quarta-feira, 16 de maio de 2012

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Teoria Literária) Parte 4


2º CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

Diariamente estão sendo postados Resumos dos Simpósios que serão apresentados em 13 a 15 de junho, até totalizar os 25 a serem apresentados.

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.


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José Nicolau Gregorin Filho
Thiago Alves Valente
LITERATURA INFANTIL E ENSINO: ROTAS, DESVIOS E DESAFIOS


As discussões sobre a natureza de qualquer campo de estudos são constantes e necessárias. Entretanto, nota-se, quanto aos estudos sobre literatura infantil ou juvenil, a estabilidade no meio acadêmico referente à ideia de existência de subsistemas literários ou culturais que têm nas crianças e jovens suas marcas mais evidentes. A mesma situação ocorre com a relação entre o literário e o pedagógico, discussão que, por mais pertinente que seja, aponta para o predomínio, nos meios legitimadores do “literário”, da obra de caráter estético.

Apesar dessas duas situações de estabilidade que podem indicar a conquista efetiva do espaço acadêmico e cultural por parte dos estudos em literatura “infantil”, foco deste simpósio, observa-se que essas discussões ainda estão distante das escolas de Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio). O quadro se torna ainda mais agravante à medida que a articulação entre obras de reconhecido valor literário, estudadas e devidamente abordadas por metodologias atualizadas, encontram-se à disposição nas bibliotecas e não são lidas pelo público escolar. A isso se acrescenta a ausência de mecanismos de veiculação da crítica literária voltada à literatura infantil no meio midiático. Observa-se, porém, uma situação anterior à escola como espaço de divulgação e concretização do texto literário. Trata-se do papel da pesquisa, isto é, no Brasil, do meio acadêmico majoritariamente universitário frente ao problema de se divulgar, mas, sobretudo, de constituir e manter uma crítica literária ativa, engajada com a árdua tarefa de trazer ao público não especializado questões de qualidade literária quando o assunto é livro para crianças.

É notória a ausência de publicações de ampla circulação sobre o tema. Também é perceptível que o mercado ocupa esta posição num processo de autopromoção das qualidades de seus produtos, conclamando para isso, contraditoriamente, a própria academia e agentes culturais muito próximos dela. Surgem, assim eventos de divulgação de livros, palestras com escritores, projetos de leitura institucionalizados ou não, entre muitas outras práticas muitas vezes custeadas pelas próprias editoras.

Este simpósio, enfim, busca discutir justamente a ocupação deste espaço, lançando questionamentos sobre:

1) a relação entre a universidade e a sociedade de modo geral, o que traz à baila o problema dos limites entre o conhecimento desinteressado e a ausência de engajamento ou alienação dos problemas sociais;

2) o engajamento do meio acadêmico com o “direito à literatura”, premissa posta à margem de discussões aparentemente mais substanciais para a educação brasileira;

3) a relação entre texto literário de qualidade reconhecida com as práticas de leitura realizadas em sala de aula;

4) as perspectivas artísticas, culturais e educacionais para o tratamento do texto literário infantil como espaço de emancipação pessoal e formação do leitor;

5) as tendências estéticas, temáticas e formais, quanto à produção nacional e internacional direcionada ao público infantil.

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Paulo Astor Soethe
Wolf-Dietrich Sahr
LITERATURA SEM MORADA FIXA - ESPAÇOS E MOBILIDADES


As expressões literárias muitas vezes conformam, além do seu conteúdo estético e social, a construção de espacialidades sociais. Dessa maneira, configurações de trajetos temporal-espaciais ambientam e interligam elementos textuais e realidades vividas.

A partir do século XVIII, na fase da globalização capitalista, desenvolveu-se uma gama de textos cujos recortes temáticos e princípios estruturadores concentram-se sobre espaços que ultrapassam largamente o lugar fixo: são romances e relatos de viagem (em parte marcados pela dicção científica), baladas e dramas sequenciais, ensaios e diários. Inspiradas por abordagens de Friedrich Nietzsche (Geofilosofia) e reflexões mais recentes como as de Gilles Deleuze e Félix Guattari, estabelecem-se noções, como desterritorialização e reterritorialização, espaço liso e espaço estriado, que permitem refletir sobre a relação entre texto e paisagem, entre formas textuais e tradições culturais, entre atitudes de leitura e lugares de enunciação.

Assim, esperamos poder discutir uma Geoliteratura que se propõe criar, acompanhar, aprofundar e criticar espaços literários e seu diálogo com diferentes vivências socioespaciais. Inclui-se nessa perspectiva a reflexão do romanista alemão Ottmar Ette (Universidade de Potsdam), que, sobretudo em sua trilogia ÜberLebenswissen [SaberSobreViver], ZwischenWeltenSchreiben [EscreverEntreMundos] e Zusammenlebenswissen [SaberConviver], propõe a concepção de uma “literatura sem morada fixa”. A fim de superar as limitações metodológicas e conceituais presentes no par opositivo “literatura nacional” / “literatura mundial” (Weltliteratur), e para evitar classificações identitárias excludentes como “literatura de migração”, Ette propõe privilegiar no exercício da leitura os elementos textuais e contextuais ligados à mobilidade de personagens, mercadorias, tecnologias, ideias, linguagens.

Os textos em si mesmos, ao transitar e fazer transitar, provocam mobilidades e trajetos reflexivos no interior de sua arquitetura e orquestração formal. Para além de aspectos temáticos ou formais intrínsecos, os textos transitam de uma comunidade interpretativa para outra (por exemplo, por meio da tradução) e criam com isso dinâmicas de comunicação e não-comunicação diferenciais que projetam novas espacialidades. Nessas configurações, inserem-se novas formas textuais e consolidam-se novas bases midiáticas, tais como literatura virtual, street poetry, manifestações performáticas (presenciais ou midiáticas), que se movem de maneira imediata no espaço físico e virtual, onipresente e ilimitado.

Em síntese, o simpósio pretende discutir, a partir de exemplos e considerações teóricas, tendências interpretativas e de pesquisa acerca das categorias de espacialidade e mobilidade em textos literários (seja de matriz hermenêutica, seja de matriz descontrucionista, seja de matriz não-representacional), a fim de apontar traços comuns e disparidades entre essas tendências, os ganhos reflexivos ou as incompatibilidades que resultem da tentativa de se estabelecer um tal diálogo.

15
Divanize Carbonieri
Alvany Rodrigues Noronha Guanaes
NARRATIVAS DE SUPERAÇÃO E DE ANIQUILAÇÃO NAS LITERATURAS AMERÍNDIAS, AFRICANAS E AFRO-DESCENDENTES


Este simpósio pretende enfocar a prosa de ficção das literaturas ameríndias, africanas e afrodescendentes, preferencialmente, mas não de forma exclusiva, nas línguas portuguesa e inglesa. O recorte empreendido nessa ampla produção literária abrange as narrativas que representam situações individuais ou coletivas de violência ou sofrimento. De que estratégias esses autores lançam mão para ir além do que seus personagens e/ou coletividades vivenciam historicamente? É possível alguma transcendência do trauma histórico? Ou, ao contrário, existe um esgotamento de todos os recursos, inclusive os narrativos, aniquilando qualquer possibilidade de redenção, qualquer esperança de futuro, qualquer retorno a um passado mais feliz? O ato de narrar confirma ou contraria a ideia de que a obra literária pode ser vista como um mecanismo de compensação para a imobilidade da vida extraliterária?

Diante desses questionamentos, a abordagem teórica proposta para essa análise é, em grande parte, dada pelo referencial dos estudos pós-coloniais. Apesar das diversas possibilidades de definição, é possível entender as literaturas pós-coloniais no seu aspecto amplo, que envolve tanto as manifestações literárias de grupos oprimidos espalhados pelo mundo quanto aquelas produzidas pelas culturas que passaram e foram além do jugo da colonização imposto a elas pelas nações europeias. A existência de fluxos e deslocamentos constantes parece marcar essas produções, desestabilizando certezas a respeito da construção de identidades e da experiência de tempos e espaços. Partindo da conceituação de Zygmunt Bauman (1998) de uma pós-modernidade líquida, em que existe a necessidade de não se adotar nenhuma identidade com excessiva firmeza porque todas elas estão em processo de liquefação, pensamos que o atributo do transitório é um traço característico dessas realizações estéticas.

Assim, as experiências temáticas e estilísticas dos movimentos, trânsitos e fluxos tornam-se também um objeto de estudo especial neste simpósio. Se esses deslocamentos geram verdadeiras transformações ou se apenas aniquilam o já existente é uma das questões que se levantam no exame dessas obras. Em outras palavras, o que pretendemos é o exame de alguns eixos temáticos principais, como as questões de pertencimentos e não pertencimentos, movimentações, trânsitos e mesmo imobilismos de diversas naturezas, identificações e diluição das identidades, resistências, transformações e abandonos da agência transformadora.

No campo estilístico e formal, busca-se o desvendamento das configurações espaciais e temporais dessa produção literária, com o escrutínio dos novos cronotopos propostos, além do delineamento de seus modos, estratégias e soluções narrativas. Ainda são levados em consideração os elementos contextuais que surgem das relações entre literatura, história, política e sociedade.

Portanto, serão aceitos trabalhos que tratem dessas relações e que reflitam sobre os processos de mudança ou estagnação sofridos por sujeitos que se encontram em situações de opressão. Investigações a respeito das possíveis pedagogias estabelecidas pelos autores em suas tentativas de demonstrar caminhos de saída viáveis aos leitores também são esperadas. Além disso, como não poderia deixar de ser, também serão contempladas discussões acerca da impossibilidade de superação diante de alguns tipos de devastação histórica e psicológica.

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Antonio Carlos de Melo Magalhães
Salma Ferraz
O DEMONÍACO NA LITERATURA


Na relação que se estabelece entre os diferentes estilos, gêneros e tradições de textos literários, um dos temas recorrentes é o do demoníaco na literatura, mesmo na literatura que pode ser interpretada como crítica da religião. Seja na literatura antiga, chamada muitas vezes de religiosa, como são os textos da Bíblia,do Alcorão, da Bíblia hebraica e cristã em suas diferentes versões, da vastíssima literatura hebraica fora da circunscrição teológico-literária mais institucional, dos textos denominados apócrifos, etc, seja na literatura considerada não religiosa, a presença do tema do demoníaco e suas mais diversas representações, tais como o diabo, o mal, satanás, o demônio, etc. são constantemente retomadas, reescritas, ampliadas, criticadas.

Da literatura antiga, o primeiro grande exemplo é o texto bíblico hebraico e cristão, mas também os muitos textos denominados apócrifos, já que não importa ao simpósio nenhum tipo de canonicidade prévia, até porque o canônico manifesta tradições afins a outras tradições consideradas não-canônicas. Além destes textos, o simpósio acolherá trabalhos para análise que contemplem textos chamados religiosos ainda não amplamente conhecidos, mas que já tenham recebido ou que possam receber interpretações baseadas na crítica e na teoria da literatura. Abre-se, portanto, a possibilidade de sermos confrontados com textos religiosos em novas versões literárias e culturais. Nas muitas literaturas recentes não faltam exemplo da temática do demoníaco. Assim sendo, o demoníaco não está circunscrito à religião formal e institucional, antes se tornou um tema constitutivo de muitas narrativas literárias, além de fazer parte de imaginários e representações das mais diferentes camadas da cultura brasileira.

O tema deste simpósio assume a tarefa de trabalhar o tema do demoníaco no chamado texto religioso e no texto literário, ou também na relação entre ambos, ainda que seja necessário e importante destacar que alguns dos textos antigos, denominados de religiosos, sejam em sua constituição, escrita, formação, desenvolvimento e recepção textos literários e, por conseguinte, passíveis de serem compreendidos na vasta história da literatura e a partir de enfoques teóricos da crítica e da teoria da literatura.

Os trabalhos do simpósio estarão focados nas diversas manifestações do demoníaco na literatura e poderão ser desenvolvidos e apresentados a partir de textos de diferentes épocas, estilos e gêneros. O foco será o tema, não o período, não o estilo, não o gênero. Parte-se do pressuposto que os textos a serem apresentados incluirão enfoques teóricos oriundos de correntes como os da intertextualidade, da interdiscursividade, da literatura comparada, de teorias da cultura voltadas para literatura marcada pela oralidade no Brasil,assim como as teorias voltadas para os textos clássicos religiosos, como são os textos bíblicos e os chamados apócrifos.

O fundamental será desenvolver leituras e interpretações que garantirão competência e domínio do tema, além de busca de acuidade e profundidade na análise literária, na crítica e na teoria da literatura. Outrossim, é importante destacar que o demoníaco evoca os resquícios do mítico na história do pensamento, ainda que a alusão a ele se dê em esferas não tradicionalmente religiosas, como pode ser o caso do pensamento filosófico e mesmo científico.

O demoníaco permite, portanto, esta fronteira do pensamento, esta linha tênue entre o religioso, o literário, outras formas de criar e desenvolver o pensamento e sedimentar as culturas. Se as figuras do diabo, de satanás são figuras tradicionalmente religiosas, em grande parte cultivadas e interpretadas na história das religiões, o demoníaco, por sua vez, estabelece uma fronteira criativa com essas figurações do mal, mas também continua a constituir a criatividade em outras tradições do pensamento, sem deixar de manter certo vínculo com as muitas formas de sua representação na história da cultura, das civlizações e da religião.

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Alexandre Villibor Flory
Allan Valenza da Silveira
O PAPEL DO TEATRO NA LITERATURA BRASILEIRA


Quando estudamos a teoria dos gêneros literários, nenhum pesquisador cogitaria deixar de lado o gênero dramático, até mesmo porque a teoria literária não prescinde da Poética, de Aristóteles, para ficar apenas em um exemplo eloquente.

Mas o teatro brasileiro não goza do mesmo prestígio, ficando relegado a um papel meramente indicativo na maioria dos cursos de Letras. Isso levaria a pensar que, no Brasil, o teatro não estaria à altura da poesia e da narrativa. Porém, com um olhar mais acurado sobre a qualidade da produção dramática brasileira, esse rebaixamento mostra-se falso. Mas, não podemos negar que a qualidade do texto teatral brasileiro não lhe rendeu, academicamente, o mesmo espaço que os outros gêneros receberam tanto em termos de história como de teoria e crítica.

Entretanto, esse pouco interesse sobre a dramaturgia brasileira não é diretamente proporcional a uma baixa qualidade de investigação, bem pelo contrário. O jovem Machado de Assis, na quadra dos vinte anos, estava tomado pelas perspectivas formadoras do teatro no Brasil, desdobrando-se como autor teatral, crítico e parecerista do Ginásio Dramático; José de Alencar e Gonçalves Dias também participaram ativamente de nossa vida teatral, em capítulos pouco estudados de nossa história literária. Tudo isso corrobora a autoavaliação de Antonio Candido, em um dos prefácios de sua Formação da literatura brasileira, de que faltou o teatro em suas páginas.

O século XX, dentro de sua característica metalinguística, viu o surgimento, especialmente a partir dos anos 40, de grupos relativamente estáveis, com propostas estéticas ousadas e uma busca formal incessante, discutindo a função social da arte por obras de elevado interesse formal e temático. Essa perspectiva não se restringe ao eixo São Paulo - Rio de Janeiro, mas também ocorre um diálogo importante no interior do Brasil e em outras regiões, como no Nordeste. Esses são alguns poucos exemplos do que costuma ficar à margem de nossa história literária, até mesmo porque sua ênfase recai sobre autores individuais e obras específicas. Essa historiografia se vê diante de enormes dificuldades – metodológicas, epistemológicas e, por que não, ideológicas – no trato com o teatro vivo, seja entendido como processo criativo (concepção do texto dramático), como organização da atividade artística (processo de trabalho em grupo) e encenação propriamente dita (com recepção imediata), níveis esses dificilmente isoláveis no campo teatral.

Como se vê por esse breve apanhado, por vários motivos ocorre uma espécie de apagamento dessa história que precisa ser compreendida, e essa lacuna, paulatinamente, preenchida, o que é dificultado pelo espaço reservado nos cursos de Letras à literatura dramática. Esse Simpósio pretende contribuir para essa atualização de nossa história literária, ao abrir um espaço para discutir o papel do teatro em nossa literatura, em todas as frentes em que ela se desdobra: como história, crítica, teoria e interpretação de obras ou de encenações.

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Rosana Cássia Kamita
Regina Célia dos Santos Alves
O ROMANCE BRASILEIRO


Considerado híbrido, em constante transformação, ora um gênero menor, ora visto como possuidor de um caráter político com atuação direta na sociedade, o romance tornou-se referencial devido ao seu caráter livre e multiforme, com intensa capacidade de se modificar ao longo do tempo, adaptando-se a diferentes momentos e lugares. Bakhtin pensava o romance como um gênero em constante renovação, e se pode compreender sua posição ao apontar que a teoria dos gêneros serve como critério e é constantemente reavaliada a partir das obras produzidas e não o contrário. Ou seja, é a própria produção dos textos literários em suas variadas formas que impulsiona o estudo dos gêneros.

Numa outra linha de investigação, mas também tentando compreender o gênero, Ian Watt (A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.) aponta o realismo formal, embora também responsável pelo aspecto amorfo do romance, como um de seus principais traços distintivos, que se faz observar, por exemplo, na visão circunstancial e cotidiana da vida, com alto grau de individualização das personagens e detalhamento de seu ambiente. O ser humano e a vida são, portanto, suas preocupações centrais, vinculando romance à determinada sociedade, em dado tempo e lugar.

No Brasil, não obstante as controvérsias acerca da origem do romance, é sem dúvida a partir do século XIX, com o movimento romântico, que o gênero toma fôlego, passando a ser uma das formas literárias mais importantes no país não só naquele momento, mas também nos subsequentes.

No século XIX, em especial durante o Romantismo, passa a ser um importante instrumento na descoberta do país, na medida em que toma como uma de suas principais tarefas não só o entretenimento ou a fruição estética, mas o conhecimento do Brasil no tocante ao passado histórico, mítico e lendário, bem como aos costumes, às paisagens e vidas quase desconhecidas do sertão e à vida urbana, a qual, no país daquele momento, se resumia à vida na corte. Os romances de Alencar são flagrantes nesse sentido e nessa espécie de missão em que parecia se achar envolvido o gênero quando, então, a nação carecia com urgência de formas de identidade e de legitimação.

O final do século XIX acentua o traço analítico já ensejado no romance romântico. O apoio, não raro, no arsenal científico e filosófico que formava as bases do pensamento ocidental à época - afastando-se portanto da visão idealizante romântica -, leva o gênero a acentuar as preocupações acerca das mazelas sociais, expondo um mundo repleto de vícios e corrupções. Não apenas os romances naturalistas apontam para essa direção, mas inclusive, e certamente de maneira muito mais aguda, os romances machadianos.

Distante dos preceitos ortodoxos naturalistas, o romance de Machado de Assis, como afirma João Alexandre Barbosa, inaugura a modernidade do romance brasileiro, ao trazer para primeiro plano a tensão entre realidade e representação. Sua singularidade, assim, estaria na capacidade de transformar “a linguagem da realidade em realidade da linguagem” (A modernidade do romance. IN: PROENÇA FILHO, Domício (org.) O livro do seminário. São Paulo:LR Editores, 1983, p.25.). Essa consciência do fazer literário acompanharia, ora em grau maior, ora menor, toda a produção romanesca do século XX, desde aquelas formas mais radicais e experimentais àquelas de traçado mais convencional e conservador.

No cenário nacional, portanto, o romance mostra-se em constante processo de transformação, como parece ser próprio do gênero, mesmo quando se evidenciam alguns traços que o marcaram fortemente no século XIX e também em alguns momentos do século XX, como o naturalismo e o regionalismo. Na dinâmica de sua evolução, abre-se para diferentes possibilidades, revela-se fluido e de difícil caracterização, adaptando-se a diferentes intenções, mimetizando finalidades diversas.

No século XXI, o gênero apresenta alguns contornos e características ao mesmo tempo em que se mostra ainda em formação, difuso em suas várias potencialidades, o que incentiva seu estudo. Nesse sentido, a proposta para este simpósio é a de tentar compreender as manifestações de obras no gênero romance, de autores brasileiros, e procurar estabelecer as características assumidas pelo gênero, sua construção e elaboração, experimentações, traços que possam vir a ser considerados específicos em determinados períodos, além das principais temáticas abordadas.

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Raquel Lazzari Leite Barbosa
Sérgio Fabiano Annibal
O SUJEITO LEITOR, A LEITURA E O ATO DE LER NA LITERATURA, NA EDUCAÇÃO E NAS MÍDIAS


Procuraremos trazer a discussão acerca da leitura como habilidade capaz de contribuir na performance do sujeito na cultura. Trata-se de uma proposta ampla, que visa compreender de que forma os estudos da leitura e as representações sociais sobre o ato de ler vêm sendo discutidos em diversas áreas:

Educação, no que diz respeito à formação de professores e gestores, nas abordagens feitas pelos livros didáticos e nas relações didáticas implícitas neste processo;

Literatura, uma vez que, a partir da leitura literária, sua análise e refração em ambientes escolares, suas contribuições para a estética e para o fomento do gosto literário estarão em voga para se pensar o ato de ler;

Linguística, ciência de que lançaremos mão para entender de que maneira o texto é arquitetado pela linguagem, no que tange à produção do ato de ler tanto nos aspectos sintáticos quanto semânticos da língua e seus efeitos de sentido tanto para quem ensina como para quem aprende, ou seja, como a leitura é engendrada no texto a fim de produzir um sentido na cultura;

Comunicação, que será utilizada para situar de que maneira a leitura midiática se processa e vem sendo representada nesta área do conhecimento;

Educomunicação, campo novo e em pleno debate tanto na Comunicação como na Educação, e que consistirá na busca de compreensão da leitura neste novo campo e o olhar sobre o sujeito que lê as mídias e sua constituição linguística e cultural.

Ademais, outras áreas podem contribuir para este debate, como, por exemplo, a Fonoaudiologia, a Psicologia e a Neurociência, dentre muitas outras áreas dispostas a pensar o ato de ler, o sujeito leitor e suas representações. Para tanto, a metodologia também será hibrida e advinda destas áreas: História, Comunicação, Semiótica, Estudos Literários, dentre outras.

Neste contexto, o ato de ler apresenta relação direta com as representações sociais dos sujeitos, podendo produzir um movimento de construção e reconstrução destas representações por meio da leitura e, consequentemente, interferindo nas maneiras pelas quais o sujeito enfrenta e concebe o espaço cultural em que transita. Esta abertura nas apresentações sobre Leitura é justificável pelas tentativas demonstradas por meio das produções acadêmicas oriundas de diversos campos do conhecimento. São opções teóricas para se conhecer mais sobre o assunto e, dessa forma, ampliar a pesquisa e o debate sobre o tema, configurando várias entradas teóricas para a leitura, cada uma com suas particularidades e sistematizações, pois não basta nos debruçarmos apenas sobre os resultados, isto é, se o indivíduo apresenta ou não um bom desenvolvimento de leitura. É preciso mapear os processos que conduzem ao ato de ler em vários suportes e, sobretudo, captar quais os sentidos que estes estudos e seus impactos apresentam e até que ponto eles conseguem corroborar os esforços de entendimento e desenvolvimento da leitura como prática social capaz de oferecer maior transito social para o sujeito.

Portanto, dentre os resultados esperados estão a tentativa de se repensar velhos paradigmas – muitas vezes restritos e reducionistas –, a possibilidade de rever o conceito de leitura e a dinâmica do ato de ler e também compreender o que se chama de dificuldades de leitura e, talvez, com isso, buscar caminhos para superá-las. Este debate sobre leitura e as relações implícitas em seus processos tanto no suporte digital quanto no impresso espera reunir pesquisadores de diferentes regiões e instituições brasileiras para que tenhamos oportunidades de discussão sobre a concepção da leitura como resultado de um processo histórico materializado pela linguagem e suas possibilidades de operar em gêneros.

Logo, este trabalho busca compreender de que forma o ato de ler, independentemente do suporte, refrata as práticas culturais. Finalmente, parece se encontrar nestas reflexões a chance de se ver o leitor como mediador e regulador da linguagem que o constitui, deixando-o, talvez, menos vulnerável aos não ditos do discurso social e cultural.

20
Rosana Cristina Zanelatto Santos
Susylene Dias de Araújo
PSICANÁLISE E TEORIA CRÍTICA ARTICULADAS PARA A LEITURA E ANÁLISE DO TEXTO LITERÁRIO: O MAL ESTAR E A VIOLÊNCIA EM QUESTÃO


Freud, desde seu ensaio Além do Princípio do Prazer (1920), dá indícios do encaminhamento e da confirmação da Psicanálise como um campo crítico acerca do humano e que se estendia para além do âmbito do indivíduo, alcançando as relações pertinentes para uma crítica da Cultura, como se lerá adiante em suas formulações encontradas em ensaios como Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), O Futuro de uma Ilusão (1927), O Mal-Estar na Civilização (1930) — esta última que se constituiu no eixo central de suas discussões — e Moisés e o Monoteísmo (1939). Suas considerações têm sido pertinentes para os estudos que pretendem dar conta dos limites representacionais tanto da “catástrofe” quanto de sua dissolução no cotidiano do mundo contemporâneo, chegando ao esvaziamento de significados.

Sem dúvida, delineia-se uma linha de pensamento sobre um “mal-estar” que contém em seu campo semântico-discursivo as diferentes configurações da violência e da agressividade. Por outro lado, a Teoria Crítica desenvolvida pela Escola de Frankfurt apresenta uma percepção que possibilita, pela aliança entre a teoria e a prática, o esclarecimento, sem o cunho iluminista, e uma visão alargada dos conflitos e dos debates em sociedade. Sendo assim, em hipótese, a Teoria Crítica ofereceria bases para estudos críticos e de autocrítica no que concerne às múltiplas faces da política, da ética, da cultura e da arte e ao entrelaçamento delas.

Esses estudos colocarão em crise inclusive alguns postulados psicanalíticos, não para negar sua importância para a leitura da humanidade senão para – a partir de sua posição epistemológica – relacionar-se com a metapsicologia naquilo que aproxima Psicanálise e Teoria Crítica e, principalmente, no que as faz “olhar diferente” para o ser e sua presença no e como mundo. Adorno e Horkheimer, na Dialética do Esclarecimento (1947), dirão que Freud tinha muito mais razão do que supunha quando disse que a civilização produz a anticivilização e a reforça progressivamente, tendo em vista que os impulsos encontram-se longe da satisfação de suas necessidades, que são cotidianamente subordinadas aos anseios do consumo.

Como podemos compreender que a “dialética do esclarecimento” diz respeito a todo progresso material e espiritual obtido mediante a divisão social do trabalho (a qual, por sua vez, não caminhou numa “rua de mão única”, pois a humanidade, apesar de cada vez mais esclarecida, é forçada a assumir posturas próximas da barbárie e esquecer-se de como devem ser lidos os vestígios deixados pelo passado), não se pode deixar de pensar no conceito de pulsão de morte, desenvolvido por Freud, que carrega em si a metáfora do movimento em direção ao estado primitivo como elemento fundamental para a constituição da subjetividade e, por extensão, da cultura e de suas ramificações em sociedade, incluindo-se aí a literatura.

Este Simpósio pretende, portanto, propiciar debates no entre-lugar entre as relações de Psicanálise e Teoria Crítica para a leitura e análise da obra de arte literária, de modo a dar lugar a trabalhos que objetivem tratar desse “mal-estar” e também da violência. Serão aceitos trabalhos que busquem estabelecer relações entre as perspectivas teóricas adotadas ou que se vinculem a apenas uma delas (Psicanálise ou Teoria Crítica) contanto que tenham como objeto o texto literário.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

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