primeiro disse que se tornara mestre de construção naval e era capaz de construir barcos que se deslocavam sozinhos. 

O Segundo embarcara, ascendera a piloto e sabia comandar qualquer tipo de barco ou veículo. 

O Terceiro apenas aprendera a escutar, mas conseguia, num reino, ouvir o que se passava noutro. 

O Antepenúltimo tornara-se atirador, e cada um dos seus disparos atingia o alvo com precisão. 

O Penúltimo aprendera a trepar, pelo que podia escalar uma parede como se fosse uma mosca, e não havia encosta rochosa suficientemente escarpada para o desencorajar.

Depois de se inteirar das capacidades dos cinco, o pai admitiu que não era mau de todo, mas, não obstante, esperava mais deles, pois, em última análise, o que tinham aprendido também outros eram capazes de fazer. Por fim, quis saber o que aprendera o Último, no qual sempre depositara as suas maiores esperanças, por se tratar do seu filho preferido.

O Último alegrou-se por finalmente ser a sua vez e anunciou, muito satisfeito, que se convertera em mestre do roubo. Ao ouvir aquilo, o pai ficou tão furioso, que o agarrou pelas orelhas e bradou:

— Que vergonha! Atraíste a desonra sobre mim e toda a família!

Aconteceu então que um mago de má índole roubou ao rei do seu país a jovem e encantadora filha. E o monarca prometeu-a como esposa — além de metade do reino como dote — a quem a descobrisse e arrebatasse ao raptor. Ao tomarem conhecimento disso, os seis irmãos decidiram tentar a sorte. 

O mestre de construção naval construiu um navio que navegava autonomamente. O piloto pilotou-o por terra e por mar. O de ouvidos apurados escutou em todas as direções e acabou por anunciar que detectara a princesa no interior de uma montanha de cristal, para onde se dirigiram. O escalador trepou a toda a velocidade e, uma vez no topo, avistou o mago, que dormia, com a horrível cabeça pousada no regaço da princesa. A seguir, reuniu-se aos irmãos, chamou o ladrão magistral, fê-lo subir para as suas costas e conduziu-o ao topo. O ladrão magistral tirou a princesa de baixo da cabeça do mago sem que este percebesse, após o que o escalador transportou ambos até ao navio.

Depois de se encontrarem todos a bordo, zarparam. Entretanto, o de ouvidos apurados não parava de prestar atenção aos movimentos do mago. Ainda não se tinham distanciado muito, quando comunicou aos irmãos:

— Acaba de acordar... Espreguiça-se... Dá pela ausência da princesa... Começa a dirigir-se para aqui!

A princesa revelou então um medo intenso e declarou que estariam todos perdidos, a menos que houvesse um atirador excelente a bordo, pois o mago podia deslocar-se pelo ar até qualquer lugar e não tardaria a alcançá-los. Acrescentou que era invulnerável e as balas não o molestavam, salvo se o atingissem num pequeno ponto negro que tinha no peito, não maior que o buraco de uma agulha.

E, na verdade, o mago surgiu a sobrevoar o navio a toda a velocidade. Sem perda de tempo, o atirador visou-o com a arma, disparou e atingiu-o em pleno sinal preto no meio do peito. Quase simultaneamente, o mago explodiu em milhares de pedaços incandescentes, que dispersaram fumegantes, em todas as direções, sendo por esse motivo que se encontram tão grandes quantidades de pederneira em todas as partes do mundo.

Os seis irmãos chegaram por fim a casa com a princesa, que depois conduziram à corte do pai. Todos se tinham apaixonado por ela e cada um podia afirmar que, sem a sua intervenção, nunca se salvaria. O rei viu-se então perante um grande dilema, por não saber a qual devia entregar a filha. E ela achava-se em idênticos apuros, já que não conseguia determinar qual amava mais.

Odin, pai dos deuses, contudo, não quis que houvesse divergências contundentes entre eles, pelo que fez com que os seis irmãos e a princesa morressem na mesma noite. Depois, distribuiu os sete pelos céus, convertidos em estrelas, que são as que agora conhecemos por Plêiades. A mais brilhante é a princesa e a menos visível o pequeno ladrão.

Fonte: