Há uma semana Dalila virava a cara para Aleodoro. Se ele fazia pergunta, ela não dava resposta. Ou respondia “com quatro pedras nas mãos”. Por qualquer motivo mandava os cinco dedos na cara dos filhos. E deixava o arroz queimar, esquecia de descongelar a carne, quebrava pratos na pia.
Aleodoro não pedia explicações. Sabia muito bem a causa de tanta birra. Andava cansado, aborrecido, sem vontades. Tantos anos de trabalho, e nem uma casa onde morar. Tanta dedicação à família, e aqueles filhos vagabundos, idiotizados. Tantos sonhos, e só desilusões.
Poderia muito bem pedir desculpas pelas palavras ásperas, pela cerveja em excesso, pela falta de carinho. Mas não queria se render, se humilhar, virar cachorrinho.
Aleodoro lia pedaços do jornal, imaginava Dalila pintando unhas. Não, aquilo não eram horas para pintar unhas. Resolveu tomar uma cerveja. A goles lentos, passaria mais uma hora. Tempo para Dalila voltar.
Não, aquela mulher estava se excedendo. Melhor dar um basta naquilo. Ora, nem o almoço fizera! Um desaforo! “E já estou de saída. Vou ao salão de beleza”.
Os filhos, aqueles inúteis, não sabiam de nada. Talvez Dalila estivesse na cozinha. Ou na vizinha. Por que não batia à porta do vizinho?
Absurdo um homem não almoçar, depois de quatro horas de trabalho! “Então arranje uma cozinheira”.
Rasgou o jornal, desligou a televisão, bebeu um trago de conhaque. Onde andava Dalila? Não podia estar ainda no salão. E se tivesse sido atropelada na rua?
Apavorado, o homem tomou outra dose e saiu. Devia ir primeiro ao salão ou aos hospitais? Talvez à polícia. E apressou o passo. Não, a desgraçada de sua mulher com certeza pintava unhas e dentes. E ria dele, o cachorrinho faminto. Melhor tomar umas cervejas regadas a fumegantes bifes acebolados. E só voltar para casa de madrugada.
Decidido a vingar-se, parou diante do primeiro bar. Bêbados gritavam, gargalhavam, expandiam-se. Todos livres de suas megeras domésticas.
Aleodoro ia sentar-se, quando uma gargalhada medonha explodiu a seu lado. Olhou: a cena lhe pareceu impossível: Dalila, cercada de três senhores, afetava toda a alegria do mundo, os dentes luzindo na noite.
Fonte:
Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília:Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
Nenhum comentário:
Postar um comentário