domingo, 18 de agosto de 2024

O. Henry (Dois Cavalheiros no Dia de Ação de Graças)

Há um dia que é nosso. Há um dia em que todos nós, americanos que não nos fizemos por conta própria, voltamos ao antigo lar para comer biscoitos caseiros e nos admirar de que a velha bomba pareça estar muito mais perto do alpendre do que outrora. Bendito seja esse dia. O Presidente Roosevelt no-lo deu. Já ouvimos falar nos puritanos, mas não lembramos exatamente quem fossem. De qualquer modo, aposto que poderemos vencê-los se tentarem desembarcar de novo. Plymouth Rocks? Bem, isso soa mais familiar. Muitos de nós tivemos de voltar aos frangos depois que o Truste do Peru entrou em campo. Mas alguém em Washington está-lhe passando informações adiantadas acerca desses decretos do Dia de Ação de Graças.

A grande cidade a leste dos pauis de uvas silvestres fez do Dia de Ação de Graças uma instituição. A última quinta-feira de novembro é o único dia do ano em que ela reconhece a parte da América situada para além da estação de barcos. Sim, é um dia de celebração exclusivamente americano.

Vamos agora à história que irá provar-vos que temos, neste lado de oceano, tradições que estão envelhecendo muito mais rapidamente do que as da Inglaterra — graças à nossa diligência e iniciativa.

Stuffy Peter tomou o seu lugar no terceiro banco à direita de quem entre na Union Square pelo lado leste, no passeio oposto à fonte. Todo Dia de Ação de Graças, havia já nove anos, sentava-se ele nesse banco, pontualmente, à 1 hora. Pois todas as vezes em que o fizera haviam-lhe acontecido coisas — coisas à maneira de Charles Dickens, que lhe enfunavam o colete à altura do coração, e do lado oposto também.

Mas a última aparição de Stuffy Peter no local anual de encontro parecia ter sido mais resultado de um hábito do que de uma fome anual que, conforme o pensamento aparente dos filantropos, aflige os pobres a tão dilatados intervalos.

É certo que Peter não estava faminto. Vinha de uma festa que, de suas faculdades corporais, deixara-lhe apenas as de respiração e locomoção. Seus filhos semelhavam duas pálidas groselhas firmemente embutidas numa máscara de poteia inchada e suja de molho. A respiração saía-lhe em curtos ofegos; uma senatorial papada de tecido adiposo negava-lhe base apropriada para a gola erguida do casaco. Botões que lhe tinham sido costurados à roupa por piedosos dedos do Exército da Salvação, havia uma semana, saltavam como pipocas, juncando a terra em derredor. Estava maltrapilho, com o peitilho da camisa rasgado de alto a baixo. Entretanto, a brisa de novembro, saturada de minúsculos flocos de neve, só lhe trazia uma grata frescura. Pois Stuffy Peter estava abarrotado de calorias produzidas por um jantar ultracopioso, iniciado com ostras e terminado por pudim de passas, incluindo (segundo lhe parecia) todos os perus assados, e batatas cozidas, e saladas de frango, e bolos de abóbora, e sorvetes do mundo. Dado o que, ele sentou-se repleto e contemplou o mundo com o olhar de desprezo de quem acaba de jantar regiamente.

A refeição fora inesperada. Passara diante de uma mansão de tijolos vermelhos, perto do início da Quinta Avenida, na qual viviam duas velhas senhoras, de famílía antiga e cultuadoras da tradição. Elas negavam mesmo a existência de Nova Iorque e acreditavam que o Dia de Ação de Graças fora promulgado apenas para a Washington Square, Um de seus hábitos tradicionais era o de postar um criado no portão dos fundos, com ordem de admitir o primeiro transeunte faminto que por ali passasse depois de soar meio-dia, e banqueteá-lo à farta. Acontecera isso a Stuffy Peter, no seu trajeto para o parque, e os senescais o agarraram para cumprir com o costume do castelo.

Depois de ter contemplado o panorama à sua frente durante dez minutos, Stuffy Peter tornou-se cônscio de um desejo de campo de visão mais variado. Com um esforço tremendo, moveu a cabeça lentamente para a esquerda. E então seus olhos se esbugalharam apavorados; parou de respirar, e as cambaias extremidades de suas pernas curtas mexeram-se, raspando o cascalho.

Porque o Velho Cavalheiro atravessava a Quarta Avenida em demanda do seu banco.

Todos os Dias de Ação de Graças, nos últimos nove anos, o Velho Cavalheiro aparecera e encontrara Stuffy Peter no seu banco. Era um encontro que o Velho Cavalheiro estava tentando converter em tradição. Todos os Dias de Ação de Graças, havia nove anos, ele encontrara Stuffy Peter ali, levara-o a um restaurante, e ficara a vê-lo comer um lauto jantar. Faziam tais coisas na Inglaterra inconscientemente. Mas este é um país jovem, e nove anos não são tão pouco. O velho Cavalheiro era um fervoroso patriota americano, e considerava-se pioneiro no tocante às tradições americanas. Para nos tornarmos pitorescos, cumpre-nos dizer a mesma coisa durante longo tempo, sem desfalecimentos. Coisas assim como colecionar folhetos semanais sobre segurança industrial. Ou limpar as ruas.

O Velho Cavalheiro encaminhou-se, teso e solene, para a Instituição que estava apadrinhando. É bem verdade que o sentimento anual de Stuffy Peter não tinha nenhum caráter nacional, como o têm, na Inglaterra, a Magna Carta ou o presunto do desjejum. Mas era um passo. Era quase feudal. Mostrava, pelo menos, que um Costume não era impossível em Nova lor...hm, quero dizer... na América.

O Velho Cavalheiro era magro, alto e sexagenário. Estava todo vestido de preto, e usava óculos de modelo antiquado, daqueles que vivem a escorregar do nariz. Seu cabelo mostrava-se mais alvo e mais ralo do que no ano anterior, e ele parecia apoiar-se mais na sua longa bengala retorcida, de grande castão nodoso.

À medida que seu benfeitor oficial avançava, Stuffy arquejava e tremia como o obeso cãozinho fraldeiro de uma senhora quando um vira-lata rosna para ele. Teria voado dali, mas nem toda a habilidade de Santos Dumont o conseguiria arrancar do banco. Os fâmulos das duas velhas damas haviam feito um bom trabalho.

— Bom dia — disse o Velho Cavalheiro. — Estou contente de ver que as vicissitudes de outro ano o pouparam, permitindo-lhe que se movimentasse, em perfeita saúde, por este belo mundo. Por tal bênção o Dia de Ação de Graças se faz bem anunciar a nós ambos. Se vier comigo, meu bom homem, eu lhe propiciarei um jantar que fará com que o seu ser físico se harmonize com o mental.

Todas as vezes o Velho Cavalheiro dizia as mesmas palavras. Todos os Dias de Ação de Graças, durante nove anos. As próprias palavras quase se constituíam numa instituição. Nada se lhes podia comparar, salvo a Declaração da Independência. Nas ocasiões anteriores, tinham sido música para os ouvidos de Stuffy. Mas agora ele olhava para o rosto do velho Cavalheiro com expressão de lancinante agonia. A neve fina quase chiava quando lhe tocava a fronte suada. Mas o Velho Cavalheiro teve um ligeiro tremor e voltou as costas ao vento.

Stuffy sempre conjecturara por que razão o Velho Cavalheiro recitava a sua fala em tom tristonho. Não sabia que era porque desejava, todas as vezes, que um filho o sucedesse. Um filho que ali viesse depois que ele se fosse; um filho que se postasse, orgulhoso e forte, diante de algum futuro Stuffy e lhe dissesse: "Em memória do meu pai". Então sim, a coisa seria uma Instituição.

Mas o Velho Cavalheiro não tinha parentes. Vivia em quartos alugados, numa velha e decadente mansão familiar de grés pardo, situada numa das ruas tranquilas a leste do parque. No inverno, plantava fucsias numa pequena estufa do tamanho de uma claraboia de navio. Na primavera, desfilava na parada de Páscoa. No verão, vivia numa casa de fazenda, nas colinas de New Jersey, e, sentado numa poltrona de vime, falava de uma borboleta, a ornithoptera amphrisíus, que esperava encontrar algum dia. No outono, patrocinava um jantar para Stuffy. Essas eram as ocupações do Velho Cavalheiro.

Stuffy Peter contemplou-o durante meio minuto, apoquentado e inerme na sua comiseração por si mesmo. Os olhos do Velho Cavalheiro reluziam do prazer de dar. Sua face se ia tornando mais enrugada a cada ano,  mas o laço de sua gravatinha negra continuava elegante como sempre, sua camisa era alva e bonita, e seu bigode encanecido tinha as pontas airosamente reviradas. Stuffy produziu um ruído semelhante ao de ervilhas borborejando numa panela. Estava tentando falar. Como o Velho Cavalheiro ouvira os sons nove vezes antes, imediatamente interpretou-os como a velha fórmula de aceitação de Stuffy:

— Muito obrigado, patrão, Vou sim, e muito obrigado. Estou com muita fome, patrão.

O coma da repleção (saturação) não impedira que penetrasse a mente de Stuffy a convicção de que era a base de uma instituição. Seu apetite do Dia de Ação de Graças não lhe pertencia; pertencia, por todos os sagrados direitos do costume estabelecido, se não pelo atual Estado de Prescrições, àquele bondoso ancião, que o obtivera por direito de precedência. Na verdade, a América é livre, mas para findar a tradição alguém tem de ser estribilho — uma decimal periódica. Os heróis não são todos de aço e ouro. Eis aqui um que empunha apenas armas de ferro, tenuemente niqueladas, e de latão. 

O Velho Cavalheiro levou o seu protegido anual ao restaurante, até a mesa onde o festim sempre ocorrera. Foram reconhecidos.

— Aí vem o velhote — disse um garçom — que paga um almoço para o mesmo vagabundo, todo Dia de Ação de Graças.

O Velho Cavalheiro sentou-se à mesa, fulgindo como uma pérola esfumaçada na sua pedra fundamental de futura antiga Tradição. Os garçons abarrotaram a mesa de comida dominical — e Stuffy, com um suspiro que foi erroneamente tomado como expressão de fome, ergueu faca e garfo e conquistou para si uma coroa de imperecível louro.

Nenhum herói jamais abriu caminho tão denodadamente por entre as fileiras inimigas. Peru, postas de carne, sopas, legumes, bolos desapareceram tão depressa quanto lhe foram servidos. Repleto até os gorgomilos quando adentrara o restaurante, o odor de comida quase o fizera perder sua honra de cavalheiro, mas ele se reanimara, como bravo cavaleiro que era. Viu a expressão de felicidade beneficente no rosto do Velho Cavalheiro (uma expressão mais feliz do que a que as fücsias e aornithoptera amphrisius jamais lhe poderiam trazer) e não tivera coragem de vê-la empalidecer.

Ao cabo de uma hora, Stuffy recostou-se na cadeira com a batalha ganha.

— Muitíssimo obrigado, patrão — bufou, como um cano de vapor furado —, muitíssimo obrigado pelo ótimo almoço.

Ergueu-se então pesadamente, com os olhos vidrados, e dirigiu-se para a cozinha. Um garçom fê-lo girar como pião, e o pôs a caminho da porta. O Velho Cavalheiro contou cuidadosamente um dólar e trinta em moedas de prata, deixando três níqueis de gorjeta para o garçom.

Separaram-se, como todos os anos, à porta: o Velho Cavalheiro foi para baixo, Stuffy para cima.

Stuffy virou a primeira esquina e ficou imóvel durante um instante. Depois, pareceu enfunar seus trapos como uma coruja enfuna as penas, e desabou na calçada como um cavalo atacado de insolação.

Quando veio a ambulância, o jovem cirurgião e o condutor praguejaram em voz baixa diante do seu peso. Não havia cheiro de uísque que justificasse a transferência para o carro de presos, dado o que Stuffy e seus dois almoços foram para o hospital. Ali o estenderam numa cama e começaram a fazer-lhes exames em busca de doenças fora do comum, na esperança de poderem usar o bisturi para a solução de algum problema.

E, ai! Uma hora mais tarde outra ambulância trouxe o Velho Cavalheiro. Deitaram-no noutra cama e começaram a falar de apendicite, pois o paciente parecia estar em condições de pagar a conta da operação.

Mas logo depois um dos jovens doutores encontrou-se com uma das jovens enfermeiras de cujos olhos gostava, e deteve-se para prosear com ela sobre os casos.

— Aquele simpático e idoso cavalheiro ali, está vendo? — disse. Imaginaria você que é um caso de inanição, quase? Família antiga e orgulhosa, acho. Contou-me que não comia nada há mais de três dias.

Fonte> O. Henry. Caminhos do Destino. Contos. Publicado originalmente em 1909. Disponível em Domínio Público.

Dissecando a Magia dos Textos (“Maria e Maria”, de Sinclair Pozza Casemiro)

Conto publicado neste blog em 22 de julho de 2020, no link 

RESUMO

Caminhoneiro Feliz
Tião, um caminhoneiro feliz, vive com suas duas Marias: a esposa e a filhinha. Apesar das dificuldades, ele se considera afortunado por ter um caminhão e uma família amorosa. As Marias são seu maior tesouro, e juntos enfrentam os desafios da vida.


A Vida na Estrada
A rotina de Tião é marcada por viagens e o convívio com os amigos. Maria, sempre rindo, cuida da casa e da filha, transformando a boleia do caminhão em lar. A amizade e o chimarrão são essenciais em sua vida simples.

Mudança e Mistério
A chegada de novos vizinhos traz mudanças. A história de um rancho amaldiçoado, onde uma mulher foi assassinada, assombra a vizinhança. Tião, cético, ignora os avisos, mas Maria começa a mudar, perdendo a alegria.

Tragédia e Consequências
A tensão aumenta quando Tião descobre a infidelidade de Maria, resultando em tragédia. Ele volta para casa e, em um momento de desespero, confronta a realidade devastadora. A dor da perda transforma sua vida para sempre.

ANÁLISE

Amor e Perda
A narrativa explora os laços familiares e a fragilidade do amor. Tião, inicialmente contente, enfrenta a desilusão e a tragédia.

Cultura e Vida Rural
A história retrata a vida rural no Brasil, com suas tradições, desafios e a luta diária por sobrevivência.

Mistério e Sobrenatural
Elementos do sobrenatural permeiam a narrativa, refletindo as crenças populares sobre lugares amaldiçoados e o impacto do passado nas vidas presentes.

PERSONAGENS PRINCIPAIS

Tião
Um caminhoneiro otimista e trabalhador, que valoriza sua família acima de tudo. Sua alegria é contagiante, mas ele se torna vulnerável às circunstâncias e à traição.

Maria (esposa)
Uma mulher forte e amorosa, que enfrenta as adversidades com graça. Sua risada é um símbolo de esperança, mas sua mudança de comportamento reflete a tensão crescente em sua vida.

Maria (filha)
A criança que representa a inocência e a alegria da família. Sua presença traz luz aos dias de Tião, mas sua tragédia acentua a dor do pai.

TEMAS CENTRAIS

Amor e Compromisso
A história examina como o amor pode ser testado e como os compromissos podem ser rompidos. Tião e Maria compartilham um laço profundo, mas as dificuldades e a traição geram uma fissura irreparável.

Superstição e Folclore
A presença do rancho amaldiçoado e as histórias locais refletem as crenças populares sobre o sobrenatural. Esses elementos criam uma atmosfera de mistério e tensão, influenciando as ações dos personagens.

A Vida Rural
O cotidiano de Tião e sua família é retratado com riqueza de detalhes, mostrando as dificuldades enfrentadas por quem vive no campo. As interações sociais, o trabalho duro e a simplicidade da vida rural são centrais para a narrativa.

DESENVOLVIMENTO DA TRAMA

A Rotina de Tião
Tião e suas Marias desfrutam de momentos simples, como passeios no caminhão e encontros com amigos. Essa felicidade inicial estabelece um contraste com os eventos futuros.

Chegada dos Novos Vizinhos
A mudança traz novos personagens e provoca rumores sobre o passado do rancho. A curiosidade e o medo começam a afetar a dinâmica da vizinhança.

Desvio de Comportamento
A transformação de Maria, que passa a demonstrar tristeza e desinteresse, gera preocupação em Tião e começa a criar uma fissura na relação.

A Tragédia
O clímax ocorre quando Tião descobre a traição. A cena final, marcada pela violência e perda, resulta em um desfecho trágico que ecoa os temas de desilusão e arrependimento.

FOLCLORE

Na narrativa de "Maria e Maria", vários elementos de folclore são destacados, criando uma atmosfera rica e carregada de simbolismo.

1. A Maldição do Rancho
A história sobre o rancho amaldiçoado, onde uma mulher foi assassinada, reflete crenças populares sobre lugares assombrados. Essa narrativa é central para a tensão da história, trazendo um senso de mistério e medo.

2. Lendas Locais
O passado trágico da mulher assassinada e o choro do bebê perdido são elementos que evocam lendas locais, conectando a comunidade a um passado sombrio e a histórias que circulam entre os moradores.

3. Superstições
A ideia de que tragédias atraem mais tragédias, como mencionado pelo amigo de Tião, demonstra a crença popular de que certas situações podem ser "amaldiçoadas" ou trazer má sorte.

4. Chimarrão e Tradições Regionais
O ato de compartilhar chimarrão entre amigos é uma prática cultural que simboliza união e acolhimento, ressaltando as tradições e a convivência social da comunidade.

5. Crenças sobre o Sobrenatural
Os personagens discutem fenômenos sobrenaturais, como a aparição da mulher que busca seu filho, mostrando como o sobrenatural permeia a vida cotidiana e afeta as emoções dos personagens.

Esses elementos folclóricos não apenas enriquecem a narrativa, mas também refletem a cultura e as crenças da comunidade, conectando os personagens a uma tradição mais ampla que molda suas vidas e interações.

Os elementos de folclore em "Maria e Maria" têm um impacto significativo na identidade cultural da comunidade de várias maneiras:

1. Preservação da História Coletiva
As lendas e histórias, como a do rancho amaldiçoado, ajudam a preservar a memória coletiva da comunidade. Elas conectam as gerações passadas às presentes, criando um senso de continuidade e identidade.

2. Construção de Valores e Crenças
As superstições e crenças locais moldam a forma como os moradores enxergam o mundo. Tais crenças influenciam decisões, comportamentos e interações sociais, promovendo uma cultura de precaução e respeito às tradições.

3. Fortalecimento dos Laços Comunitários
Práticas culturais, como o compartilhamento de chimarrão, reforçam laços sociais e criam um sentido de pertencimento. Esses momentos de convivência fortalecem a identidade da comunidade, promovendo solidariedade e apoio mútuo.

4. Reflexão sobre Medos e Desafios
As histórias de horror e mistério, como a do rancho, permitem que a comunidade explore e expresse medos coletivos. Isso ajuda a criar um espaço seguro para discutir problemas e desafios sociais, refletindo a resiliência da comunidade.

5. Identidade Regional
Os elementos folclóricos, incluindo costumes e lendas, contribuem para uma identidade regional única. Eles diferenciam a comunidade de outras, celebrando suas particularidades e características.

6. Relação com a Natureza
Muitas histórias e crenças estão intrinsicamente ligadas à natureza e ao ambiente local, promovendo um respeito profundo pelo espaço que habitam e enfatizando a interdependência entre as pessoas e seu entorno.

Esses aspectos não apenas moldam a vida cotidiana, mas também ajudam a construir uma base sólida para a identidade cultural da comunidade, promovendo um sentimento de união e continuidade frente aos desafios da vida moderna.

CONCLUSÃO

A obra de Sinclair Pozza Casemiro nos convida a refletir sobre a complexidade das relações humanas, a luta pela felicidade e as consequências de nossas escolhas. A jornada de Tião é um lembrete de que a vida pode mudar rapidamente, e que o amor, embora forte, pode ser quebrado por desilusões.

"Maria e Maria" é uma história que capta a essência da vida rural, explorando a complexidade das emoções humanas. Sinclair Pozza Casemiro nos lembra que a felicidade é efêmera e que os laços familiares podem ser tanto fonte de alegria quanto de dor. Essa dualidade, entre amor e tragédia, ressoa profundamente, tornando a narrativa uma reflexão poderosa sobre as relações e suas consequências.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Nada além)

 

(Fox, 1934)

Compositores: Mário Lago e Custódio Mesquita

Nada além
Nada além de uma ilusão
Veja bem
É demais para o meu coração
Acreditando em tudo que o amor
Mentindo sempre diz
Eu vou vivendo assim feliz
Na ilusão de ser feliz
Se o amor
Só nos causa sofrimento e dor
É melhor, bem melhor
A ilusão do amor
Eu não quero e nem peço
Para o meu coração
Nada além
De uma linda ilusão…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

A Doce Ilusão do Amor em 'Nada Além'

A música 'Nada Além', é uma reflexão melancólica sobre o amor e suas desilusões. A letra aborda a ideia de que o amor, muitas vezes, traz mais sofrimento e dor do que felicidade. O eu lírico, ciente das mentiras e enganos que o amor pode trazer, prefere viver na ilusão de ser feliz, ao invés de enfrentar a dura realidade. Essa escolha pela ilusão é uma forma de proteção emocional, uma maneira de evitar o sofrimento que o amor verdadeiro pode causar.

Orlando Silva, conhecido como o 'Cantor das Multidões', foi um dos maiores intérpretes da música popular brasileira nas décadas de 1930 e 1940. Sua voz marcante e interpretação emotiva conferem à canção uma profundidade ainda maior. A letra de 'Nada Além' é simples, mas carregada de significado, refletindo uma visão cínica e resignada do amor. A repetição da palavra 'ilusão' reforça a ideia de que, para o eu lírico, a felicidade verdadeira é inatingível, e a única forma de ser feliz é através de uma ilusão.

A música também pode ser vista como uma crítica à idealização do amor romântico. Ao afirmar que 'é melhor, bem melhor a ilusão do amor', o eu lírico sugere que a busca por um amor perfeito é fútil e que aceitar a ilusão pode ser uma forma mais realista de lidar com os sentimentos. A melodia suave e a interpretação emotiva de Orlando Silva complementam a letra, criando uma atmosfera de resignação e melancolia que ressoa profundamente com o ouvinte.

No dia 09 de julho de 1937, estreava no Teatro Recreio, no Rio de Janeiro, a revista Rumo ao Catete, título que aludia a uma eleição presidencial que Getúlio não deixou acontecer. Além de um elenco de primeira - Araci Cortes, Oscarito, Eva Tudor -, a peça tinha libreto e direção musical de dois grandes compositores, Custódio Mesquita e Mário Lago. Reunindo todos esses valores, "Rumo ao Catete" foi um sucesso, com mais de 300 representações e, de quebra, ainda enriqueceu a música popular com duas belas composições, o fox "Nada Além" e a valsa "Enquanto houver saudade".

Maior sucesso da dupla Lago-Mesquita, "Nada Além" era motivo na peça de um quadro cômico-romântico: um homem de aparência simplória examinava, à porta de uma loja, várias mercadorias que lhe oferecia um vendedor. Vendo que o suposto freguês não se decidia, o vendedor o interpelava: "Afinal, o que deseja o cavalheiro?" ao que o sujeito respondia, cantando: "Nada além, nada além de uma ilusão...".

Apesar de aprovarem a interpretação operística dada no palco pelo tenor Armando Nascimento, os autores achavam que as canções se adaptavam melhor a uma voz popular, como a de Orlando Silva, à época no auge da fama. Então Custódio, sempre vaidoso, usou de um expediente para induzi-lo a gravá-las, sem correr o risco de uma rejeição, convidando-o a assistir a peça. E deu certo, pois ao final da sessão o cantor, entusiasmado, exigiu: "Custódio, me dá agora mesmo as partes de piano dessas músicas que eu quero gravá-las, o mais rápido possível". E assim o fez no início de 38.

sábado, 17 de agosto de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “22”

 

Leon Tolstói (O gatinho)

(fábula)

Era uma vez um irmão e uma irmã − Vássia e Kátia. Eles tinham uma gata. Na primavera, a gata sumiu. As crianças procuraram por todo canto, mas não conseguiram achar. Um dia, estavam brincando ao lado do celeiro e ouviram, lá em cima, alguma coisa miando com vozes finas. Vássia subiu correndo a escada para o forro do celeiro. Kátia ficou embaixo e toda hora perguntava: “Achou? Achou?” 

Mas Vássia não respondia. Afinal, Vássia gritou:

− Achei! A nossa gata… e ela teve gatinhos; são lindos; venha cá, depressa.

Kátia foi para casa correndo, pegou leite e levou para a gata. Os filhotes eram cinco. Quando cresceram um pouco e começaram a sair do cantinho onde nasceram, as crianças escolheram para elas um gatinho cinzento de patas brancas e levaram para casa. A mãe deu todos os outros gatos, mas aquele ficou para os filhos. As crianças lhe davam comida, brincavam com ele e dormiam junto com o gatinho.

Um dia as crianças foram brincar na estrada e levaram o gatinho.

O vento remexia a palha na estrada, o gatinho brincava com a palha e aquilo divertia as crianças. Depois viram no caminho umas folhas de azedinha, foram colher e esqueceram o gato. De repente ouviram alguém gritar bem alto:

− Para trás! Para trás!

E viram um caçador vir correndo e, na frente dele, dois cachorros que olhavam para o gatinho e queriam agarrá-lo. Mas o gatinho era bobo e, em vez de fugir, se agachou no chão, arqueou as costas e olhou para os cachorros. 

Kátia ficou assustada com os cachorros, começou a gritar e fugiu para longe deles. Mas Vássia foi correndo na direção do gato e o pegou na mesma hora em que os cachorros pularam na direção dele. 

Os cachorros queriam agarrar o gatinho, mas Vássia pulou de barriga em cima do gato e o escondeu dos cachorros.

O caçador chegou a galope e enxotou os cachorros; Vássia levou o gatinho para casa e nunca mais saiu com ele para o campo.

Fonte: Liev Tolstói. Livros de leitura para crianças. Publicado originalmente em 1864.  Disponível em Domínio Público

Dissecando a Magia dos Textos (“O choro de uma simples folha de papel em branco”, de Aparecido Raimundo de Souza)

Publicado neste blog em 15 de junho de 2024, no link

CONTEXTO E SIMBOLISMO

Neste texto, a folha de papel se torna um poderoso símbolo da solidão e do desejo de conexão. A narrativa explora as emoções e angústias que muitas vezes permanecem não ditas, tanto para objetos inanimados quanto para seres humanos.


TEMAS PRINCIPAIS

1. Solidão e Abandono
A folha representa aqueles que se sentem esquecidos e não ouvidos, refletindo a condição de muitos indivíduos em nossa sociedade.

2. Empatia e Conexão
A lágrima da menina transforma a folha, simbolizando como pequenos gestos de vulnerabilidade podem criar laços e significados profundos.

3. Transformação e Esperança
Mesmo algo considerado sem valor pode se tornar um receptáculo de esperança e novos começos, mostrando que cada um de nós pode carregar histórias importantes.

PERSONAGENS

A Folha de Papel: 
Encara sua própria solidão, mas também deseja ser um suporte emocional. Sua transformação em confidente da menina é central à narrativa.

Personificação: A folha é dotada de sentimentos e desejos, refletindo a solidão e a busca por conexão. Essa personificação faz com que os leitores se identifiquem com sua dor.

Símbolo de Desvalorização: Representa aqueles que se sentem descartados ou invisíveis na sociedade, ecoando a experiência de muitos que lutam para serem ouvidos.

A Menina: 
Representa a fragilidade humana e a busca por compreensão. Sua tristeza é universal, ecoando as lutas de muitos.

Vulnerabilidade: Sua tristeza é palpável e representa a fragilidade da juventude. Ela carrega o peso de suas emoções, que se manifestam na forma de lágrimas.

Busca por Alívio: A lágrima que cai na folha simboliza um desejo de desabafar e encontrar conforto, uma conexão que vai além das palavras.

ESTRUTURA NARRATIVA

Introdução da Folha
A folha de papel é apresentada como um objeto comum, mas com uma história não contada. Essa introdução cria uma conexão imediata com o leitor, despertando curiosidade.

Ambiente Escolar
O cenário da sala de aula, com seus sons e agitações, contrasta com a solidão da folha. Isso reflete o caos da vida cotidiana, onde muitos se sentem invisíveis.

Momento de Transformação
A lágrima da menina representa um ponto de virada. É um momento de vulnerabilidade que transforma a folha, mostrando que a dor pode criar empatia e conexão.

ABORDAGENS

1. A Fragilidade da Vida
A folha e a menina compartilham uma fragilidade. Ambas estão em busca de significado e compreensão, simbolizando a luta humana.

2. A Escuta Atenta
A narrativa sugere a importância de ouvir as vozes ao nosso redor, mesmo aquelas que parecem silenciosas. A folha, ao absorver a lágrima, se torna um símbolo dessa escuta.

3. Esperança em Situações Difíceis
A ideia de que mesmo em momentos de desespero é possível encontrar esperança é central. A folha se transforma em um espaço onde novos começos podem surgir.

ELEMENTOS LITERÁRIOS

1. Imagens Sensoriais
A descrição dos sons da sala de aula cria uma atmosfera vibrante, contrastando com a quietude da folha. Isso intensifica a sensação de solidão.

2. Metáforas e Simbolismos
A folha de papel representa não apenas o abandono, mas também um potencial infinito. Sua transformação ao absorver a lágrima é uma metáfora para como a dor pode gerar empatia e compreensão.

3. Narrativa Reflexiva
A narrativa convida à reflexão sobre nossas próprias vidas. Assim como a folha, todos nós temos histórias não contadas e emoções que muitas vezes são ignoradas.

REFLEXÕES

1. Importância da Empatia
A história enfatiza que, independentemente de quão insignificante alguém ou algo possa parecer, há uma necessidade fundamental de empatia e compreensão.

2. A Força da Vulnerabilidade
Mostrar fragilidade pode ser um ato de coragem. A lágrima da menina é um convite para que outros também compartilhem suas dores.

3. Esperança e Renovação
A folha, ao absorver a lágrima, se torna um símbolo de renovação. Isso sugere que mesmo momentos de tristeza podem levar a novos começos e crescimento emocional.

4. Solidão Coletiva
A folha de papel representa uma solidão que não é única. Em ambientes como escolas, muitas pessoas se sentem isoladas, mesmo cercadas por outras. A história destaca como essa solidão é comum, mas ainda assim dolorosa.

5. A Importância da Escuta
A narrativa sugere que ouvir as vozes ao nosso redor pode nos ajudar a entender e apoiar aqueles que sofrem em silêncio. A folha, ao absorver a lágrima, simboliza essa escuta ativa e empatia.

6. Conexão Emocional
A relação entre a folha e a menina exemplifica como conexões inesperadas podem surgir em momentos de vulnerabilidade. Essa conexão pode ser profundamente curativa.

7. Ciclo de Dor e Esperança
A transformação da dor em esperança é um ciclo poderoso. A lágrima, embora dolorosa, traz uma nova vida para a folha, mostrando que a dor pode ser um catalisador para mudança.

8. O Valor do Simples
A história nos lembra que até os objetos mais simples têm valor e significado. Isso nos convida a reavaliar como percebemos o cotidiano e as coisas que consideramos “desprezíveis”.

9. A Natureza da Existência
A folha, embora inanimada, questiona o que significa existir e ser ouvido. Essa reflexão leva os leitores a considerar suas próprias vidas e a importância de suas vozes.

CONEXÕES COM A REALIDADE

1. Experiências Universais
A narrativa ressoa com experiências comuns a muitos, como a tristeza da infância e a busca por aceitação, tornando-a relevante para diversas faixas etárias.

2. Representação de Vulnerabilidades
A história pode ser vista como um espelho das vulnerabilidades humanas, onde cada um de nós, em algum momento, se sentiu como a folha: deixado de lado e em busca de significado.

CONCLUSÃO

A narrativa não é apenas sobre a dor da folha ou da menina, mas sobre a interconexão das experiências humanas. Cada lágrima, cada gesto de vulnerabilidade, tem o poder de transformar não apenas a nós mesmos, mas também aqueles ao nosso redor. A história nos motiva a buscar conexões significativas, a ouvir as vozes silenciadas e a encontrar beleza na fragilidade da vida.

A história é um lembrete poderoso de que todos, mesmo os objetos aparentemente insignificantes, têm histórias e emoções. Ela nos convida a olhar além das superfícies e a reconhecer a dor e a beleza nas pequenas coisas. Essa narrativa nos inspira a cultivar empatia e a valorizar as conexões humanas, lembrando que cada lágrima pode ser um passo em direção à cura e à esperança.

A narrativa destaca a importância de reconhecer as vozes não ouvidas e a capacidade de transformação que existe em momentos de dor. A folha de papel, embora simples, se torna um símbolo de resiliência e esperança, convidando-nos a refletir sobre nossas próprias experiências e as conexões que formamos.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Negue)


(samba-canção, 1960)

Compositores: Adelino Moreira/ Enzo de Almeida Passos

Negue o teu amor e o teu carinho
Diga que você já me esqueceu
Pise, machucando com jeitinho
Este coração que ainda é teu

Diga que o meu pranto é covardia
Mas não esqueça
Que você foi minha um dia!

Diga que já não me quer!
Negue que me pertenceu
Que eu mostro a boca molhada
E ainda marcada pelo beijo teu
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = 

A Dor do Amor em 'Negue'
A música 'Negue', interpretada pelo icônico Nelson Gonçalves, é uma verdadeira viagem ao universo da dor e da saudade que o amor pode deixar. A letra da canção é um apelo emocionado de alguém que foi deixado para trás, mas que ainda guarda as marcas profundas de um amor que parece não ter fim. Através de palavras que expressam a negação e o pedido para que o outro admita que o amor existiu, a música toca em um ponto sensível de quem já viveu um amor intenso que chegou ao fim.

Nelson Gonçalves, conhecido por sua voz marcante e interpretações cheias de sentimento, dá vida à letra de uma forma que é quase possível sentir a dor do narrador. A música utiliza a metáfora do coração machucado e do pranto como covardia para expressar a vulnerabilidade de quem ama. O pedido para que o outro negue o amor e o carinho, enquanto ao mesmo tempo se mostra a prova física desse amor - a boca ainda marcada pelo beijo - é um contraste poderoso que revela a complexidade dos sentimentos envolvidos.

Culturalmente, 'Negue' se encaixa no estilo de música romântica brasileira, onde a expressão da dor e da paixão são frequentemente exploradas. Nelson Gonçalves foi um dos grandes nomes da era de ouro do rádio no Brasil, e suas músicas muitas vezes refletiam os altos e baixos do amor, um tema universal e atemporal. 'Negue' é um exemplo clássico dessa temática, e continua a ressoar com ouvintes de todas as idades, pois fala de um sentimento que muitos conhecem de perto: a dificuldade de deixar ir um grande amor.

Vários cantores de diferentes épocas e estilos — Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Agostinho dos Santos, Maria Bethânia, Ney Matogrosso gravaram “Negue”, o que atesta o prestígio deste samba, um dos melhores de Adelino Moreira.

Interpretada de forma veemente, como pedem os seus versos (“Diga que já não me quer / negue que me pertenceu / que eu mostro a boca molhada / e ainda manchada / pelo beijo seu...”), a composição foi  o grande sucesso de Adelino (parceria com Enzo de Almeida Passos) no fértil ano de 1960, quando ele abastecia os repertórios de Nelson Gonçalves, Carlos Augusto e Núbia Lafayette.

Aliás, foi o cearense Carlos Augusto (Carlos Antônio de Souza Moreira) quem puxou o sucesso da composição. Em 1983, “Negue” seria regravada pelo grupo punk Camisa de Vênus 

Fontes:
A Canção no Tempo - Vol. 2 - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Ed. 34

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O texto literário em Preto e Branco (“A Tulha da Fazenda”, de Olga Agulhon)

Publicado neste blog em 12 de maio de 2012,


TEMAS PRINCIPAIS

Morte e Luto:
A narrativa gira em torno da tragédia da morte do filho de Yoshida, que marca a fazenda com um luto silencioso. A tulha se torna um símbolo desse luto, representando a dor não resolvida da família.

Medo e Superstição:
A crença nas histórias de assombração reflete o medo infantil e as superstições que permeiam a vida rural. A figura do menino que chama pela família evoca um temor profundo que se transforma em desafio entre as crianças.

Mudança e Abandono:
A transição da fazenda, do cultivo de café para a soja e trigo, simboliza mudanças econômicas e sociais. A tulha, inicialmente próspera, se torna um espaço de abandono, refletindo a perda de tradições.

Natureza e Renascimento:
O surgimento do pé de chorão após a derrubada da tulha sugere um renascimento. A natureza, ao crescer sobre o local do túmulo, representa a cura e a libertação da dor.

PERSONAGENS

Narradora:
Representa a curiosidade infantil e a bravura, mas também a vulnerabilidade diante do sobrenatural.

Carlinhos:
O provocador que personifica o medo e a coragem juvenil, simbolizando a dinâmica entre crença e ceticismo.

Senhor Yoshida:
O pai enlutado que, ao enterrar seu filho, transforma a tulha em um símbolo de sua dor.

ESTILO E ESTRUTURA

Narrativa em Primeira Pessoa:
A escolha da narradora confere intimidade e subjetividade à história, permitindo que o leitor sinta os medos e emoções da criança.

Ambiente Descritivo:
As descrições da fazenda e da tulha criam uma atmosfera sombria e opressiva, reforçando a sensação de mistério e assombração.

Elementos de Suspense:
A tensão é construída através da espera da narradora e da revelação gradual da história do menino, culminando em um clímax emocional.

CONTEXTO CULTURAL

Relação com o Rural:
A história se passa em um ambiente rural, onde tradições e superstições têm um papel significativo. O cotidiano de uma fazenda, com suas práticas agrícolas e a convivência familiar, é retratado de forma vívida.

Superstições e Folclore:
O relato incorpora elementos do folclore brasileiro, como a crença em almas penadas e histórias de fantasmas. Isso reflete a cultura popular e como as crianças se envolvem com essas narrativas, muitas vezes com uma mistura de medo e curiosidade.

DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL

Crescimento da Narradora:
A jornada da narradora reflete um processo de amadurecimento. Sua coragem inicial enfrenta o medo, e a experiência na tulha a transforma. O confronto com o sobrenatural e suas emoções culminam em uma nova compreensão da vida e da morte.

Relações Familiares:
As interações entre as crianças e suas famílias revelam laços fortes, mas também medos e inseguranças. A figura do pai é central, mostrando como a dor do luto afeta não apenas o indivíduo, mas toda a família.

SIMBOLISMO

A Tulha:
Representa não só o armazenamento físico do café, mas também a carga emocional da família Yoshida. Sua deterioração simboliza a perda de vitalidade e a conexão com o passado.

O Pé de Chorão:
Surge como um símbolo de renovação e esperança. A planta, que cresce rapidamente, sugere que a natureza pode curar as feridas do passado e trazer um novo começo.

LIÇÕES

1. Enfrentamento do Medo
A narradora enfrenta seus medos ao aceitar o desafio de ir até a tulha. Essa experiência a ensina a confrontar e compreender suas emoções, mostrando que o medo pode ser superado.

2. Compreensão da Morte
A história a ajuda a lidar com a ideia da morte e do luto. Ao descobrir a história do menino enterrado, ela aprende sobre a dor da perda e a importância dos rituais de passagem.

3. Empatia e Compaixão
Ao final, ao colher margaridas e deixá-las junto ao pé de chorão, a narradora demonstra empatia pela dor do menino. Essa ação reflete uma nova compreensão sobre a tristeza alheia e a necessidade de oferecer consolo.

4. Mudança e Renovação
A transformação da tulha em um pé de chorão simboliza que, apesar da dor e do passado, a vida continua e pode renascer em novas formas. A narradora aprende a aceitar as mudanças inevitáveis da vida.

5. Valor das Memórias
A experiência na fazenda a ensina a valorizar as memórias e as histórias familiares. A conexão com o passado é importante para entender a identidade e as raízes.

Essas lições contribuem para o crescimento emocional da narradora e sua compreensão do mundo ao seu redor.

CONCLUSÃO
"A Tulha da Fazenda" explora de maneira sensível e poética temas de morte, medo e transformação. A narrativa não só captura a essência da infância e suas crenças, mas também reflete sobre a relação entre passado e presente, dor e cura. O final, com o pé de chorão, sugere que, apesar das tragédias, a vida continua e a natureza pode oferecer consolo.

A narrativa de Olga Agulhon provoca reflexões sobre como as crianças interpretam e respondem a eventos trágicos, uma maneira de explorar o desconhecido. A história termina com um gesto de carinho da narradora, que simboliza aceitação e uma conexão com o passado, mostrando que, apesar das tristezas, a vida continua a florescer.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR: IA Poe.  Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Therezinha Dieguez Brisolla (Trov’ Humor) 36

 

Renato Frata (A luz da estrela)

A luz amarela do lampião não ofuscou a da estrela cadente que despencou riscando o céu. Naquele lapso, o matuto desfez a carranca e pediu o que já vinha repetindo; "Ah! se Zefina pegasse bucho, estrela... ia sê a maió alegria..."

Firmou o olhar para repetir o pedido, mas nenhuma outra caiu. Então, já com os olhos pesados, limpou os chinelos no tapete de entrada e se recolheu, despindo-se. Tentaria de novo.

Ela fingia que dormia. Encolhida e agarrada ao travesseiro, passava horas como se embalasse a criança tão desejada. 

Ele se arrastou pelo colchão, aproximou com cuidado seu corpo ao dela, enlaçou-a com o braço forte e rude para que acordasse sem sobressalto, e esperou que ela correspondesse aos seus desejos, enlevando-se no sonho de ser mãe.

Entre a estrela captar seu pensamento e atender ao pedido, melhor seria não perder tempo e tentar, mais vezes, como vinha fazendo todas as noites.

Nas manhãs de domingo também.

Era assim naquela hora; se agradavam por inteiro, depois deixavam que o sono os embalasse.

O pedido dele à estrela cadente havia sido feito de coração, mas vai que ela não escutasse... melhor não arriscar.

Pela manhã, as tarefas de sempre: a ordenha, a separação de bezerros, a preparação de ração. Depois iria a outras. Em certo momento, porém, enquanto ordenhava, ouviu algo como um chorico, que podia ser vagido de gato, tão fraco e leve pareceu. Mas lhe chamou a atenção. Tanto que assuntou mais, precipitando o ouvido nas mil direções.

Alertou-se para ouvir o cantar suave da brisa, e logo, depois de um tempinho, o tal chorozinho de nada se repetiu. Foi o que o fez largar dos tetos, desamarrar a vaca, afastar o rasteio usado para juntar cana triturada, desviar-se dos animais que se comprimiam no curral e correr à procura de onde o barulho parecia ter saído.

Seus olhos bem abertos queriam enxergar o mundo, para não perder sequer detalhe e, como ainda se fazia escuro, seguiu de testa franzida, olhar atento e mãos tateando a trilha e tábuas. Todo cuidado era pouco. Abismado e com tremor nas pernas que lhe subia e furava o oco do estômago, tomado por uma sensação de incerteza, parou na soleira onde sentara a conversar com a estrela na noite anterior. E gemeu nervoso. Enquanto sua boca vacilou em engolir a saliva, uma baba desavisada vazou queixo abaixo.

Bem ali, mexendo-se como se procurasse sair, uma criança recém-nascida, embrulhada em andrajos e com formigas a lhe passear pelo rosto, se contorcia, resmungando. Ágil e sem pensar, pegou-a com as mãos calejadas e, cheirando-a, levantou-a até os olhos, trouxe-a para o peito, amainando o coração e, admirado a quase não conter lágrimas que lhe turvaram a visão, chamou pela mulher duas vezes aos gritos.

Ao ouvir o chamado incomum do marido, ela correu e se debruçou na janela.

- Vem, Zefa, vê o que a estrela deixou pra nóis...

Fonte> Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor