Era véspera de Natal e a cidade estava envolta em uma atmosfera mágica. As luzes piscavam nas janelas, as ruas estavam decoradas com guirlandas e as pessoas se apressavam para comprar os últimos presentes. No entanto, na pequena casa de Seu Miguel, a única coisa que iluminava o ambiente era a presença de sua fiel companheira, a cachorra Lili.
Seu Miguel era um homem idoso, com cabelos brancos e mãos calejadas pelo trabalho de uma vida inteira. Ele havia se casado, cerca de 25 anos depois o amor que um dia o aquecera se afastara sendo uma lembrança distante daqueles momentos. Seus irmãos, que moravam em outro estado, não o visitavam desde que ele se casou. A solidão tornara-se sua única companheira, e a casa, antes cheia de risadas e alegria, agora ecoava o silêncio de sua tristeza.
Lili, uma simpática vira-lata, estava sempre ao seu lado. Com seus olhos brilhantes e o jeito carinhoso de se aconchegar a ele, ela trazia um pouco de luz aos dias sombrios de Seu Miguel. Ele costumava dizer que ela era o único presente que realmente importava. Ao olhar para ela, ele sentia um amor incondicional que aquecia seu coração.
O quarto de Seu Miguel era acolhedor, mas carregava a marca do tempo e da solidão. As paredes eram de um tom suave de azul desbotado, com algumas manchas de desgaste que contavam histórias de muitos anos. Um quadro antigo, com uma paisagem de verão, pendia um pouco torto acima da cama, lembrando dias mais alegres.
A cama de casal, coberta por um edredom de retalhos. Ao lado da cama, uma pequena mesa de cabeceira sustentava um abajur de luz amarelada, que iluminava suavemente o ambiente ao entardecer. Sobre a mesa, havia um livro aberto, suas páginas amareladas pela passagem do tempo, e uma xícara de chá fria, esquecida em um canto.
O chão era de madeira, com algumas tábuas rangendo sob o peso dos passos, e um tapete desgastado cobria parte do espaço, dando um toque de calor ao ambiente. Perto da janela, uma cortina balançava suavemente com a brisa, permitindo que os as gotas de chuva que caíam lá fora fossem visíveis.
Em um canto do quarto, uma prateleira abrigava souvenirs e fotografias emolduradas, capturando momentos de felicidade que agora pareciam distantes. Havia um porta-retratos com uma imagem de Seu Miguel e sua ex-esposa, sorrindo em uma praia.
No chão, ao lado da cama, estava a caminha de Lili, um acolchoado simples, mas confortável, onde a cachorra costumava descansar. O ambiente, embora nostálgico e um tanto triste, tinha um toque de amor e lembranças que preenchiam o ar com uma sensação de lar.
Na véspera de Natal, enquanto a chuva começava a cair lá fora, Seu Miguel sentou-se na poltrona ao lado da lareira. Ele olhou para o pinheiro que havia montado, uma árvore simples, já sem enfeites para alegrar o ambiente, mas, naquele momento, ela parecia mais uma lembrança dolorosa do que um símbolo de celebração.
Ele fechou os olhos e fez um desejo silencioso. Queria sentir o abraço da família novamente, ouvir as risadas que preenchiam a casa, e quem sabe até mesmo ouvir os filhos e netos de seus irmãos correndo pelo lugar. A saudade o apertava como um nó no peito, e ele não conseguia evitar que as lágrimas escorressem pelo seu rosto.
Lili, percebendo seu desânimo, levantou-se e se aproximou. Ela encostou a cabeça em seu colo, como se dissesse: "Eu estou aqui, não se preocupe."
Seu Miguel sorriu, acariciando o pelo macio da cachorra. Ela era a única que o compreendia, a única que não o abandonara.
A noite avançava e, enquanto a neve cobria a cidade, Seu Miguel decidiu preparar um pequeno jantar. Ele fez um prato simples, mas saboroso, e dividiu um pouco com Lili, que se deliciou com cada pedaço. Durante a refeição, ele contou histórias para a cachorra, compartilhando memórias de tempos mais felizes. Lili parecia atenta, como se entendesse cada palavra.
Após o jantar, ele pegou um cobertor e se acomodou na poltrona, enquanto a lareira crepitava suavemente. A melodia suave de canções de Natal vinha das casas vizinhas, e, por um momento, ele se deixou levar pela nostalgia. As músicas o transportaram para um tempo em que a vida era mais cheia e as preocupações pareciam distantes.
Mas a realidade logo o trouxe de volta. Ele olhou para a árvore e, em meio à tristeza, sentiu uma onda de gratidão por Lili. Ela era sua luz nos dias escuros, seu motivo para levantar da cama todas as manhãs. Apesar da solidão, ele ainda tinha alguém que o amava.
Enquanto a chuva caía suavemente lá fora, a música de Natal envolvia a casa de Seu Miguel em um manto de nostalgia e esperança. Ele fechou os olhos por um momento, permitindo que o cansaço o levasse, quando um toque suave na porta interrompeu seu pensamento.
Seu coração disparou. Quem poderia ser? Nunca ninguém o visitava.
Ele hesitou, mas Lili, sempre curiosa, correu até a porta, latindo.
Ao abrir, Seu Miguel se deparou com seus irmãos, acompanhados de suas famílias. Eles estavam com sorrisos largos e braços abertos, prontos para abraçá-lo. A surpresa tomou conta dele, e a tristeza que há tanto tempo o acompanhava começou a se dissipar.
— Feliz Natal, Miguel! — gritaram.
Ele mal podia acreditar. O abraço apertado de seus irmãos, os risos das crianças e a alegria contagiante daquela noite o envolveram como um cobertor quente. Lili, animada, pulava ao redor, recebendo carinhos e afagos.
Naquela noite, a casa de Seu Miguel se encheu de amor e risadas. As memórias dolorosas foram substituídas por novas, e a solidão deu lugar à alegria.
Mas, de repente, a cena começou a desvanecer. As vozes dos familiares se tornaram ecos distantes, e a luz da árvore, que antes brilhava intensamente, começou a se apagar. Seu Miguel tentou chamar seus irmãos, mas suas palavras não saíam. Ele se viu sozinho novamente, perdido na escuridão.
Quando finalmente despertou, a realidade o atingiu como um balde de água fria. A sala estava silenciosa, e a única luz vinha da lareira, que agora crepitava suavemente. Lili, sua fiel companheira, estava deitada ao seu lado, olhando para ele com olhos cheios de preocupação.
A tristeza tomou conta de seu coração. Ele olhou ao redor e percebeu que estava novamente sozinho, sem os abraços calorosos de sua família. Um nó se formou em sua garganta, e as lágrimas começaram a escorregar por seu rosto.
Os olhos, grandes e expressivos de Lili, se iluminaram ao ver que o velho estava acordado. Com um leve abanar de rabo, ela se levantou de seu canto e se aproximou, suas patas macias fazendo pouco barulho no chão.
Lili cheirou o ar ao redor de Seu Miguel, como se buscasse entender suas emoções. Ao notar as lágrimas em seu rosto, ela pousou a cabeça suavemente em seu colo, olhando-o com um olhar preocupado. Seu coração canino parecia sentir a tristeza dele, e ela se aconchegou ainda mais perto, buscando confortá-lo.
Lili lambeu a mão dele, como se dissesse: "Estou aqui, não precisa ficar triste." Sua presença calorosa e carinhosa trouxe um alívio instantâneo ao coração de Seu Miguel. Ela se aninhou nele, oferecendo seu amor incondicional, e ficou atenta, como se estivesse pronta para proteger seu amigo de qualquer dor.
Com um suspiro profundo, ele envolveu os braços em torno de Lili, apertando-a contra seu peito. Naquele momento, ele fez uma promessa a ela:
— Nunca vou te abandonar, Lili. Você é minha única amiga, minha luz em meio à escuridão. Não importa o que aconteça, sempre estarei aqui para você, assim como você sempre esteve para mim.
Ele sentiu a presença calorosa da cachorra, e um conforto profundo começou a preencher o vazio da solidão. Ali, no silêncio da pequena casa, Seu Miguel percebeu que, mesmo sem a família por perto, ele ainda tinha um amor sincero e verdadeiro.
E assim, enquanto a chuva continuava a cair lá fora, ele e Lili se aconchegaram juntos, prontos para enfrentar o Natal e todos os dias que ainda estavam por vir.
Seu Miguel sentiu uma onda de gratidão. A maneira como Lili reagiu, com sua lealdade e compaixão, fez com que ele se sentisse menos sozinho. Ela era uma luz em sua vida, sempre disposta a estar ao seu lado. E naquele momento, ele soube que, independentemente da solidão que o cercava, ele nunca estaria verdadeiramente só, enquanto tivesse Lili.
E assim, enquanto as estrelas brilhavam no céu, ele fez um novo desejo. Enquanto tivesse sua fiel companheira, seus dias seriam sempre iluminados, não apenas naquela noite, mas em todos os dias que viriam. Afinal, a verdadeira magia do Natal reside nas conexões que cultivamos e no amor que compartilhamos, mesmo quando a vida nos parece solitária.
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Nota do blog:
Infelizmente esta é uma realidade cada vez mais constante nos dias de hoje, principalmente em pessoas idosas que não tem filhos.
O Natal é uma época de celebração, amor e união, mas para muitos idosos, essa época do ano pode ser repleta de solidão e tristeza. Infelizmente, muitos deles se encontram abandonados por seus familiares, sentindo-se esquecidos e desamparados.
Se você conhece algum idoso que está sozinho, uma simples visita pode fazer toda a diferença. Ouvir suas histórias e compartilhar momentos pode trazer alegria a seus corações.
Oferecer seu tempo para atividades ou até mesmo um café da tarde pode iluminar o dia de alguém.
Muitas vezes, a falta de apoio é resultado de desinformação e preconceitos. Vamos mudar essa narrativa!
É fundamental que, como sociedade, estejamos atentos a essa realidade. Os idosos merecem carinho, respeito e atenção, especialmente em momentos que deveriam ser de alegria. O abandono pode afetar profundamente a saúde emocional e física dessas pessoas, tornando o Natal uma lembrança dolorosa em vez de uma celebração.
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
3 comentários:
Oi, meu querido Feldman , acabei de ler O Natal de seu Miguel e deu tristeza porque não é apenas mais um conto de Natal , mas a realidade de milhares de idosos, principalmente. Falta quem lhes faça companhia e quem os escute. E a festa, embora seja de alegria, traz lembranças de tempos felizes vividos no passado. E a solidão vem para ficar. Muito bom o seu alerta para que sejamos solidários com parentes e vizinhos, tentando uma aproximação que os faça mais felizes
Viveram, trabalharam e merecem, no mínimo, respeito
Parabéns por seu Conto de Natal
Therezinha Dieguez Brisolla
Caro Mestre Feldman
Este é um conto magistral de sua lavra e uma dura realidade do que acontece no mundo nos dias de hoje, que as pessoas seguem de olhos vendados para não ver, preferem ignorar e amparar estas pessoas maravilhosas que foram seu arrimo durante suas vidas por muitos anos. Lamentavelmente muitos idosos, não falo em dezenas, mas em milhares estão entregues à sorte por uma sociedade cruel que só visa o lucro e a busca de "barracos", sem empatia alguma, sem solidariedade. Hoje os corações estão duros, com raras exceções são desprovidos de emoção. E assim, meu mestre, somos jogados a escanteio pelas pessoas que nós ajudamos durante a formação de suas vidas.
Texto sublime, triste e real. Um fortíssimo abraço
Paolo Dell'Orso
Amigo Feldman, que texto maravilhoso e carregado de tanto sofrimento. Conheço sua história, e realmente desejo que seus amigos e familiares deixem suas diferenças nesta época de reconciliação e se façam presentes aí em Maringá, que façam de seu natal uma época de paz, alegria e solidariedade, que é o que ela representa. Sei bem como é você estar sozinho em meio a balbúrdia desta época, e se sentir desvalorizado. Com o acidente eu fiquei impossibilitada de viajar, senão estaria aí, com certeza para te dar um forte abraço. É na hora das dificuldades que sabemos quem são os verdadeiros amigos. Meu muito obrigado por toda a força e incentivo que fez por mim num momento que eu me sentia abandonada. Você, meu querido amigo, é um anjo enviado por Deus.
A época do Natal, com suas luzes brilhantes e celebrações vibrantes, pode ser especialmente dolorosa para pessoas idosas que se sentem sozinhas. Durante esta temporada, a solidão se intensifica, trazendo à tona sentimentos de abandono e tristeza que podem ser difíceis de suportar.
O Natal é tradicionalmente um momento de reunião familiar, de celebração e de amor. Para muitos idosos, a ausência de familiares e amigos se torna mais perceptível. Vitrines decoradas e canções festivas que falam de união podem servir como lembretes amargos da falta de companhia e do distanciamento emocional. A expectativa de receber visitas ou de ser incluído em celebrações pode se transformar em uma dor profunda quando essas esperanças não se concretizam. Para muitos, o Natal representa uma oportunidade de reconectar-se com aqueles que amam. No entanto, para os idosos que se sentem esquecidos, a ausência de visitas e ligações se torna ainda mais dolorosa. A falta de contato pode fazer com que se sintam invisíveis, como se suas vidas não tivessem mais significado.
É fundamental que amigos e familiares façam um esforço consciente para incluir os idosos em suas celebrações. Uma visita, mesmo breve, pode fazer uma enorme diferença. A empatia e a atenção são essenciais para mitigar a dor da solidão durante este período festivo. Assim, o Natal, ao mesmo tempo em que é um período de alegria e celebração, pode ser um lembrete doloroso da solidão para muitos idosos. É um momento que exige sensibilidade e compaixão de todos nós.
Beijos agradecidos, da Thaís
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