2 — Um grupo real
Depois desse momento inicial, uma ou outra manifestação literária em São Paulo, ou de paulista — inclusive José Bonifácio, o poeta Américo Elísio — nada trazem de novo para o nosso ponto de vista. Por volta de 1830 é que vamos encontrar uma segunda congregação de homens, valores e idéias, em torno da Revista da Sociedade Filomática, de importância apreciável em nosso Pré-romantismo, como assinalou José Aderaldo Castelo.
Aqui, não se trata de personalidades tão eminentes quanto as dos três anteriores, nem a sua obra escassa possui o mesmo relevo que a deles. Trata-se, porém, de um agrupamento efetivo, não mais virtual, além de exercer sobre os grupos sucessores uma influência direta, como não aconteceu com a dos outros. O seu fator foi a criação da Faculdade de Direito (1827), que desempenharia papel decisivo na literatura em São Paulo.
Num estudo sugestivo, A. Almeida Júnior define com acerto e precisão o verdadeiro caráter da Academia de São Paulo — menos uma escola de juristas do que um ambiente, um meio plasmador da mentalidade das nossas elites do século passado. Bastante deficiente do ponto de vista didático e científico, foi não obstante o ponto de encontro de quantos se interessavam pelas coisas do espírito e da vida pública, vinculando-os numa solidariedade de grupo, fornecendo-lhes elementos para elaborar a sua visão do país, dos homens e do pensamento.
Interessa-nos aqui, justamente, apontar algumas manifestações desse espírito de grupo na literatura; mostrar como a convivência acadêmica propiciou em São Paulo a formação de agrupamentos, caracterizados por idéias estéticas, manifestações literárias e atitudes, dando lugar a expressões originais.
A Sociedade Filomática, fundada em 1833, reuniu alunos e jovens professores, entre os quais Francisco Bernardino Ribeiro, Justiniano José da Rocha, Francisco Pinheiro Guimarães, Antônio Augusto Queiroga, José Salomé Queiroga, nenhum dos quais nascido em São Paulo (eram cariocas os três primeiros, mineiros os dois últimos). Publicaram seis números de uma revista, esboçaram uma atitude bastante ambivalente de reforma anticlássica, promoveram reuniões e representações — agitaram, numa palavra, a pequena cidade de então, estabelecendo nela a literatura como atividade permanente, por meio do seu corpo estudantil. Quanto mais não fosse, este feito bastaria para consagrá-los, a despeito da pobreza quantitativa e qualitativa da sua produção. Há mais, todavia: desse agrupamento de amigos, tomados pelo entusiasmo da construção literária (que foi no Brasil a mola patriótica do Romantismo, a sua motivação consciente), surgiria, como breve fogacho, um poema que iria iluminar a posterior evolução das letras em São Paulo e abrir caminho para uma das suas mais típicas manifestações. O caso foi que em 1837 falecia Francisco Bernardino, aos vinte e três anos, já lente da Faculdade, guia da Filomática, grande esperança do tempo. O moço jurista protegia e orientava nos estudos um conterrâneo, Firmino Rodrigues Silva, já no fim do curso, e que podemos considerar rebento, primeiro produto do mencionado grupo literário. A amizade entre ambos era grande, e o mais moço nutria pelo mentor uma exaltada admiração. Morto este, a dor inspirou-lhe alguns belos poemas (quase os únicos que fez), entre os quais, e sobretudo, a famosa Nênia. Nela, o sentimento de amizade se exprimia de um modo já próximo às tonalidades românticas. Ao lamento se incorpora uma figura simbólica de índia — alegoria do Rio de Janeiro — que formula, pela primeira vez no Brasil, certos torneios indianistas, como seriam desenvolvidos na obra de Gonçalves Dias:
Tupá, Tupá, oh numen de meus pais!
Álvares de Azevedo, José de Alencar, Paulo do Vale, Sílvio Romero, Paranapiacaba — todos consideram-na o início da "escola brasileira". Nela se entronca o Indianismo inicial, em São Paulo, que em seguida recebeu o influxo decisivo e dominador de Gonçalves Dias. Em 1844, três anos antes dos Primeiros cantos, temos aqui CÂNTICO DO TUPÍ, IMPRECAÇÃO DO ÍNDIO, PRISIONEIRO ÍNDIO, do futuro barão de Paranapiacaba (natural de Santos), prefigurando o tom gonçalvino. Poetas menores da Faculdade de Direito ligaram-se à mesma tradição, como Antônio Lopes de Oliveira Araújo, autor do belo GEMIDO DO ÍNDIO (1850).
Quando a obra do maranhense dominou o meio literário, dando a impressão de que, afinal, havia poesia brasileira, o terreno já estava preparado em São Paulo, graças a Firmino. Também o ambiente criado pela Filomática não se dissolveria mais, e, extremamente receptivo, iria ficando daí por diante cada vez mais denso, — associações sucedendo a associações, revistas a revistas, até criar aquela saturação rompida pelo advento das correntes parnasianas e naturalistas.
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continua……………
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Fonte:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. RJ: Ouro Sobre Azul, 2006.
Depois desse momento inicial, uma ou outra manifestação literária em São Paulo, ou de paulista — inclusive José Bonifácio, o poeta Américo Elísio — nada trazem de novo para o nosso ponto de vista. Por volta de 1830 é que vamos encontrar uma segunda congregação de homens, valores e idéias, em torno da Revista da Sociedade Filomática, de importância apreciável em nosso Pré-romantismo, como assinalou José Aderaldo Castelo.
Aqui, não se trata de personalidades tão eminentes quanto as dos três anteriores, nem a sua obra escassa possui o mesmo relevo que a deles. Trata-se, porém, de um agrupamento efetivo, não mais virtual, além de exercer sobre os grupos sucessores uma influência direta, como não aconteceu com a dos outros. O seu fator foi a criação da Faculdade de Direito (1827), que desempenharia papel decisivo na literatura em São Paulo.
Num estudo sugestivo, A. Almeida Júnior define com acerto e precisão o verdadeiro caráter da Academia de São Paulo — menos uma escola de juristas do que um ambiente, um meio plasmador da mentalidade das nossas elites do século passado. Bastante deficiente do ponto de vista didático e científico, foi não obstante o ponto de encontro de quantos se interessavam pelas coisas do espírito e da vida pública, vinculando-os numa solidariedade de grupo, fornecendo-lhes elementos para elaborar a sua visão do país, dos homens e do pensamento.
Interessa-nos aqui, justamente, apontar algumas manifestações desse espírito de grupo na literatura; mostrar como a convivência acadêmica propiciou em São Paulo a formação de agrupamentos, caracterizados por idéias estéticas, manifestações literárias e atitudes, dando lugar a expressões originais.
A Sociedade Filomática, fundada em 1833, reuniu alunos e jovens professores, entre os quais Francisco Bernardino Ribeiro, Justiniano José da Rocha, Francisco Pinheiro Guimarães, Antônio Augusto Queiroga, José Salomé Queiroga, nenhum dos quais nascido em São Paulo (eram cariocas os três primeiros, mineiros os dois últimos). Publicaram seis números de uma revista, esboçaram uma atitude bastante ambivalente de reforma anticlássica, promoveram reuniões e representações — agitaram, numa palavra, a pequena cidade de então, estabelecendo nela a literatura como atividade permanente, por meio do seu corpo estudantil. Quanto mais não fosse, este feito bastaria para consagrá-los, a despeito da pobreza quantitativa e qualitativa da sua produção. Há mais, todavia: desse agrupamento de amigos, tomados pelo entusiasmo da construção literária (que foi no Brasil a mola patriótica do Romantismo, a sua motivação consciente), surgiria, como breve fogacho, um poema que iria iluminar a posterior evolução das letras em São Paulo e abrir caminho para uma das suas mais típicas manifestações. O caso foi que em 1837 falecia Francisco Bernardino, aos vinte e três anos, já lente da Faculdade, guia da Filomática, grande esperança do tempo. O moço jurista protegia e orientava nos estudos um conterrâneo, Firmino Rodrigues Silva, já no fim do curso, e que podemos considerar rebento, primeiro produto do mencionado grupo literário. A amizade entre ambos era grande, e o mais moço nutria pelo mentor uma exaltada admiração. Morto este, a dor inspirou-lhe alguns belos poemas (quase os únicos que fez), entre os quais, e sobretudo, a famosa Nênia. Nela, o sentimento de amizade se exprimia de um modo já próximo às tonalidades românticas. Ao lamento se incorpora uma figura simbólica de índia — alegoria do Rio de Janeiro — que formula, pela primeira vez no Brasil, certos torneios indianistas, como seriam desenvolvidos na obra de Gonçalves Dias:
Tupá, Tupá, oh numen de meus pais!
Álvares de Azevedo, José de Alencar, Paulo do Vale, Sílvio Romero, Paranapiacaba — todos consideram-na o início da "escola brasileira". Nela se entronca o Indianismo inicial, em São Paulo, que em seguida recebeu o influxo decisivo e dominador de Gonçalves Dias. Em 1844, três anos antes dos Primeiros cantos, temos aqui CÂNTICO DO TUPÍ, IMPRECAÇÃO DO ÍNDIO, PRISIONEIRO ÍNDIO, do futuro barão de Paranapiacaba (natural de Santos), prefigurando o tom gonçalvino. Poetas menores da Faculdade de Direito ligaram-se à mesma tradição, como Antônio Lopes de Oliveira Araújo, autor do belo GEMIDO DO ÍNDIO (1850).
Quando a obra do maranhense dominou o meio literário, dando a impressão de que, afinal, havia poesia brasileira, o terreno já estava preparado em São Paulo, graças a Firmino. Também o ambiente criado pela Filomática não se dissolveria mais, e, extremamente receptivo, iria ficando daí por diante cada vez mais denso, — associações sucedendo a associações, revistas a revistas, até criar aquela saturação rompida pelo advento das correntes parnasianas e naturalistas.
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Fonte:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. RJ: Ouro Sobre Azul, 2006.
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