A lua saiu bem clara 
entre nuvens se escondeu, 
Não pode encontrar ventura 
quem sem ventura nasceu.
2
Eu não sou filho daqui, 
sou filho, sim, lá de fora, 
ando cumprindo o meu fado, 
acabando, vou-me embora.
3
Sopra o vento nos gerais 
e apaga a luz da candeia. 
Triste coisa neste mundo 
e viver em terra alheia.
4
A rolinha de cansada
bateu o papo na areia, 
e batendo foi dizendo: 
– Triste coisa é terra alheia . .
5
Triste vida é de quem anda
fora do seu «natural» .
 Se um dia passa bem, 
três e quatro passa mal...
6
Triste vida de quem vive, 
rolando cantos alheios, 
come e dorme aos bocadinhos, 
bebe e ama com receios.
7
Você me diz : vamos, vamos...
Para onde havemos de ir? 
Quem nasceu para a desgraça 
não tem para onde fugir.
8
Por muito que o infeliz 
contra os males se previna,
há de passar por aqueles 
que lhe marcou sua sina...
9
Meu destino não se muda, 
minha desgraça é constante, 
eu choro todos os dias, 
e suspiro a todo instante.
10
Quando vejo o caranguejo 
caminhando em santa paz, 
julgo ver minha ventura 
que só anda para trás.
11
Queria subir ao céu, 
ter com Deus um argumento, 
perguntar-lhe pra que deu 
aos pobres o sentimento.
12
Beijo a mão que me condena. 
Respeito o poder do fado, 
obedeço a meu destino 
de ser sempre desgraçado.
13
Uma dor de coração 
é ver e não alcançar, 
mas é tristeza maior 
possuir e não gozar.
14
Naquela serra mais alta 
vou os meus prantos chorar, 
talvez naquelas alturas 
me possa Deus escutar.
15
Se eu soubesse que na guerra
das desditas me livrava, 
eu iria ver se a morte 
meus pesares acabava.
16
Corre o rio entre as pedrinhas 
saltitando de alegria, 
também corro, mas sou triste, 
sem sossego, noite e dia.
17
Quando me for desta terra,
vou pelos ares voando,
para que os matos não digam 
que já me viram chorando.
18
Lá vai a garça voando
co’as penas que Deus lhe deu. 
Contando pena por pena
mais penas padeço eu.
19
Já tive dias felizes,
zombando da sorte austera. 
Perdi mimos que gozei, 
já não sou quem dantes era.
20
Meu coração, batei caixas, 
meus sentidos, manobrai, 
meus olhos, deitai bandeira: 
– Vinde lágrimas, marchai!
21
Quem me vir andar chorando
não se ria, tenha dó, 
que o trabalho deste mundo
não me fez para mim só.
22
A um sucede outro dia, 
a uma outra estação.
Só para mim não se muda 
minha triste condição.
23
Não quero mais fazer roça 
que a sorte vem contra mim. 
Planto cana, nasce alpiste, 
planto arroz, nasce capim.
24
Como o prado, com as flores
comparo a minha ventura: 
prado, porque floresce,
a flor, porque pouco dura.
25
Alma no corpo não tenho, 
minha existência é tingida;
Sou como o tronco quebrado 
que dá sombra sem ter vida.
26
No livro dos infelizes 
o meu nome escrito achei. 
Como nasci sem ventura, 
sem ventura acabarei.
27
Dizem que almas não morrem, 
são imortais, não tem fim...
A minha faz exceção, 
está morta dentro de mim.
28
Oh morte, porque não vens 
findar meus dias fatais. 
Vivendo, eu ando penando. 
Morrendo, não peno mais.
29
Sou dos que não querem vida.
Sou dos mais desesperados, 
valei-me, instantes da morte, 
instantes afortunados!
30
Se eu morrer sem me salvar, 
todos chorem minha sorte: 
Infeliz durante a vida, 
infeliz durante a morte.
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Júlio Afrânio Peixoto (Lençóis/BA, 1876 – 1947, Rio de Janeiro/RJ) foi um médico, político, professor, crítico literário, ensaísta, romancista e historiador brasileiro. Ocupou a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras, e a cadeira 2 da Academia Brasileira de Filologia, da qual foi fundador. Passou sua infância no interior da Bahia, na cidade de Canavieiras (onde há uma biblioteca e rua com seu nome), vivenciando situações e paisagens que influenciariam muitos dos seus romances. Formou-se em Medicina, em Salvador, no ano de 1897. Sua tese inaugural, "Epilepsia e crime", despertou grande interesse nos meios científicos do país e do exterior. Em 1902, mudou-se para a capital do país, na época, Rio de Janeiro, onde foi inspetor de Saúde Pública e diretor do Hospital Nacional de Alienados, em 1904. Ministrou aulas de Medicina legal na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1907) e assumiu os cargos de professor extraordinário da Faculdade de Medicina (1911); diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro, em 1915 e diretor da Instrução Pública do Distrito Federal no ano seguinte. Em 1916, após 3 anos ministrando a disciplina de Medicina Legal, torna-se professor titular da cadeira na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Foi eleito deputado federal pela Bahia, ficando no cargo no período de 1924 a 1930. Após isto, voltou à atividade do magistério sendo professor de História da Educação no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, em 1932. Em 1934 foi agraciado com a Grã-Cruz da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico de Portugal. Foi reitor da Universidade do Distrito Federal em 1935 e, após 40 anos de relevantes serviços, aposentou-se. Iniciou na literatura no ano de 1900 com a publicação do drama Rosa mística. Drama em cinco atos, luxuosamente impresso em Leipzig, com uma cor para cada ato. Entre 1904 e 1906 esteve em vários países da Europa, a fim de adquirir novos conhecimentos. Ao retornar ao Brasil esqueceu-se da literatura e pensou apenas na medicina. Nesse período foi grande sua produção de obras de cunho médico-legal-científica. O romance foi uma implicação a que o autor foi levado em decorrência de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, em 7 de maio de 1910, para a qual fora eleito à revelia, quando se achava no Egito, em sua segunda viagem ao exterior. Quase como que por obrigação, começou a escrever o romance A esfinge, o que fez em três meses antes da posse da Cadeira nº 7. O Egito inspirou-lhe o título e a trama novelesca. O romance, publicado no mesmo ano, obteve um sucesso incomum e colocou seu autor em posto de destaque na galeria dos ficcionistas brasileiros. Afrânio Peixoto obteve, na época, grande aprovação de crítica e prestígio popular. Existe no Palácio Imperial, em Petrópolis, uma placa comemorativa onde se lê: "Nesta sala, durante cinco verões, Afrânio Peixoto disse cousas. Que cousas! e como as disse!". Como ensaísta escreveu importantes estudos sobre Camões, Castro Alves e Euclides da Cunha. Como médico, conheceu e estudou as ideias e teorias de Freud, levando-as para muitos de seus romances. Teve colaboração na publicação periódica Atlântida (1915–1920) e na revista luso-brasileira Atlântico. 
Algumas obras: Rosa mística — drama (1900); Lufada sinistra — novela (1900); A esfinge — romance (1911); Trovas brasileiras (1919); Fruta do mato — romance (1920); As razões do coração — romance (1925); História da literatura brasileira (1931); Livro de horas (1947), etc.
Fontes: 
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919. 
Disponível em Domínio Público.
Biografia = https://pt.wikipedia.org/wiki/Afrânio_Peixoto

 
 
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