domingo, 24 de junho de 2012

Elisa Palatnik (Preparativos de uma morte anunciada)


 — Onofre, acabei de pegar teu exame. O médico disse que você vai morrer em uma semana.

 — Hein?! O quê?!

 — Você morre terça feira que vem. Dia 25. Dia do soldado.

 — Mas... que coisa horrível!

 — Horrível por quê? Melhor que morrer, sei lá, no dia do Índio. No dia da Secretária. No dia do Ginecologista.

 — Meu Deus! Vou morrer em uma semana e você me conta assim, na bucha, sem me preparar?

 — Deixa de ser infantil, Onofre. Você não é prato de bacalhau pra eu te preparar.

 — Uma semana... Eu estou chocado! Se bem que...

 — O quê?

 — Quer saber? De certa forma foi bom saber logo. Assim aproveito o tempo que resta. Vou viajar, beber e comer tudo que eu tenho direito.

 — Aí é que está, Onofre. Você vai ter que fazer dieta.

 — Dieta?!

 — Pra emagrecer. O caixão que a gente tem não é seu número. Com essa barriga, você não entra naquele ataúde de jeito nenhum. Só entra de lado. Você quer ser enterrado de lado, Onofre?

 — Claro que não! Mas... não dá pra trocar de caixão?

 — É da loja do teu primo. Fui do médico direto pra lá, e foi o que ele me deu. Ele só trabalha com modelagem única e a gente não tem dinheiro pra comprar outro.

 — Mas não é justo! Tenho que fazer regime na última semana da minha vida?

 — E ginástica. E cooper. Talvez até balé — que só regime não vai dar conta dos 15 quilos que você precisa perder. Já te matriculei numa academia.


 — Mas...

 — Outra coisa. Não esquece de começar a convidar as pessoas pro velório.

 — Eu?!

 — É, ué. Não é você que vai morrer? Era só o que me faltava... você é que vai morrer e eu é que tenho o trabalho... Aliás, por falar em trabalho, arranja um bico extra essa semana pra conseguir dinheiro — pra pagar a dívida do mercado.

 — Peraí... regime, ginástica, e agora... trabalho extra? Eu estou doente, estou cansado!

 — Deixa de frescura, Onofre. Daqui a uma semana você vai ter tempo de sobra pra descansar. E se eu não pagar essa dívida, o seu Joaquim disse que me mata.

 — Ele disse isso?

 — Disse. E pode me matar em menos de uma semana. E aí eu vou ser enterrada no seu caixão. E você fica sem dinheiro pra comprar outro caixão. E aí você não vai ser enterrado. Vai ficar por aí, pelas ruas, em processo de decomposição.

 — Meu Deus!

 — Mais uma coisa. Você vai ter que visitar a tia Augusta.

 — Ah, não! Visitar a tia Augusta não! Estou brigado com ela, você sabe disso.

 — Vai na quinta feira. Já marquei.

 — Assim não dá! Eu, pensando que ia passar uma semana boa, tranqüila, esperando pra morrer... mas nada. Já vi que vai ser um inferno. E se eu não for na casa da tia Augusta?

 — Ela vai se sentir culpada por não ter feito as pazes antes de você morrer. E vai acabar morrendo de desgosto.

 — E eu com isso? Não quero saber.

 — Não quer saber? Acontece que está provado que uma pessoa leva, em média, uns seis meses pra morrer de desgosto.

 — E daí?

 — Daí que daqui a seis meses é o casamento da tua filha. E se a tua tia morrer, a gente vai ter que adiar o casamento. E se a gente adiar é capaz do noivo desistir de casar. Se ele desistir, tua filha vai ficar arrasada e pode sair por aí namorando o primeiro que aparecer na frente. E o primeiro que aparecer na frente pode ser um drogado. E tua filha pode virar uma drogada. E daí para o crime e para a prostituição é um passo. E daí ela pod...

 — Chega! Eu vou visitar a tia Augusta!

 — Ótimo.

 — Que mais? O que mais você quer que eu faça nessa semana? Já tá perdida mesmo...

 — Mais nada. Só cavar sua cova — pra economizar no coveiro, que coveiro está saindo pela hora da morte.

 — Deixa eu anotar, senão esqueço... com tanta coisa... Cavar a cova.

 — E não esquece de, no dia da tua morte, ir pro lugar do velório cedo. Pra morrer lá mesmo... pra gente também economizar no transporte do corpo. Vai de ônibus.

 — Mas...

 — De preferência atrás, agarrado no pára-choque, pra não pagar.

 — É uma boa... No pára-choque. Só uma coisa. Uma dúvida.

 — Fala.

 — E se, por um acaso... eu não morrer?

 — Tá maluco, Onofre? Depois desse trabalhão todo? Nem pensa nisso! Esquece essa possibilidade!

 — É que de repente...

 — De repente uma pinóia! Vê lá, hein, Onofre? Não vai me fazer a gracinha de aparecer no teu velório... vivo!

Fonte:
http://www.releituras.com/epalatnik_menu.asp

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