sexta-feira, 8 de junho de 2012

António Zumaia (Jornalista da Noite de Lisboa)


O jornalista. 

Era hoje o centro das atenções na redacção de um grande Jornal diário onde trabalhava, o seu artigo sobre os meninos escravos da África, tinha sido galardoado e todos o queriam felicitar pelo feito alcançado com brilhantismo. 

O seu gosto pela aventura fizera dele um viajante do mundo à cata das mais variadas notícias e temas de interesse, era algo que o fascinava saber o sentir de certas pessoas, pelo que diversas vezes vestira a pele das personagens para lhe dar um cunho de realidade, difícil de outro modo. 

Madalena, uma amiga muito querida e sua colega de profissão abeirara-se dele para o felicitar, era uma morena esbelta e atractiva pelo que Lúcio nutria por ela um carinho desmedido, roçando quase o amor, mas negava-se a admiti-lo, porquanto isso seria o fim das suas aventuras. 

- Meu querido mais uma vitória na tua carreira, os meu sinceros parabéns. Logo vais jantar a minha casa para comemorarmos. 

Lúcio sabia bem como terminavam esses jantares e agradou-lhe. 

- Claro que vou, minha querida. 

- Então está combinado. 

- Sim! 

Olhou Madalena a afastar-se, era na verdade uma bela mulher e já o fizera delirar varias vezes. 

Luís um seu colega também, sorria deixando escapar uma critica ao amigo. 

- Ainda a vais perder Lúcio, com a tua mania do deixar para amanhã. 

- Amigo não se perde o que se não tem. 

- Não tens porque não queres. Sempre estás decidido a fazer a tal reportagem sobre a noite do Porto? Na minha opinião acho que vais correr sérios riscos. 

- Vou nada, já ando no ginásio a tratar dos músculos para ser um segurança. 

- Esses gajos não são para brincadeiras, tem cuidado. 

- Amigo já fui Palestiniano na faixa de Gaza, já fui esclavagista na África, já fui arrumador de carros em Lisboa, já fui infiltrado numa rede de tráfico de droga, já fui assaltante de caixas Multibanco, é apenas e só mais uma experiência. Vou sentir e descrever o que é ser segurança da noite num Bar e escrever sobre essas experiências. 

- Espero que tenhas sorte amigo, o chefe está de acordo? 

- Sim! Já falei com ele sobre esta ideia. 

- Prefiro continuar a escrever sobre a sociedade Lisboeta, há muita merda e é divertido. 

Lúcio sorriu, conhecia bem este seu amigo e sabia como ele se divertia com a palhaçada dos colunáveis. 

O suor escorria-lhe pela face de executar o mesmo exercício, mas os músculos dos braços vincavam-se de forma bem visível, quando o gerente do Ginásio se abeirou. 

- Amigo Dias, sempre quer emprego como segurança? Posso arranjar-lhe um aqui num Bar de Lisboa. 

- Quero ir para o Porto senhor Manuel. Aqui em Lisboa não me interessa, a minha miúda trabalha lá e quero estar ao pé dela. 

- Olhe amigo, eu conheço bastante gente no Porto relacionada com a noite, mas eles são exigentes, querem homens com experiência e para adquiri-la tem de trabalhar primeiro aqui em Lisboa. 

- Quando começo? 

- Pode ser na semana que vem. Vai para uma discoteca das melhores de Lisboa é frequentada por gente muito fina mas que gosta do pó para agilizar a sua prestação e é você que os fornece. 

- Droga? 

- Claro que havia de ser?      

- Tudo bem! Por mim estou-me nas tintas para eles. 

- Claro! O cliente quer nós damos, aliás vendemos. 

Sorriram ambos, Lúcio pondo a toalha turca pelos ombros foi para o duche. 

Já preparara tudo com mil cuidados, deixara a sua casa entregue à empregada e alugara um quarto numa Pensão das mais baratas de Lisboa, mas esta noite tinha de comemorar com Madalena. 

  

- Minha querida aqui está o vinho que gostas. 

- O que preparei para o jantar, vais gostar também. 

Madalena recebera-o com uma simples bata de seda bastante transparente, o que deixava antever facilmente as delicias daquele corpo. 

- Vamos ao aperitivo então. 

Madalena sorriu, na verdade era sempre assim quando o convidava para jantar. Gostava de desfrutar aquele homem que sabia nunca ser dela, mas que a deliciava com seus carinhos. 

Já exaustos, foram para um duche revigorante que em nada os relaxou, mas antes os excitou para mais. As mãos de Lúcio percorriam aquele corpo dando-lhe o perfume do gel de banho, ela imitava-o e em breve eram um só, numa inebriante doçura. 

- Já vestidos, sentaram-se à mesa e iniciaram a refeição. 

  

Lúcio foi ao jornal para avisar o Chefe de Redacção da sua ausência em trabalho. 

- Tenha cuidado Lúcio, pode mexer com gente importante e isso paga-se caro e o artigo que vai escrever pode não ter essa importância. 

- Terei! – Disse descuidado. 

Caminhou para a saída do Jornal com a firme convicção de que mais uma vez cumpriria a sua missão de Jornalista. 

O ambiente que foi encontrar agradava-lhe, muitas mulheres ensaiavam os seus números eróticos dando ao Estabelecimento nocturno bastante movimento embora de porta fechada. Foi recebido pelo dono, não lhe agradou o ar untuoso do fulano, mas reparou que a sua voz era autoritária e dura. 

- Onde é que trabalhou? 

- Em lado nenhum, mas conheço bem a noite. 

- Tem cadastro na polícia? 

- Não! – Respondeu. 

- Conhece as suas obrigações à porta? 

- O senhor Manuel falou-me. 

- Vai ficar com o Luís à porta até conhecer os clientes, depois ele vem para o interior e você ocupa o lugar. Os clientes que lhe pedirem material tem de os atender, depois ao fim da noite fazemos contas. Muito cuidado, porque vem aqui gente muito importante e o principal é não conhecer ninguém nem dar com a língua nos dentes. 

- Pode estar descansado senhor. 

- Estou descansado sim! Se algo transpirar você simplesmente desaparece. 

  

Deram-lhe roupa apropriada e foi apresentado a seu agora camarada Luís. 

- Então tu és o novato? Lá físico tens tu, vamos ver como te portas, isto não é brincadeira de meninos. 

- Eu não sou menino nenhum. 

- Veremos! Aqui precisas de punhos de ferro e de veludo. 

- Como assim? 

- Tratas com gente importante e tens de ser veludo, tratas com feras e precisas de punhos de ferro, aqui vem de tudo. Um conselho, não te envolvas com gaja nenhuma da casa ou vais ter problemas. 

- Não tenho ideias disso. 

- Veremos. 

Nos primeiros dois dias, muita coisa aprendeu e muita coisa viu, assim como muitas pastilhas de Ecstasy ele vendeu. 

Um cliente pediu-lhe “Lucy in the Sky”, ficou por momentos confuso mas lembrou-se dos Beatles e da sua ligação à geração hippie e logo viu o que o cliente queria LSD. 

Foi para ele uma surpresa, embora já muitas Discotecas e Bares tivesse frequentado, nunca como agora pudera verificar como se divertia a classe media alta de Lisboa. Os vícios e gostos de gente que sempre lhe parecera impoluta. Via agora no seu modesto quarto em profunda reflexão que o artigo “Noites de Lisboa” era escaldante e perigoso, mas tinha de o fazer, para depois caminhar para as “Noites do Porto”. 

Começaram a aglomerar-se jovens na ânsia de uma entrada, Lúcio procurava dar-lha mas por selecção; Uma loirinha procurava com um lindo sorriso que ele lha facultasse, estava neste impasse quando um carro parou à entrada da Discoteca, Luís foi abrir a porta da viatura e para espanto seu verificou ser um indivíduo calvo e já velho, que conhecia bem, de muito ser noticiado por irregularidades e fraudes, mais espantado ficou ao verificar quem o acompanhava, era Madalena a sua colega do Jornal. Uma nota escorregou para o bolso de Luís, que em troca forneceu os comprimidos milagrosos de uma noite plena de energia. Procurara esconder o rosto para que o não reconhecesse, pois nunca a colocara a par das suas aventuras. Entraram a par com alguns jovens a quem deu passagem, conseguindo assim que ela o não visse. 

A meio da noite uma briga obrigou a que Luís o viesse chamar para lhe prestar ajuda, o que fez contrariado. Pegou em dois miúdos e levou-os para a rua. 

Madalena reconheceu-o espantada, afinal era o trabalho que tinha anunciado no jornal que iria fazer. Não era bom para ela porque de certeza a tinha reconhecido, era uma situação incómoda pelo que falou com o seu acompanhante. 

- Sabes que esse tipo que está à porta é meu colega e jornalista? 

- Não pode ser. 

- Mas é. 

- Como é que este estúpido admitiu um jornalista para porteiro? Tenho de falar com ele. 

Já quase o dia clareava, quando a campainha do telefone dos Bombeiros de Cascais retiniu aflitiva, um carro caíra ao mar numa das arribas do Guincho e era preciso socorros. 
  
Mais um artigo que não se chegara a escrever… “As noites de Lisboa” e seus protagonistas.

Fonte:
http://zumaia5.wordpress.com/2009/01/13/jornalista-da-noite-de-lisboa/

Nenhum comentário: