quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Viviane Colin (O Dia da Fuga na Chuva)


O dia amanheceu chuvoso. Jandira espiou pela janela e sentiu um arrepio forte na sua nuca:

- Será que terei coragem? - questionou-se.

Mal tinha dormido naquela noite. Acordou de hora em hora, ansiosa pelo início da manhã. Pensava no que lhe esperava ao longo do dia:

- Se conseguir, será o dia mais importante da minha vida - pensava.

Estava assim, dispersa, vendo a chuva cair na rua, quando escutou os sons comuns das suas manhãs: a descarga e o marido limpando a garganta, a filha ligando o chuveiro, o despertador seguido de rock vindo do quarto do caçula.

Assustou-se e correu para a cozinha:

- Vou fazer logo esse café! - decidiu.

Sentiu um certo alívio quando se viu sozinha em casa. Podia se trocar com calma e seguir com o seu plano.

Colocou algumas roupas dentro de uma pequena bolsa de viagem, vestiu uma saia cinza, uma cacharrel vermelha, uma bota de couro preta e um lenço amarelo na cabeça. Por cima, uma grossa capa azul-marinho. Odiava os guarda-chuvas.

Também tirou da gaveta o velho óculos escuro, que não usava havia pelo menos cinco anos:

- Nunca mais Ernesto nos levou à praia no verão - lembrou, com certa amargura.

Saiu de casa, trancou a porta e não olhou para trás.

A chuva havia dado uma trégua e ela caminhou tranquila até o ponto, onde pegou o ônibus para o Centro.

Andou pelos calçadões cheios de poças, olhou as vitrines com um prazer de mulher livre e, na hora do almoço, comeu um lanche barato num fast-food comum.

Depois, tomou outro ônibus para a Zona Norte. Ainda não eram duas da tarde quando chegou. Haviam marcado às cinco na frente do portão principal do Horto.

A chuva voltava a ficar forte e o céu, agora, transformava-se: estava assustador.

Jandira não se intimidou. Olhou em volta, as pessoas correndo para se proteger da tempestade. Mas ela iria esperar até a hora que fosse. Não compreendia como tinha tido coragem de chegar até ali, mas, já que havia ido tão longe, atravessou a rua e se postou sob o orelhão, bem em frente ao portão do parque.

A gotas caiam com cada vez mais força e ela, sozinha, começou a ter dúvidas.

Quis ir embora, mas acreditava que precisava ficar.

Estava paralisada e confusa. Sua cabeça girava, o coração batia apressado e os olhos, marejados de lágrimas que não caiam, não viam mais nada. Nem sabe ao certo quanto tempo ficou lá.

A tempestade foi se dissipando, o ar ficou fresco e, de repente, percebeu que a noite se aproximava. Sentiu medo e, só então, conseguiu se mexer, sair da imobilidade que tomou conta dela e correr para pegar um ônibus de volta para casa, para a sua vida.

Cinco minutos depois, chegaria um carro e pararia bem em frente ao portão do parque. Cleber desceria e veria o orelhão vazio. Onde ela estaria?

O homem ficou lá alguns minutos, a chuva voltou a cair e ele logo percebeu: nunca mais saberia dela.

Fonte:
Diário Dez. Jornal O Diario de São Paulo de 24 a 30 de julho de 2011. ano 4. n. 197.

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