Pintura de Baldassare Peruzzi
Na mitologia grega, as musas são filhas de Zeus e de Mnemósine, deusa da Memória. Na época romana adquirem atribuições mais precisas.
Clio presidia à História;
Euterpe à Música;
Talia à Comédia;
Melpómene à Tragédia;
Terpsicore à Poesia ligeira e à Dança;
Érato à Lírica coral;
Polímnia à Pantomina;
Urânia à Astronomia, e
Calíope à Epopeia.
O lugar da sua predileção era o monte Hélicon, onde cantavam e dançavam em companhia de Apolo.
LITERATURA
Literatura, desde Aristóteles, a retórica, reflexão geral sobre as estratégias do comunicação, especializou-se em poética, ou codificação dos diferentes gÊneros da escrita, restringindo-se apenas à elocutto, ornamento, arte de dizer, em detrimento da inventio – invenção, procura de argumentos; e dadispositio – disposição, ordenação. Estabeleceu-se uma hierarquia, do estilo nobre (ou sublime) ao estilo baixo (ou trivial) passando pelo medíocre, correspondente às três classes da sociedade – nobres, burgueses, camponeses. Para simplificar, podem caracterizar-se as obras literárias a partir dos pronomes pessoais e dos tempos verbais nelas dominantes.
Ao eu (presente) corresponde o gênero lírico, ao tu o teatro – cômico ou trágico, segundo a natureza dos personagens; ao ele – passado, a epopeia, o texto narrativo. Os teóricos aplicaram-se em definir as regras que convém a cada gênero e a designar cada uma das suas categorias internas – é este, essencialmente, o objeto das “artes poéticas. De modo que se estabelece um pacto, um contrato de leitura, entre o autor, inscrevendo o seu texto num dado conjunto, e o leitor, que sabe precisamente o tipo de emoções que deve esperar, ou a que princípios estéticos se apela sob uma dada etiqueta. Mas qualquer codificação rigorosa acaba por desagradar ao verdadeiro criador, que procura libertar-se dela ou situar-se noutro lugar; do mesmo modo o leitor cansa-se das formas convencionais.
PROSA E POESIA
A poesia distingue-se do discurso lógico e prático, destinado a nomear os objetos reais, , a exprimir as suas relações evidentes, a definir os fins e os meios de ação. Distingue-se da prosa como uma linguagem eurítmica e eufônica, próxima do canto. Mas, sendo também um discurso na medida em que é linguagem, o canto poético tem sempre um peso para a prosa, do mesmo modo que esta é sempre capaz de se elevar para a poesia.
O exame das etimologias permite traçar com mais segurança uma tal linha de demarcação: à prosa (oratio pró – r- sa), discurso que vai “direito” ao seu referente; opõe-se a mensagem essencialmente organizada pelo regresso (vertere, versus), o pôr em correspondência ou em ressonância de unidade de linguagem, no texto poético. Assim, critérios estruturais presidiam à distinção entre um tipo poético e tipos narrativos, descritivos ou argumentados. A versificação já não surge assim a não ser como uma manifestação particular e institucionalizada do princípio mais geral de repetição.
REGRAS POÉTICAS E REGRA SOCIAL
Da Idade Média à época clássica, a poesia aparece frequentemente submetida a uma arte de dizer que tem por objeto a procura do belo medido segundo o rigor da submissão às regras – regra poética, mas também regra social. O poeta é alternadamente o protegido do senhor, do príncipe ou do rei.
O século XVIII, não pensando que as “luzes” possam vir da poesia, manospreza-a. As convulsões políticas e sociais dos finais dos séculos XVIII e XIX suscitam um questionamento radical do homem, que experimenta subitamente uma dívida para com o mundo e consigo próprio: o princípio da unidade - do mundo, do homem, rompe-se; a poesia dá conta disso. Os românticos lançam o primeiro grito de alarme para denunciar as contingências de uma arte, que já não pode satisfazer a expressão da multiplicidade das aparências descobertas. Mas permanecem ainda submetidos à lei do verso, ao regime do género. Situação que se vai modificando nos séculos seguintes.
O ROMANCE
A narrativa romanesca é essencialmente prosaica, se tomarmos o adjetivo na sua dupla acepção: “escrito em prosa” e “anti-idealista”. Mesmo redigido em verso, o romance toca sempre na prosa pela utilização de uma linguagem corrente, de uma linguagem que, sem ser a de toda a gente, é utilizada quotidianamente por algumas classes privilegiadas: na sua origem, o fenómeno narrativo chamado “romance” é grafado numa linguagem românica, meio erudita, meio popular, língua nacional falada e lida por aqueles que querem ser os criadores e os chefes de uma nação. Os factores linguísticos, políticos e sociais que determinam o aparecimento do romance no Ocidente cristão têm os seus homólogos nas terras do Islão, no Japão ou na China. Prosaico é-o também o romance enquanto confronta tantos os seus heróis como os seus leitores com todos os aspectos da existência dos homens, nos planos social, psicológico e moral. Assim, nas suas origens, os romances de cavalaria relatam as aventuras que um herói atravessa para obter o bem pelo qual luta – na maior parte das vezes, o amor de sua dama – e já não os grandes feitos realizados ao serviço de uma causa, como celebram as canções de gesta.
O ROMANCE E A HISTÓRIA
Seja ele o aliado ou a negação do determinismo histórico, o romance é uma ficção de caráter histórico, a qual considera o homem comprometido num futuro e numa história coletiva. O romance de educação que descreve a formação moral e intelectual de um herói, é uma das grandes tradições do romance europeu. Do confronto com a história resulta uma grande variedade de tipos humanos, heróis de romance e representantes da sua época: do ambicioso, ao homem revoltado até ao homem estranho a si próprio. Esta relação com a história e com um futuro aberto traduz-se no plano narrativo. O romance recria as condições de experiência do presente histórico: aumento das percepções do mundo, incertezas e obscuridade do futuro.
O sabor do real faz parte do prazer da leitura de romances, e podemos pensar que o sucesso do romance realista do século XIX tinha igualmente a ver com o apetite de conhecimento de leitores para os quais os romances, publicados em folhetins na imprensa, constituíam a principal abertura ao mundo. Com o impulso das ciências humanas e da história das mentalidades, por um lado, da multiplicação dos meios de informação, por outro, os romancistas do século XX perderam o apanágio desta função de instrução. Reinvestiram nas funções de imaginação, estética e crítica, passando pelo questionamento do romance tradicional – daí o divórcio observado entre “romance de consumo” e “romance de criação”. Mas a leitura de romances é também a entrega ao “romanesco”, terreno de jogo intelectual com as mil e uma convenções através das quais se instaura a ilusão do real. Com isto, o romance surge sempre como o paraíso da leitura e o lugar de emergência de todas as possibilidades.
TEATRO
Já o Teatro surge sempre associado à religião ou em fases da vida social e política não estabilizadas. Essa relação religiosa surge-nos comprovada através de formas rituais, onde rito, liturgia e cerimônia são formas embrionárias de “espetáculos” só compreensíveis no espaço lúdico que todas as sociedades expressam numa simbiose entre o sagrado e o profano. A Poética, de Aristóteles, os tratados hindus, como o Natyastra, de Bharata, ou os princípios expostos por Zeami para o teatro japonês – embora diferenciados temporalmente – são a expressão teórica de uma prática social do teatro na sua estreita articulação com o sentimento religioso, primeiro de pequenas comunidades ou, mais tarde, da cidade como lugar cívico por excelência, de que a polis grega é a expressão mais evidente.
No teatro ocidental o primor da estética aristotélica vai ser dominante. Desde logo porque ela obrigará a repensar a diferença fundamental entre o teatro enquanto gênero literário dramático, por um lado, e, por outro, a sua projeção cênica, representada por atores num palco e dita perante o público. O florescimento da tragédia grega, paradigmaticamente representada pela produção de Esquilo, Sófocles e Eurípedes, irá assumir uma importância decisiva no estabelecimento de uma poética e prática teatrais que determinarão decisivamente os grandes vetores da criação dramática até aos nossos dias.
Fonte:
Colaboração de Carlos Leite Ribeiro, Portal CEN. Extrato do artigo A Casa das Musas
Clio presidia à História;
Euterpe à Música;
Talia à Comédia;
Melpómene à Tragédia;
Terpsicore à Poesia ligeira e à Dança;
Érato à Lírica coral;
Polímnia à Pantomina;
Urânia à Astronomia, e
Calíope à Epopeia.
O lugar da sua predileção era o monte Hélicon, onde cantavam e dançavam em companhia de Apolo.
LITERATURA
Literatura, desde Aristóteles, a retórica, reflexão geral sobre as estratégias do comunicação, especializou-se em poética, ou codificação dos diferentes gÊneros da escrita, restringindo-se apenas à elocutto, ornamento, arte de dizer, em detrimento da inventio – invenção, procura de argumentos; e dadispositio – disposição, ordenação. Estabeleceu-se uma hierarquia, do estilo nobre (ou sublime) ao estilo baixo (ou trivial) passando pelo medíocre, correspondente às três classes da sociedade – nobres, burgueses, camponeses. Para simplificar, podem caracterizar-se as obras literárias a partir dos pronomes pessoais e dos tempos verbais nelas dominantes.
Ao eu (presente) corresponde o gênero lírico, ao tu o teatro – cômico ou trágico, segundo a natureza dos personagens; ao ele – passado, a epopeia, o texto narrativo. Os teóricos aplicaram-se em definir as regras que convém a cada gênero e a designar cada uma das suas categorias internas – é este, essencialmente, o objeto das “artes poéticas. De modo que se estabelece um pacto, um contrato de leitura, entre o autor, inscrevendo o seu texto num dado conjunto, e o leitor, que sabe precisamente o tipo de emoções que deve esperar, ou a que princípios estéticos se apela sob uma dada etiqueta. Mas qualquer codificação rigorosa acaba por desagradar ao verdadeiro criador, que procura libertar-se dela ou situar-se noutro lugar; do mesmo modo o leitor cansa-se das formas convencionais.
PROSA E POESIA
A poesia distingue-se do discurso lógico e prático, destinado a nomear os objetos reais, , a exprimir as suas relações evidentes, a definir os fins e os meios de ação. Distingue-se da prosa como uma linguagem eurítmica e eufônica, próxima do canto. Mas, sendo também um discurso na medida em que é linguagem, o canto poético tem sempre um peso para a prosa, do mesmo modo que esta é sempre capaz de se elevar para a poesia.
O exame das etimologias permite traçar com mais segurança uma tal linha de demarcação: à prosa (oratio pró – r- sa), discurso que vai “direito” ao seu referente; opõe-se a mensagem essencialmente organizada pelo regresso (vertere, versus), o pôr em correspondência ou em ressonância de unidade de linguagem, no texto poético. Assim, critérios estruturais presidiam à distinção entre um tipo poético e tipos narrativos, descritivos ou argumentados. A versificação já não surge assim a não ser como uma manifestação particular e institucionalizada do princípio mais geral de repetição.
REGRAS POÉTICAS E REGRA SOCIAL
Da Idade Média à época clássica, a poesia aparece frequentemente submetida a uma arte de dizer que tem por objeto a procura do belo medido segundo o rigor da submissão às regras – regra poética, mas também regra social. O poeta é alternadamente o protegido do senhor, do príncipe ou do rei.
O século XVIII, não pensando que as “luzes” possam vir da poesia, manospreza-a. As convulsões políticas e sociais dos finais dos séculos XVIII e XIX suscitam um questionamento radical do homem, que experimenta subitamente uma dívida para com o mundo e consigo próprio: o princípio da unidade - do mundo, do homem, rompe-se; a poesia dá conta disso. Os românticos lançam o primeiro grito de alarme para denunciar as contingências de uma arte, que já não pode satisfazer a expressão da multiplicidade das aparências descobertas. Mas permanecem ainda submetidos à lei do verso, ao regime do género. Situação que se vai modificando nos séculos seguintes.
O ROMANCE
A narrativa romanesca é essencialmente prosaica, se tomarmos o adjetivo na sua dupla acepção: “escrito em prosa” e “anti-idealista”. Mesmo redigido em verso, o romance toca sempre na prosa pela utilização de uma linguagem corrente, de uma linguagem que, sem ser a de toda a gente, é utilizada quotidianamente por algumas classes privilegiadas: na sua origem, o fenómeno narrativo chamado “romance” é grafado numa linguagem românica, meio erudita, meio popular, língua nacional falada e lida por aqueles que querem ser os criadores e os chefes de uma nação. Os factores linguísticos, políticos e sociais que determinam o aparecimento do romance no Ocidente cristão têm os seus homólogos nas terras do Islão, no Japão ou na China. Prosaico é-o também o romance enquanto confronta tantos os seus heróis como os seus leitores com todos os aspectos da existência dos homens, nos planos social, psicológico e moral. Assim, nas suas origens, os romances de cavalaria relatam as aventuras que um herói atravessa para obter o bem pelo qual luta – na maior parte das vezes, o amor de sua dama – e já não os grandes feitos realizados ao serviço de uma causa, como celebram as canções de gesta.
O ROMANCE E A HISTÓRIA
Seja ele o aliado ou a negação do determinismo histórico, o romance é uma ficção de caráter histórico, a qual considera o homem comprometido num futuro e numa história coletiva. O romance de educação que descreve a formação moral e intelectual de um herói, é uma das grandes tradições do romance europeu. Do confronto com a história resulta uma grande variedade de tipos humanos, heróis de romance e representantes da sua época: do ambicioso, ao homem revoltado até ao homem estranho a si próprio. Esta relação com a história e com um futuro aberto traduz-se no plano narrativo. O romance recria as condições de experiência do presente histórico: aumento das percepções do mundo, incertezas e obscuridade do futuro.
O sabor do real faz parte do prazer da leitura de romances, e podemos pensar que o sucesso do romance realista do século XIX tinha igualmente a ver com o apetite de conhecimento de leitores para os quais os romances, publicados em folhetins na imprensa, constituíam a principal abertura ao mundo. Com o impulso das ciências humanas e da história das mentalidades, por um lado, da multiplicação dos meios de informação, por outro, os romancistas do século XX perderam o apanágio desta função de instrução. Reinvestiram nas funções de imaginação, estética e crítica, passando pelo questionamento do romance tradicional – daí o divórcio observado entre “romance de consumo” e “romance de criação”. Mas a leitura de romances é também a entrega ao “romanesco”, terreno de jogo intelectual com as mil e uma convenções através das quais se instaura a ilusão do real. Com isto, o romance surge sempre como o paraíso da leitura e o lugar de emergência de todas as possibilidades.
TEATRO
Já o Teatro surge sempre associado à religião ou em fases da vida social e política não estabilizadas. Essa relação religiosa surge-nos comprovada através de formas rituais, onde rito, liturgia e cerimônia são formas embrionárias de “espetáculos” só compreensíveis no espaço lúdico que todas as sociedades expressam numa simbiose entre o sagrado e o profano. A Poética, de Aristóteles, os tratados hindus, como o Natyastra, de Bharata, ou os princípios expostos por Zeami para o teatro japonês – embora diferenciados temporalmente – são a expressão teórica de uma prática social do teatro na sua estreita articulação com o sentimento religioso, primeiro de pequenas comunidades ou, mais tarde, da cidade como lugar cívico por excelência, de que a polis grega é a expressão mais evidente.
No teatro ocidental o primor da estética aristotélica vai ser dominante. Desde logo porque ela obrigará a repensar a diferença fundamental entre o teatro enquanto gênero literário dramático, por um lado, e, por outro, a sua projeção cênica, representada por atores num palco e dita perante o público. O florescimento da tragédia grega, paradigmaticamente representada pela produção de Esquilo, Sófocles e Eurípedes, irá assumir uma importância decisiva no estabelecimento de uma poética e prática teatrais que determinarão decisivamente os grandes vetores da criação dramática até aos nossos dias.
Fonte:
Colaboração de Carlos Leite Ribeiro, Portal CEN. Extrato do artigo A Casa das Musas
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