sábado, 6 de abril de 2024

Prêmio Açorianos de Literatura (Vencedoras)

Edição: Vitor Diel

Premiação foi marcada pela autoria de mulheres na maior parte das categorias

Ocorreu na noite de terça-feira, 2 de abril, a partir das 20h10, no Teatro Renascença, em Porto Alegre, a cerimônia de premiação do Açorianos de Literatura de publicações lançadas no último ano. Foram anunciados os vencedores de nove categorias, além dos prêmios especiais e Livro do Ano.

Os destaques especiais foram concedidos a Rafael Guimaraens, pelo conjunto da obra, além de Maria Eunice Moreira, José Hildebrando Dacanal, Luciano Alabarse, Arthur de Faria, Grupo Zaffari e Luiz Coronel, todos por suas contribuições à literatura.

Confira abaixo os vencedores de cada categoria e Livro do Ano.

Categoria Infantil
Diário das coisas impossíveis
Paula Schiavon
Livraria da Matriz

Categoria Infantojuvenil
A curiosa loja dos objetos incompletos
Cláudia Sepé
Editora Boaventura

Categoria Dramaturgia
Liberdade
Coletivo As dramaturgas
Concha

Categoria Crônica
Wolfsegg, Rio Grande do Sul
Luiz Maurício Azevedo
Figura de Linguagem

Categoria Conto
A língua da medusa
Gabriela Leal
Editora Zouk

Categoria Poesia
As montanhas seguem lá
Giulia Barão
Editora Urutau

Categoria Ensaio de Literatura e Humanidades
Um itinerário íntimo pela psicanálise lacaniana
Luciano Mattuella
Editora Zouk

Categoria Especial
Jurema Finamour: a jornalista silenciada
Christa Berger
Editora Libretos

Categoria Narrativa Longa
A mulher que atravessa a ponte
Ana Cardoso
Editora Zouk

Livro do Ano
Liberdade
Coletivo As dramaturgas
Concha

Fonte> Literatura RS, 3 de abril de 2024.
https://literaturars.com.br/2024/04/03/confira-as-vencedoras-do-premio-acorianos-de-literatura/

sexta-feira, 5 de abril de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 25

 

George Abrão (Virado de feijão com café)

Nunca gostei de postar fotos ou de relatar aqui o que como ou bebo (também nada tenho contra quem o faz). Mas hoje não resisti, acabei de comer um virado de feijão, bem soltinho, acompanhado de café (sem leite) bem forte e doce. Quem nunca provou, não sabe o que está perdendo, é como diz o goiano: “É bom demais da conta! ”, ainda mais com esse tempo chuvoso aqui de Maringá. 

Falando em chuva, não entendo o porquê, mas parece que a chuva abre (mais) o nosso apetite e nos faz lembrar de coisas boas para comer, como bolinho de chuva (óbvio), bolo de fubá (gosto mais do farelo que fica no prato do bolo do que do próprio), pamonha doce, arroz-doce com canela e outras tantas guloseimas que povoaram a nossa infância.

Ah, infância! Quando eu era pequeno, lá na doce e bela Jaguariaíva, nós morávamos em uma casa onde na cozinha (é claro) havia um grande fogão de lenha, daqueles que têm uma plataforma na enorme boca para se colocar toros maiores de lenha. Pois bem, no inverno fazia muito frio pela manhã e, antes de irmos para a escola (a minha era o belo e saudoso Grupo Escolar “Izabel Branco”), minha mãe, dona Sara, fazia uma grande panela de virado de feijão para comermos em prato de ágata, acompanhado de café. Eu me sentava bem junto ao fogo, colocava os meus pés na beirada da plataforma para a lenha e mandava ver o delicioso virado (comido com colher), bebia uma “canecona” de café, e estava pronto para o que desse e viesse, estava pronto para a vida.

Isto posto, quem nunca comeu virado de feijão bem soltinho acompanhado de café (preto) bem forte e doce, ainda dá tempo, é só ir à cozinha e preparar.

Fonte> George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017. Enviado pelo autor.

Contos e Lendas do Paraná – 21 (Municípios de Clevelândia – Quitandinha)

Município de Clevelândia
A ESCRAVA

Há muitos anos atrás, em uma fazenda de nosso município, um fato curioso aconteceu. Certa amanhã de inverno, dona Maria esquentava-se na boca de seu fogão à lenha, quando sua escrava começou a falar, que quando morresse, não gostaria de ser enterrada no cemitério municipal e sim no cemitério da fazenda. Ali era o lugar que ela gostava. Dizia ela: “aqui eu nasci, aqui vivi e aqui quero ficar; naquela colina de onde poderei ficar enxergando os meus senhores, os quais foram tão bons para mim”. 

Sua patroa ria muito e não ligava para o que ela falava.

Como, naquela época, morriam muitas crianças ainda bebês, do chamado mal dos sete dias, a fazendeira fez um cemitério para as crianças, bem embaixo de um lindo pinheiro. Foi todo cercado com uma linda cerca branca. Muito tempo se passou e a escrava faleceu. Foi velada na fazenda, depois colocada em uma carroça para ser enterrada no cemitério municipal.

Porém, para sair da fazenda era preciso passar bem ao lado do cemitério das crianças e veja só o que aconteceu: quando chegaram bem perto do cemitério da fazenda, a carroça parou e os bois não iam nem para frente nem para trás. Puxavam, batiam nos bois, gritavam e nada adiantava. No mesmo instante, dona Maria lembrou do pedido que a escrava havia feito e determinou que voltassem, pois ela seria enterrada no cemitério das crianças, assim fazendo a vontade da escrava.

Os bois, então, começaram a andar sem que ninguém precisasse comandá-los. Andaram e chegaram até o portão do cemitério ali parando. Enterraram a escrava ali, realizaram seu último pedido, seu desejo de permanecer para sempre perto de seus senhores. Como dizia a escrava: “aqui nasci, aqui vivi e aqui quero ficar”.
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Município de Quitandinha
O CEMITERINHO

Existe na localidade de Reis um cemiterinho semi-abandonado, cuja história registramos. Havia na localidade de Reis um homem de mau caráter de nome Antônio Chato, o qual vivia com uma mãe solteira, com um filhinho de nome Virgílio. Antônio maltratava a amásia, como também o inocente filhinho. A criança apanhava todos os dias. Muitas vezes a mãe da criança fugia de casa pelos maus tratos recebidos. Antônio então batia na criança para que a mãe, atraída pelo choro, viesse em socorro do filho, quando apanhava também. 

Antônio Chato amarrava a criança numa árvore, deixando ali um pote de barro com feijão e farinha para sua alimentação, enquanto o casal passava o dia fora. 

Algo de estranho começou a acontecer quando o menino ficava amarrado em dia de chuva, não se molhava. Uma força divina o protegia. 

Certa vez Antônio Chato fez um colete cravado de espinhos por dentro e também uma touca com espinhos e vestiu o menino, enquanto o deixavam a sós. Desta vez o menino morreu pelos maus tratos recebidos.

Os pais sepultaram o menino no mato e deram como desaparecido. Passado algum tempo, o caso foi denunciado à polícia da Lapa, a qual obrigou Antônio Chato a dar conta do menino. Levados ao local e desenterrada a criança, nova surpresa: seu corpinho estava intacto, tal qual havia sido enterrado.

Uma piedosa senhora de nome Francisca Xavier de Oliveira, tendo obtido uma graça por pedido que fez ao menino, mandou cercar o local da sepultura e confeccionar a imagem de um anjo com o nome de Anjinho Virgílio, e a colocou em cima da sepultura.

Anjinho passou a ser objeto de devoção para o povo do lugar.

João Mendes (curador) mandou construir o cemitério que passou a servir para enterro de outras crianças mortas nas redondezas e uma capelinha para o Anjinho Virgílio. Hoje a capelinha foi demolida e a imagem do anjinho transladada para a residência de Jeremias Mendes, o qual mandou reformar e pintar a imagem, juntamente com a coroa de espinhos.

Fonte> Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Recordando Velhas Canções (Último Desejo)


Noel Rosa e Vadico

Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
Numa festa de São João

Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete
Sem luar, sem violão

Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar

Nunca mais quero o seu beijo
Mas meu último desejo
Você não pode negar

Se alguma pessoa amiga
Pedir que você lhe diga
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora
A nossa separação

Às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que meu lar é o botequim
Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida
Que você pagou pra mim
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A Melancolia do Amor em 'Último Desejo'
A música 'Último Desejo', composta pelo icônico sambista Noel Rosa, é uma expressão melancólica do fim de um amor. A letra descreve a dor e a resignação sentidas pelo eu lírico diante da separação, contrastando o início da relação, marcado pela alegria de uma festa junina, com o seu término, desprovido de qualquer celebração ou romantismo. A ausência de elementos como foguetes, retratos, bilhetes, lua e violão simboliza um adeus sem alarde, sem as tradicionais demonstrações de afeto que costumam acompanhar os romances.

O silêncio do eu lírico diante da pessoa amada revela a profundidade de seus sentimentos e o medo de que a emoção transborde em lágrimas. A recusa de um novo beijo, apesar da dor evidente, é acompanhada de um pedido, um 'último desejo', que se revela ser uma preocupação com a memória e a reputação do eu lírico após a separação. Ele pede que, aos amigos, seja dito que ainda é adorado e lamentado, enquanto aos inimigos, que seja pintado como alguém indigno e de vida desregrada. Essa dualidade reflete a complexidade das relações humanas e a preocupação com o julgamento social.

A canção de Noel Rosa, portanto, não apenas narra o término de um relacionamento, mas também explora as facetas da dignidade pessoal e da imagem perante a sociedade. A música se torna um retrato da época em que foi escrita, onde a honra e a opinião pública tinham grande peso, ao mesmo tempo em que toca em sentimentos atemporais de perda e desejo de ser bem lembrado, mesmo quando o amor não sobrevive.

Vasco de Castro Lima (Como fazer um soneto) = parte 2

PARA ESCREVER UM SONETO

1 - Escrever com naturalidade, evitando palavras rebuscadas ou de difícil pronunciação. Compor os versos com palavras justas, apropriadas, que proporcionem um efeito agradável na armação das estrofes. Os versos têm de ser ou parecer fluentes, nunca deixando revelar as dificuldades de sua construção.

2 - Pureza de ritmo, ou seja, sonoridade e cadência. O ritmo é o talismã da poesia.

3 - Servindo-se de palavras comuns, arquitetar arranjos artísticos, fugindo às figuras e símbolos repisados e enfadonhos.

4 - As boas imagens podem ser antigas, mas os versos devem ser modernos, embora com a forma clássica, no caso do soneto. Imagens singelas, vitais, incisivas, harmoniosas, expressivas e, tanto quanto possível, inéditas.

5 – Os versos devem conter: criação, dinamismo, engenho artístico, ideias e expressões – dignos da poesia pura. A linguagem pode vestir a poesia de riquezas maravilhosas.

6 - É importante a disposição das palavras nos versos. Deve ser preferida, sempre, a ordem direta. Com as palavras em ordem inversa, fica prejudicado o efeito estético do verso. Além disso, pode, esse método, dar a impressão de falta de recursos do poeta – em que pese tratar-se de um uso bastante empregado pelos parnasianos.

7 - Esquivar-se da adjetivação excessiva. É preciso adjetivar com toda a propriedade e moderação.

8 – Usar, inteligentemente, os verbos, com os quais pode-se dar imprevisto e esplêndido meneio às imagens, tornando-as inesquecíveis.

9 - Afastar as dissonâncias ou quaisquer tipos de sons menos agradáveis: versos duros, versos sibilantes, cacofonia, monofonia; enfim, quaisquer vícios contra a pureza musical do verso.

10 – Livrar-se dos versos frouxos, que se arrastam sem energia: hiato; acentos rítmicos fracos; falta de acentos rítmicos secundários; acento forte antes ou depois de acento rítmico.

11 - Arredar as licenças poéticas. Não precisamos entrar em detalhes a respeito desses defeitos, que o próprio uso diário da língua ensina a evitar ou, pelo menos, contornar.

12 - O poeta tem, necessariamente, de conhecer a própria língua, para se poupar, inclusive do emprego de expressões forçadas que enfeiem seus poemas. Não só conhecê-la teoricamente, mas ler os clássicos, adquirir um bom vocabulário.

13 – As sílabas métricas, ou seja, os elementos sonoros do verso, não coincidem , muitas vezes, com as sílabas gramaticais. Por isso, é importante ter o maior cuidado ao fazer a elisão de dois vocábulos, bem como a fusão de vogais dentro da mesma palavra.

14 - Abandonar as rimas de sons muito comuns. Também as rimas extravagantes, o oposto das triviais. Não se deve esquecer que as rimas difíceis sacrificam a emoção e, por isso, devem ser usadas com parcimônia.

15 - Evitar, ao máximo, as rimas que, tradicionalmente acasaladas, “se oferecem” , de maneira quase fatal, privando o leitor ou o ouvinte daquela surpresa que tanto agrada na poesia. Evitar, por exemplo: olhos/abrolhos/escolhos; noivo/goivo; noite/açoite ; tédio/remédio; etc.

16 – Utilizar o “enjambement”* com sobriedade, atenção e habilidade, pois a falta de talento na aplicação desse recurso pode redundar em fracasso.

* Enjambement =Passagem, para o verso seguinte, de uma ou de várias palavras que completam o sentido do precedente.

17 - A insistência da mesma vogal (homofonia) é desagradável num verso, excetuando-se os casos em que a empregamos para certos efeitos procurados, principalmente para o de harmonia imitativa (sugestão musical àquilo que o verso exprime);

“Tíbios flautins finíssimos gritavam:
e, as curvas harpas de ouro acompanhando,
crótalos* claros de metal cantavam”. (Olavo Bilac)

* Crótalos =Antigo instrumento musical dos gregos e romanos, semelhante às castanholas.

18 - As consoantes insistentes também podem traduzir efeitos necessários e até apreciáveis:

“ Rápido o raio rútilo retalha” . (Raimundo Correia)
“ Basta a brava e brutal e bárbara beleza” . (Martins Fontes)

“ Vozes veladas, veludosas vozes,
volúpias dos violões, vozes veladas
vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas...” ( Cruz e Sousa)

19 - Se os versos devem ser eufônicos, o mesmo se deve exigir das rimas. As rimas próximas, que se alternam, que se entrelaçam, têm de oferecer contraste ou oposição de som. Do contrário, acarretam monotonia. Exemplo de rimas de sons parecidos (homofonia)

“ Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? que sentido
têm o que dizem quando estão contigo?” (Olavo Bilac)

“Ao crebro* som do lúgubre instrumento
com tardo pé caminha o delinquente;
um Deus consolador, um Deus clemente
lhe inspira, lhe vigora o sofrimento”. (Bocage)

* Crebro = (Poética) Repetido, frequente.
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continua…

Fonte> Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Daniel Maurício (Poética) 66


 

Hans Christian Andersen (A Campânula Branca)

Era inverno; o ar estava frio, o vento era cortante, mas dentro das portas fechadas estava quente e confortável, e dentro da porta fechada jazia a flor. Estava no bulbo sob a terra coberta de neve. Um dia a chuva caiu. As gotas penetraram na cobertura de neve até a terra, tocaram o bulbo da flor e falaram do mundo brilhante acima. Logo o raio de sol perfurou a neve até a raiz, e dentro da raiz houve uma agitação.

– “Entre”, disse a flor.

– “Não posso”, disse o Raio de Sol. “Não sou forte o suficiente para destrancar a porta! Quando chegar o verão, serei forte!”

– “Quando será o verão?” perguntou a flor, e ela repetia essa pergunta cada vez que um novo raio de sol descia até ela. Mas o verão ainda estava muito distante. A neve ainda estava no chão e havia uma camada de gelo na água todas as noites.

– “Quanto tempo leva? Quanto tempo leva?” perguntou a flor. “Sinto uma agitação e um esforço dentro de mim; devo me alongar, devo destrancar a porta, devo sair e devo desejar um bom dia ao verão, e que época feliz será!”

E a flor se mexeu e se esticou, e brotou sob a neve uma flor branco-esverdeada em um caule verde, com folhas estreitas e grossas, que pareciam querer protegê-la. A neve estava fria, mas foi perfurada pelo raio de sol, portanto foi fácil passar por ela, e agora o raio de sol veio com mais força do que antes.

– “Bem-vinda, bem vinda!” cantou e soou cada raio, e a flor ergueu-se sobre a neve para o mundo mais brilhante. Os raios de sol a acariciaram, de modo que se abriu completamente, branca como a neve e ornamentada com listras verdes. Ela abaixou a cabeça com alegria.

– “Flor bonita!” disseram os raios de sol, “como você é graciosa e delicada! Você é a primeira, você é a única! Você é o nosso amor! Você é o sino que toca para o verão, lindo verão, sobre o campo e a cidade. Toda a neve vai derreter, os ventos frios serão afastados, nós governaremos, tudo ficará verde, e então você terá companheiros, mas você é a primeira, tão graciosa, tão delicada!”

Isso foi um grande prazer. Parecia que o ar cantava e soava, como se raios de luz atravessassem as folhas e os talos da Flor. Lá estava ela, tão delicada e tão facilmente quebrada, mas tão forte em sua jovem beleza; ficou lá em seu vestido branco com listras verdes e fez verão. Mas ainda faltava muito para o verão. Nuvens escondiam o sol e ventos sombrios sopravam.

– “Você veio muito cedo”, disse o Vento Gelado. “Ainda temos o poder, e você deve senti-lo e entregar-se a nós. Você deveria ter ficado quieta em casa e não ter saído para se exibir. Sua hora ainda não chegou!”

Foi um frio cortante! Os dias que agora chegaram não trouxeram um único raio de sol. Era um clima que poderia quebrar uma flor tão pequena em duas com o frio. Mas a flor tinha mais força do que ela mesma sabia. Ela era forte na alegria e na fé pelo verão, que certamente chegaria, anunciado por sua profunda saudade e confirmado pelo calor do sol; e assim ela permaneceu confiante na neve em sua roupa branca, inclinando a cabeça mesmo enquanto os flocos de neve caíam grossos e pesados, e os ventos gelados sopravam sobre ela.

– “Você vai quebrar!” eles disseram, “Desapareça, desapareça! O que você queria aqui? Por que você se deixou tentar? O raio de sol só brincou com você. Agora você tem o que merece.”

Então algumas crianças se chocaram: – “Uma flor! — Que linda, que linda! A primeira, a única!”

Essas palavras fizeram tanto bem à flor que lhe pareceram como raios quentes de sol. Em sua alegria, a flor nem sentiu quando foi quebrada. Ela estava na mão de uma criança e foi beijada por outra, carregada para um quarto quente, observada por olhos gentis e colocada na água. Que fortalecimento, que revigorante! A flor pensou que de repente chegara o verão.

A filha da casa, uma linda menininha, pegou a delicada flor e a colocou em um pedaço de papel perfumado, no qual foram escritos versos. O papel estava dobrado como uma carta, e a flor também estava dobrada na carta. Estava escuro ao seu redor, escuro como naqueles dias em que ela se escondia na lâmpada. A flor partiu em viagem, e foi deitada no saco do correio, e foi pressionada e esmagada, o que não foi agradável; mas isso logo acabou.

A viagem acabou; a carta foi aberta e lida por um amigo querido. Ele amou! Ele beijou a carta, e ela foi colocada, em uma caixa, na qual haviam muitos versos bonitos, mas todos sem flores; ela era a primeira, a única, como os raios de sol a chamavam; e era uma coisa agradável pensar nisso.

Ela teve tempo suficiente para pensar sobre isso; ela pensou nisso enquanto o verão passava, e o longo inverno passava, e o verão voltava, antes que ela aparecesse mais uma vez. Mas agora o jovem não estava nem um pouco satisfeito. Ele pegou a carta com muita força e jogou os versos fora, de modo que a flor caiu no chão. Plana e desbotada ela certamente era, mas por que ela deveria ser jogada no chão? Ainda assim, era melhor estar aqui do que no fogo, onde os versos e o papel eram reduzidos a cinzas. O que tinha acontecido? O que acontece com tanta frequência: a moça o havia feito de bobo, havia, durante o verão, escolhido outro amigo.

Na manhã seguinte, o sol brilhou na pequena flor achatada, que parecia ter sido pintada no chão. A criada, que estava varrendo a sala, pegou-a e colocou-a em um dos livros que estavam sobre a mesa, acreditando que deveria ter caído. Novamente a flor jaz entre versos. E depois disso os anos se passaram. O livro estava na estante, e então foi retirado e alguém o leu. Foi um bom livro. O homem que agora estava lendo o livro virou uma página.

“Há uma flor!” ele disse; “Uma campânula-branca! Tão bonita, tão delicada. Tão adequada para este livro. Vou colocá-la de volta, para que seja apreciada para sempre.”

A Flor foi colocada de volta no livro. 

Essa é a história da campânula-branca.

Fonte> Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público

Aníbal Beça (Poemas Escolhidos) = 2 =


DIALÉTICA

Quando não se queima lenha
na casa de palha e taipa,
sinal de fome que escapa
à saga que se faz senha.

Rio, termômetro da várzea,
geografia de sol e chuva;
linha d’água, arco em curva,
elementos dessa faina.

Um pássaro risca na tarde
a cambraia do seu canto;
o fado da sarça, que arde,

queimando encardidos lírios
e a tua palidez palustre
em febre acendendo círios.
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MÚSICA DA HORA

Habito a pausa no hábito da pauta
música de silêncios e soluços
a refrear desmandos dos impulsos
que se querem agudos sons de flauta.

A vida é toda música em seu curso
do grito original em rima incauta
ao sussurro que se ouve em cama infausta
nesse fim dissonante do percurso.

O tempo se encarrega do metrônomo
unido a dois ponteiros de um cronômetro
em que o delgado veste-se de momo

para alegrar as horas do pequeno
que dança a marcha gris em chão sereno
fugindo ao dois por quatro do abandono.
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O COMEÇO ANTES DO COMEÇO

A chuva cheia chama por um nome
nesse som abafado em água funda.
No líquido chamado há um rio que some
afogando a palavra, flor fecunda,

já morta no som cavo que consome
o provável vestígio que se afunda.
Na sanha esse fastio enfeixa a fome
um som de ossos de vértebras rotundas,

harpa transida em tons e semitons:
Uma dodecafônica cantata
de assomada assonância se compõe

no dissonante sonho em catarata.
Chuva de vozes, chuva de Breton:
Nasce o cão andaluz e um sol desata-se.
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PASSAGEM

Não quero amor demais na minha hora
nem o sinistro choro carpideiro.
Só quero esse sorriso que me escora
como lembrança leve em meu canteiro.

Se bem plantado, o mórbido estertora-se
evanescentemente, no roteiro
do poema em teu louvor, grave, Senhora,
meus traços mais rebeldes, companheiros.

Teus olhos já cantei as suas grades
que não me prendem só por essa calma
senão o que apascentam sem alarde.

E na minha hora quero ter-te em palma,
apenas na passagem dessa margem,
palmeira verde que te quero na alma.
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TODA PALAVRA

Toda palavra voa nebulosa
até chegar latente ao nosso chão.
Pousa sem pressa ou prece em mansa prosa
caída chuva breve de verão.

Toda palavra se abre generosa
para abrigar segredos num porão
lá onde sobram sombras sinuosas
levantando a poeira no perdão.

Toda palavra veste-se vistosa
para fazer afagos na paixão
uma pantera em paz, porém tinhosa.

Toda palavra enfim é explosão
que o mundo só é mundo por osmose
pois há um outro ser no coração
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Fonte> https://www.sonetos.com.br. Acesso em 15.01.2016. (site desativado)

Arthur Thomaz (Inquieto fantasma)

Jocelene era uma jovem que cursava artes cênicas, esperançosa e apaixonada pela profissão. 

Inocentemente, foi até um set de filmagem e declarou-se interessada em fazer parte do projeto.

Levada até os fundos do local, pelo velho diretor, viu-se em um recinto em que havia apenas um sofá.

Imediatamente, compreendeu o que significava o famoso e execrável “teste do sofá”. Retirou-se aos prantos, ainda sentindo o hálito de bebida e o repugnante toque das mãos úmidas e enrugadas do velho tentando apalpá-la, horrorizada com o contraste da fria realidade com o que imaginava de sua tão sonhada carreira

Desiludida, optou por outra profissão, nunca mais pensando naquele nefasto acontecimento.

Durante toda a vida, apaixonada pelas artes cênicas, frequentou e assistiu a todas as encenações teatrais e congêneres.

Amealhou algum dinheiro e tempos depois comprou um velho e decadente teatro, já sem o glamour de outrora, mais ainda lindo aos seus olhos. Reformou-o com desvelo e quando estava prestes a reabri-lo, foi acometida de uma doença rara e fatal.

Mas seu espírito, inconformado com esse desfecho, recusou-se a seguir o natural caminho, decidindo-se a vagar inquieto até encontrar uma cena final que o satisfizesse. 

O secretário de Cultura do município, ao saber dessa situação, notando aí uma chance de ganhar dinheiro fácil, desapropriou o local e passou a um irmão a exploração do teatro. Sempre afirmando ser para fomentar a arte no município, alugou o espaço para todos os tipos de espetáculos, desde apresentações de gogoboys em despedidas de solteiras, até para exibições de sexo explícito.

O espírito de Jocelene não titubeou ao ver o início da degradação de seu sonho e começou a assustar os que se atreviam a subir ao palco.

Cobriu-se com um lençol branco com enormes manchas vermelhas, e aos gritos, invadiu o camarim das atrizes do primeiro espetáculo a ser protagonizado.

Histeria, correria e abandono da encenação. 

A terceira trupe era daquele diretor canalha, que agora em total decadência, encenava peças de última categoria.

Metamorfoseou-se em bela jovem e foi solicitar uma vaga no elenco. O velho fauno assanhou-se é a levou aos fundos do teatro. Ao ser tocada, transformou-se na figura de um demônio que causou um fulminante infarto no asqueroso ser.

Parcialmente satisfeito com a vingança, ainda havia algo mais a realizar para enfim descansar. Devido ao prejuízo causado e a perspectiva de não auferir lucro, o irmão do secretário abandonou o escuso projeto.

O espírito foi ao local de seu antigo curso de artes cênicas e depois de observar várias alunas, encontrou uma jovem que pareceu preencher os requisitos necessários para concluir seu antigo projeto.

Subliminarmente, infiltrou pacientemente ideias no pensamento da aluna. Chegando a induzir uma ida até o velho teatro. Até que ela, por conta própria, tomou a iniciativa de descobrir uma maneira de explora-lo.

O corrupto secretário ficou aliviado em livrar-se do traste que nada lhe rendeu e repassou por uma módica quantia a posse do imóvel, sempre invocando a intenção de fomentar a cultura no município.

Com o teatro na posse da jovem, o espírito de Jocelene conseguiu, enfim, retomar seu caminho natural.

Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 

Recordando Velhas Canções (Naquela Mesa)


Composição: Sérgio Bittencourt
Voz: Nelson Gonçalves

Naquela mesa, ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa, ele contava histórias
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor

Naquela mesa, ele juntava a gente
E contava contente o que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho, eu fiquei seu fã

Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse quanto dói a vida
Essa dor tão doída não doía assim

Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala no seu bandolim
Naquela mesa, tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim
Naquela mesa, tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim

Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala no seu bandolim
Naquela mesa, tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim
Naquela mesa, tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim

Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse quanto dói a vida
Essa dor tão doída não doía assim

Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala no seu bandolim
Naquela mesa, tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim
Naquela mesa, tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim
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Saudade e Memória: A Emoção de 'Naquela Mesa' de Nelson Gonçalves
A canção 'Naquela Mesa', interpretada pelo icônico Nelson Gonçalves, é uma obra que transborda emoção e saudade. A letra da música, repleta de sentimentos e memórias, fala sobre a falta que uma pessoa amada faz após sua partida. A mesa, que antes era um ponto de encontro, de histórias e de alegria, agora é um símbolo da ausência e da dor que a saudade traz.

A música evoca a imagem de um ente querido que era o centro das atenções, alguém que reunia a família e os amigos e compartilhava experiências e ensinamentos. A referência ao 'bandolim' sugere que essa pessoa também era um amante da música, talvez um músico, cuja presença era sinônimo de festa e felicidade. Com sua partida, a música em casa se calou, e o que resta é o silêncio e a falta que essa pessoa faz.

'Naquela Mesa' é uma canção que toca profundamente quem já perdeu alguém especial. Nelson Gonçalves, com sua voz marcante e interpretação cheia de sentimento, consegue transmitir a dor da perda de forma universal. A música se torna um hino para todos que sentem a ausência de alguém e encontram na melodia e na letra um consolo para a saudade que parece não ter fim. A canção é um lembrete de que, embora a vida continue, certas ausências são profundamente sentidas e deixam marcas indeléveis em nossos corações e em nossos lares.

Vasco de Castro Lima (Como fazer um soneto) = parte 1


1 – Fixação da forma do soneto : ABBA ABBA CDC DCD

Os quartetos, normalmente, podem ser armados com: 
ABBA  ABBA 
ABAB – ABAB 
ABBA – BAAB 
ABAB – BABA

Quanto aos tercetos, que se movimentam com relativa liberdade, comportam muitas variações, como : 
CDC – DCD 
CCD – EED 
CDE – CDE 
CCD – EDE 
CDE – DCE 
CCD – DEE 
CDD – DCC 
CDE – EDC 
CDE – DEC 
CDD – CEE 
CDC – EDE

“ E passarão os anos e os anos; irão modas, virão modas; e esse ser criado, tão simples e tão complexo, tão sábio e tão pueril ( nada mais, em suma, que dois quartetos e dois tercetos ), seguirá tendo uma eterna voz para o homem, sempre igual, mas sempre nova, mais sempre distinta” . (Dámaso Alonso)

“ Para muitos, o soneto é inibidor, mas eu acho que é a prova de fogo do poeta. Para mim, ele é um momento de amor, com seus dois quartetos, dois tercetos e a chave de ouro, que é o grande êxtase” . (Massaud Moisés)

“ Não considero o soneto o espartilho da poesia. Fernando Pessoa, um dos maiores poetas modernos, usa o soneto”. (Otto Lara Resende).

“ Apolo inventou o soneto para tormento dos poetas “ . (Boileau)

“ Pela concisão impressiva, entrecho conceituoso, narração dramática em poucas linhas e facilidade de incrustação mnemônica, é o soneto que decreta e sanciona a celebridade de um artista”. (Agripino Grieco )

" O soneto está em todas as literaturas e, desde o século XIII, resiste a todas as revoluções. Não há, a rigor, grande poeta que não tenha sonetado – Dante, Petrarca, Shakespeare. Nas letras portuguesas, as duas mais altas vozes são de exímios sonetistas – Camões e Fernando Pessoa. O soneto é, a bem dizer, a carta de identidade de um poeta” . (Otto Lara Rezende)

Menotti del Picchia

SONETO AO SONETO

Soneto, mal de ti falem perversos,
que eu te amo e te ergo no ar como uma taça.
Canta, dentro de ti, a ave da graça
na gaiola dos teus quatorze versos.

Quantos sonhos de amor jazem imersos
em ti, que és dor, temor, gloria e desgraça?
Foste a expressão sentimental da raça,
de um povo que viveu fazendo versos.

Teu lirismo é a nostálgica tristeza
dessa saudade atávica e fagueira
que no fundo da raça nos verteu

a primeira guitarra portuguesa
gemendo numa praia brasileira
naquela noite em que o Brasil nasceu...
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Júlio Dantas

SONETO

Amo o soneto porque é molde antigo
para dizer as coisas sempre novas;
porque depois de não sei quantas provas
um pudor virginal guarda consigo.

O soneto é mais puro do que as trovas.
Sim, Bem-Amada, eu nele apenas digo
tudo o que é nobre em mim, tudo o que aprovas
e é meu prêmio na vida, e meu castigo.

É fino e breve, e tem segredos de arte;
uma pureza, enfim, tão cintilante
que, quando um dia desejei cantar-te,

Os teus encantos rútilos, diversos,
pus em soneto; e desde aquele instante
só sei rimar-te com quatorze versos.

2 - Fazem-se sonetos com qualquer número de sílabas, até mesmo, por extravagância, de uma sílaba apenas (monossílabo). Entretanto, o decassílabo, na poesia clássica portuguesa, é o verso mais apropriado para o soneto. Em geral, os autores dessa composição preferem o decassílabo ou o alexandrino. São os versos que mais se prestam para esse tipo de poesia. Entre os demais, os mais comuns são os de sete sílabas (heptassílabos).

3 – O soneto deve manter fiel e severa obediência à sua disciplina estrutural: duas rimas nos quartetos; a pausa, logo após; duas ou três rimas nos tercetos; o ritmo perfeito; música, beleza e harmonia nos versos, sem qualquer laivo de insipidez; e a chamada chave de ouro (décimo-quarto verso) que não seja um exagero, a ponto de parecer antecipadamente arquitetado.

“Nos dois quartetos, trata-se de fazer nascer e crescer a expectativa; no primeiro terceto, de ligar a expectativa à marcha para a solução, que se sente aproximar; no último terceto, de dar à expectativa desfecho que, ao mesmo tempo, dê prazer ao espírito e lhe proporcione satisfação pela lógica e surpresa pelo imprevisto”. (Augusto Dorchain)

“...a cada uma das quatro estâncias do soneto deve corresponder uma divisão sensível, do pensamento, e tanto melhor se ela se manifestar igualmente de dois em dois versos do quarteto”. (Francisco Freire)

“Como toda arte, assim também é a arte do Soneto. As regras são para o verdadeiro artista pontos de partida. O ponto de chegada chama-se obra-prima”. (Agostinho de Campos)

4 – A chave de ouro encerra a essência do pensamento geral da composição. “O soneto deve abrir-se com chave de prata e fechar-se com chave de ouro”. A chave de ouro deve ser um toque sutil no acabamento do soneto. Faz parte de sua unidade, de seu conjunto, e destina-se a impressionar pela beleza da imagem.

Quem lê um soneto que o satisfaça plenamente, está apreciando, como um todo, a sua parte técnica e, ao mesmo tempo, a sua grande porção de beleza espiritual. Está recebendo uma mensagem completa, onde a forma e a imaginação se juntam como um coro de hinos celestiais transpondo-lhe os ouvidos e dirigindo-se diretamente ao coração.
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continua…

Fonte> Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Varal de Trovas n. 597

 

Antonio Brás Constante (OPS! Acho que apertei a tecla DEL...)

Diz a lenda que há algum tempo, dentro do passado que já se foi, um menino queria ser escritor, mas ele não queria simplesmente escrever, queria tocar profundamente as pessoas com suas palavras, mexendo com seus sentimentos de ódio, tristeza, alegria, raiva e felicidade entre outros tantos. Mas o que isto tem a ver com informática? Bem, dizem que hoje em dia este mesmo menino já crescido, trabalha na Microsoft, sendo ele quem escreve as mensagens de erro que aparecem no sistema operacional Windows, para total e completo desespero de seus usuários. Recebi está piadinha e resolvi utiliza-la na abertura deste texto para mostrar como em muitos casos a informática consegue realizar os sonhos de alguém, simplesmente transformando-os nos pesadelos de outros.

Ainda falando sobre as tais mensagens de sistema, podemos notar que algumas delas conseguem até mesmo causar certos constrangimentos ao homem. Por exemplo: dependendo do sistema, o indivíduo poderá vir a receber mensagens perguntando se gostaria de dar o BOOT. Como assim dar o BOOT? E, principalmente, o que raios é esse tal de “BOOT”?

Passamos o tempo todo tentando suprir os desmandos do equipamento que vive (artificialmente) enviando mensagens sobre como devemos proceder, ou seja, ao invés dele fazer o que queremos, somos nós que acabamos seguindo as ordens do computador. Ainda outro dia o sistema me pediu para impostar uma senha que não fosse de fácil dedução, e eu escrevi: “IMPOSTO DE RENDA”, cuja dedução é sempre dificílima. A propósito, se aparecer uma mensagem no seu sistema dizendo: “SUA SENHA VENCERÁ EM TRES DIAS", não se anime muito, pois isto definitivamente não quer dizer que sua senha se tornará uma vencedora.

O tempo é algo relativo em informática (principalmente por se tratar de um mundo meio real, meio virtual e meio mágico, regido por elfos, fadas e hackers de um lado e Trolls, bruxas e crackers do outro). Para exemplificar, vale lembrar que um mesmo sistema que parece demorar horas para processar alguma coisa, leva décimos de segundos para deletar algo que não queríamos que fosse deletado.

Apesar dos milhares de recursos e ferramentas apresentadas como verdadeiros milagres da tecnologia, as tarefas sempre são difíceis de se executar, justamente porque em muitos casos os tais facilitadores incorporados ao sistema são extremamente complexos de se operar ou mesmo entender, por outro lado tudo é muito simples de se perder, apagar, errar. E o que é pior, esses erros tão fáceis de se cometer tornam-se, na grande maioria das vezes, dificílimos de se consertar, onde a única certeza é de que em algum lugar existirá um log com o registro de que foi você o responsável pelo erro.

Geralmente quando lemos nos menus dos aplicativos as opções: SALVAR, ABRIR e IMPRIMIR, nós podemos imaginar que existem outros tópicos que apesar de não estarem visíveis ficam subentendidos tais como: REPRIMIR, HUMILHAR e TORTURAR O USUÁRIO.

Enfim, o computador se tornou vital para as necessidades do homem, porém, é bem provável que no futuro o homem não seja mais necessário ao computador, e com isso a soberba de nos acharmos criaturas absolutas torne-se obsoleta.

Fonte> Recanto das Letras. 08 junho 2009.