Um mês depois, nos últimos dias de agosto,
Carolina gemia agonizante em Setúbal.
Que coração de mulher resistiria a tantas
comoções?
Com a cabeça formosa recostada no travesseiro,
firme e resignada, ouvia ela da boca do sacerdote as doces e
consoladoras palavras do Evangelho.
Sobre uma pequena mesa via-se um crucifixo entre duas
velas acesas, que espalhavam pelo quarto a sua claridade mortuária.
Oh! triste e solene hora do passamento! Como se
patenteia então eloqüente o nada das grandezas
humanas!...
— Filha, dizia-lhe o padre, com sua voz suave;
lembrai-vos só de Deus, diante do Qual ides em breve
comparecer. Arrependei-vos, filha, e Ele que é um Deus de
bondade e misericórdia há-de perdoar-vos.
— Deus perdoa-me, padre?
— Perdoa-vos, sim, filha.
— Então morro contente; mas eu também
queria levar outro perdão da terra.
— Dizei, filha.
— É o de meus pais, que eu abandonei, padre;
mas eu amava-os muito.
— Também te devem perdoar, filha, porque Deus
manda que se perdoe.
— Ainda falta outro, padre.
— Dizei, filha.
— É um homem que eu amei muito, padre, e que
ainda amo.
— Fizestes-lhe mal, filha?
— Traí-o, padre, disse ela chorando.
— Descansa, filha, ele também te há-de
perdoar.
— Meu padre, queria pedir-vos um favor.
— Falai, filha.
— É de enviardes para Lisboa a carta que está
sobre aquela mesa; é o último adeus que eu digo àquele
homem.
— Eu enviarei a carta, filha. Mas por que chorais?
são ainda lembranças deste mundo, que vos pungem? Já
vos arrependestes sinceramente de tudo: pois bem; desligai o
pensamento de tudo que é terrestre, mesquinho e pequeno, e
pensai em Deus, sublime e grande.
— Padre, padre, eu vou morrer! repeti-me que Deus me
perdoa.
O padre aproximou-se e curvado sobre o leito dizia-lhe:
— Minha filha, Deus é bom, Deus perdoa quando
Seus filhos se arrependem como vós vos arrependestes.
— Minha pobre mãe, adeus! murmurava a
agonizante, perdoa a tua filha, meu pai!
Depois um tremor percorreu-lhe os membros, um soluço
saiu de seu peito e fazendo um último esforço disse:
adeus... Au... gus... e a voz expirou-lhe nos lábios e a
cabeça pendeu para o lado, sem um gemido.
Estava morta.
O padre contemplou-a um instante, mudo e enternecido.
— Morreu! disse ele enxugando uma lágrima,
ainda tão jovem! Foi o mundo que a matou.
EPÍLOGO
Alguns
dias depois, Augusto, trêmulo, abria uma carta fechada com
obreia preta, e lia:
“ Adeus, Augusto: quando leres esta carta já estarei
morta. Consola meu pai e minha mãe, se os vires. Não
amaldiçoes a minha memória! Morro beijando o teu
retrato, que levo comigo ao túmulo. Adeus! ora por mim!
CAROLINA”.
— Sim, sim, disse o mancebo, caindo de joelhos e
juntando as mãos, eu oro por ti. Que Deus te perdoe como eu te
perdoei.
FIM
(
O Progresso,
números 351 e 352, respectivamente
de Lisboa, 12 e 13 de março de 1856).
Fonte:
ABREU,
Casimiro de. Carolina. in SILVEIRA, Sousa da (org.). Obras
de Casimiro de Abreu.
2ª ed. Rio de Janeiro: Ministério da Educação
e Cultura -MEC, 1955. Texto-base digitalizado por: Fernanda Duarte,
Rio de Janeiro – RJ
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