quinta-feira, 15 de julho de 2021

Olivaldo Júnior (Cristais Poéticos) = 2 =

O HOMEM DA MÁSCARA DE PANO


De ferro, entre árvores queridas,
o “homem da máscara de pano”
enxerga o próprio rosto em vidas
que o enxergam como humano.

Humano, não de ferro, espero
que a ferrugem das vivências
não corroam o que mais quero,
o semblante das consciências
que pipocam no meu cérebro,
que transbordam de minhalma
sobre o colo de quem acalma
minha máscara e meu espírito.

Pois o espírito desse homem
quer no espírito de outro ser
se iluminar e ser o horizonte
que, um dia, irá se conhecer
na fonte que deságua a fonte
em que Deus vai beber: mito.

O que há por trás da máscara
que forçosamente usa o homem
nem mesmo o homem poderá
saber até que ela caia e, ao longe,
suspenda de todos os “parças”
suas máscaras de pano também.
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UMA ORQUÍDEA COMO AQUELA
Para a amiga que me mandou a foto de sua cattleya

No quintal daquela amiga,
com a cigarra e a formiga,
entre várias borboletas,
ou monarcas, ou plebeias,
uma orquídea cattleya
espreita o dia.

Espreita o dia,
que é feito a rósea poesia
de suas pétalas,
artimanhas poéticas
para ver se algum inseto
vem ter com elas
seu colóquio amoroso,
honra aos poetas.

Não, o quintal dessa amiga
não é uma floresta tropical,
mas guarda um ar especial
para que uma flor que intriga
seu sonho enfim prossiga
e se mostre, gloriosa, linda,
no quintal daquela amiga!
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SEU REI MENINO IRÁ CHEGAR
(Em especial, para a amiga Walkyria Garcia Maia)

Querida amiga adormecida,
Seu Rei Menino irá chegar.

Não, não sei de onde ele vem,
mas sei que, a passos largos,
rasga o céu de suas íris e vem,
montado num branco cavalo,
não de verdade, mas de nuvem,
ele vem, todo senhor de si
deixar em ti seu beijo e, sim,
ficar contigo para sempre!

Por isso, arrume a casa,
tome um banho e se perfume
com aquele néctar doce
que só as melhores flores
podem dar. Sim, amiga,
é tempo de amar!

Pedirei a um vaga-lume
que seja a presilha viva
em teus cabelos
e a uma borboleta,
o broche vivo
em tua blusa.

Usa aquele riso de menina
que o rio da vida te mostra
que tens em horas de amor
e espera, mesmo dormindo,
Seu Rei Menino, amiga,
que irá chegar.
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HOJE OS POETAS MORTOS ESTÃO TODOS EM CASA
(31 de outubro: Dia Nacional da Poesia)

Sim, amigo, é verdade o que lhe digo:
- Hoje os poetas mortos estão todos em casa.
Por isso, ponho os fones de ouvido
e deixo a canção portuguesa impregnar-me
os ouvidos com o sal
que salga o espirito
dos que vieram de lá
das últimas terras
de Portugal, ó pá!

Onde foi que Pessoa achou a fresta
no Céu dos Poetas que dava direto
para a casa tão simples deste poeta
que vos fala sobre o mais completo
sentimento que o recobre, concreta,
acimenta em seus olhos a vã beleza
das palavras de um poema, seminu,
desfile ao léu no quarto escuro, vão
por onde os ratos, répteis da língua
se amontoam e, em pele e coração,
tecem as redes que põem à míngua
os corações desavisados?...

Sim, amigo, os poetas mortos se deixam
entrever na minha cama, na cadeira
atrás de mim, no meu cangote, e beijam,
lambem as palavras como brincadeira
de colar os selos nas cartas
que jamais serão mandadas...

Cecília, Bandeira, Cabral, Drummond,
Quintana, Cora e o Manoel de Barros,
todos no balaio, de soslaio, dão o tom
de minha noite da poesia, aos berros
sem berrarem, balbuciam o que é bom
para eu dizer, para eu deixar de birra,
que o futuro quase tem o mesmo som
do vão passado, que o futuro é borra
no fundo da xícara, caixa de bombons
que a vida empresta ao pobre burro
que se julga um catedrático dos sons.

Sim, amigo, hoje os poetas mortos
ressuscitaram, e nem é Dia de Finados!
Hoje é o Dia Nacional da Poesia,
e todos os portos e celestes aeroportos
estão abertos aos meus chegados,
inconclusos companheiros que dia a dia
me acompanham, mesmo tortos,
pela reta que eu tomei,
linhas tortas que cruzei
para ver onde é que dá
toda a vida que inda há...

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta.

Paulo Setúbal (As Maluquices do Imperador) I

BRASIL-REINO


7 de março de 1808. A nau Príncipe Real, com a flâmula azul branca panejando ao vento, entra galhardamente pela barra a dentro. Todos os tripulantes, sacudidos por áspero bombardeio de surpresas, derramam olhos escancarados sobre o panorama embebedante, único:

— Que lindo! Que lindo!

No ar que faísca, debaixo dum céu entontecedor, azul de Sêvres, o sol escachoa avanhandavas de ouro. E sob a luz fúlgida, dentro da sua virgindade selvagem, recorta-se em coloridos fortes a paisagem — maravilha, Águas e morros!

Tudo pródigo, tropical, cheirando a terra moça, ineditamente belo. Como pássaros verdes, papagaios enormes pousados à tona d’água, surge das espumas um bando arrepiado de ilhas. Que pitoresco! E toda gente, na amurada, a apontar com o dedo:

— É a "Rasa"!!

— A "Comprida!"

— A "Redonda"!

— Os "Dois Irmãos"!

— As "Palmas"!!

Ao longe, magnífico bugre americano, lá está o Gigante de Pedra, estendido no chão, tatuado, brônzeo, com a sua empolgante monstruosidade rústica. Além, encoscorado e bravio, caboclamente brasileiro, o Corcovado pintalga-se de mataria brava, a paulama enroscada no cipoal, os nhacatirões gritando pelo carnavalesco das flores. Acolá, esbeltíssimo, núncio da Terra Nova, o Pão de Açúcar arremessa nas nuvens, arrogantemente, o seu pico de pedra, que fura o céu.

E o Príncipe Real, enfeitado de bandeirolas e de galhardetes, rasga com bizarria a ondada mole.

As fortalezas da terra, avistando-o, içam as cores portuguesas. E sob o cascatear do sol, na alegria olímpica da manhã, estruge de súbito uma atroada frenética. É a salva real que estronda, cento e um tiros pipocando, sinos a carrilhonarem, roqueiras, estrépito de rojões, zabumbas, charangas, fogos de artifício que riscam o ar.

De todos os lados, às dezenas, já os escaleres engaivotam as águas crespas da baia. Remam com fúria, rumo da nau que entra. Um deles, leve barquito com grandes embandeirados, alcança-o logo. Chega-se ao casco. Tomba-lhe da amurada a escadinha de bordo. Sôfrego, os olhos chispando, sobe por ela um passageiro. É José Caetano de Lima. É o primeiro carioca que se embarafusta pela nau. Os tripulantes abrem alas. E o feliz morador do Rio de Janeiro, ao passar, corre uns olhos atordoados pelo bando suntuoso.

Quanta gente luzida! São todos fidalgos do mais velho sangue. As damas, em grande decote, os cabelos encaracolados, chapéus de plumas berrantes, faiscam de sedas e de pedrarias. Os cavalheiros, hirtos, espartilhados, as casacas azuis de riço claro, trazem o peito estrelado de crachás. Apenas, com um destoar chocante, vêm dum beliche gritos estranhos, gritos roucos de mulher presa:

— Não me matem! Não me matem!

O embarcadiço continua varando a ponte. Em meio da turba, por entre a mescla rutilante de fidalgos e fidalgas, destaca-se um casal muito grave, muito protocolar, de que os demais circunstantes se distanciam com respeito. Ele é gordo, muito rechonchudo, bochechas estufadas, olhos parados, de suíças. Ela é áspera, feições de homem, bigodes no lábio, pelos no rosto, pelos na mão, pelos por toda parte. Ele, o molengo é D. João VI; ela, a cabeluda, é D. Carlota Joaquina. São os regentes de Portugal.

José Caetano de Lima precipita-se para os dois. Tomba-lhes aos pés. Beija-lhes as mãos vitoriosamente: é o primeiro fluminense que, tonto de gozo, tem a ventura de prestar vassalagem aos fujões reais!! Do beliche soturno, porém, ecoa subitamente a estranha voz:

— Não me matem!

É D. Maria, a louca. É a rainha de Portugal que chega aos berros, encarcerada, enfunebrecendo a nau:

— Não me matem! Não me matem!

Assim, naquele dia gloriosamente radioso, por entre ribombos formidáveis, com espavento e gala, aportava ao Brasil, escorraçada por Napoleão Bonaparte, a família Real Portuguesa.

continua...

Fonte:
Paulo Setúbal. As maluquices do Imperador. Publicado em 1927.

Colcha de retalhos: a vida em um frasco - POESIA (Prazo: 5 de agosto)


Estão abertas as inscrições para Colcha de retalhos: a vida em um frasco - POESIA.

OBJETIVO

COLCHA DE RETALHOS: A VIDA EM UM FRASCO, promovida pela Revista Letrilha / Assis Editora, é uma chamada para publicação do volume 2 (POESIA), da trilogia digital e/ou impressa, sendo os três volumes:
1) Prosa (Conto) 25/05/2021 a 25/06/2021;
2) Poesia 05/07/2021 a 05/08/2021;
3) Tirinha (ainda sem data).

Volume 2 (POESIA) chamada de 05/07/2021 a 05/08/2021

Temática: A vida em um frasco.

OBJETIVO ESPECÍFICO:
Apresentar poemas com histórias contadas ou vivenciadas.

JUSTIFICATIVA:
A partir de 1796, o mundo inovou com o marco da história das vacinas, conseguindo estancar a mortandade por doenças implacáveis, como: Varíola; Sarampo; Malária; Febre Amarela; Tuberculose; Tifo; Gripe Espanhola; Raiva; Tétano... Covid, o frasquinho da vacina é uma dose de esperança. Basta observar o cartão de vacinação de uma criança até 2 anos de idade para compreender a importância do processo. Mas toda descoberta e criação de uma vacina é precedida por uma tragédia que abocanha milhares ou milhões de vidas, como o drama da Covid-19 que atravessamos; são feridas que, muitas vezes, não se fecham. Famílias são dizimadas, outras mutiladas... e no final, cada sobrevivente tem sua dor para contar. Por isso, escolhemos esta temática para a fase 2 do nosso Colcha de Retalhos.

CONCLUSÃO:
As obras inscritas visarão explanar em seus versos / eu-lírico as batalhas enfrentadas pela humanidade, ante o desconhecido, descrevendo a dor, o medo, a incerteza, o estranhamento... mas também apontando a esperança, a empatia, a vida... porque é nos conflitos que nos moldamos e nos tornamos melhores, e como escreveu Guimarães Rosa, “a vida aperta e afrouxa, o que ela quer da gente é coragem”.

O objetivo é promover a arte e a literatura. Não se trata de concurso, mas, sim, chamada para publicação de uma trilogia, mesmo assim, haverá sorteios e premiações entre os participantes. É um modo de incentivar e fortalecer os gêneros prosa, poesia e tirinha, de modo criativo e estimulante. A arte e a literatura são a voz de muitas pessoas emudecidas.

REGULAMENTO

INSCRIÇÕES 100% gratuito

– Textos somente em Língua Portuguesa.

– Qualquer pessoa fluente em língua portuguesa, independentemente da nacionalidade ou residência, pode participar.

– O poema deve ser inédito. (Não serão aceitas prosas poéticas. O trabalho participante deve ter estrutura em versos).

– Período: 05/07/2021 a 05/08/2021

– Envio exclusivamente pelo e-mail: revistaletrilha@gmail.com.

– No corpo do email, informar dados cadastrais do autor, para correspondência física: Nome, endereço (rua, casa, apartamento, bairro, cep, cidade, estado...)

– No email, enviar a seguinte declaração, nome conforme CPF:

EU “_____________”, NASCIDO EM ___/___/____, CPF ____________ COM ENDEREÇO NA “__________________”, DECLARO QUE LI ATENTAMENTE O EDITAL E ESTOU DE PLENO ACORDO COM OS PRÉ-REQUISITOS. ESTOU PARTICIPANDO, NA CONDIÇÃO DE AUTOR, NO GÊNERO POESIA, COM O TRABALHO/TÍTULO _______.

CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO POESIA:

– Um POEMA de, no máximo, 30 versos. Não há mínimo.

– Fonte: Arial, tamanho 12.

– Título. Abaixo do título o nome do autor (como será publicado, não poderá mudar depois).

CERTIFICAÇÃO:
Todo participante receberá o certificado de participação em .PDF, via email.

SORTEIO 1:

– Ao final das inscrições será sorteado um belíssimo objeto decorativo, totalmente em madeira, entre todos os participantes inscritos, confeccionado por um artesão mato-grossense.

SORTEIO 2:
– Ao final das inscrições, 3 (três) participantes serão contemplados, por sorteio, com um livro (à escolha da equipe organizadora) autografado.

PRÊMIO:
– Os 45 primeiros inscritos (15 por categoria) serão convidados a participar da Maratona COLCHA DE RETALHOS, e concorrerão a uma matéria exclusiva para a Revista Letrilha (haverá 3 pessoas contempladas) e destes 3, um será escolhido para participar do grande prêmio final (uma linda colcha de retalhos, confeccionada por uma artesã goiana), que será na conclusão do projeto, composto pela trilogia e pelo prêmio Frase Premiada (última etapa).

COMPRA:
– O eBook ficará à venda por R$ 10,00, esperamos que cada participante compre, no mínimo, um exemplar digital dos trabalhos publicados, para auxiliar na continuação projeto, e na promoção da cultura.

NOTA:
As obras participantes poderão ser utilizadas, a critério da organização do concurso, para publicação em meio eletrônico e/ou físico, sem que isso incida em pagamento de royalties ao autor. A publicação poderá ser em meio gratuito ou comercial.

RESULTADO DESTA ETAPA:
Data provável: 30/08/2021

Onde:
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No site: www.assiseditora.com.br
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VETOS

1: Conteúdo que apresente qualquer tipo de preconceito e/ou insulto a terceiros, incitação à violência e/ou desabafo político-partidário, será desclassificado.

2: É de responsabilidade exclusiva do autor a observância e a regularização de toda e qualquer questão relativa a direitos autorais sobre a obra inscrita.

3: Ao se inscrever no presente evento, o autor deixa explícita a sua concordância com este regulamento e autoriza a publicação da obra conforme edital, mantendo ao projeto o direito de utilizar o texto enviado, premiado ou não, em publicação, posterior ao resultado da chamada.
Eventuais casos não previstos no Edital serão inapelavelmente dirimidos pelos organizadores do Concurso.

Uberlândia-MG, julho de 2021.
Ivone Gomes de Assis
Revista Letrilha / Assis Editora.
(34) 3222-6033
Instagram: @assiseditora
Página Facebook: /editoraassis
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Fonte:
Email enviado pela Letrilha Revista <revistaletrilha@gmail.com>

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Varal de Trovas 513

 


A. A. de Assis (Maringá dó-ré-mi-fá)

Esta cidade nasceu para ser a Atenas do norte do Paraná. Tudo aqui indica a vocação deste povo para a música, para a literatura, para todas as artes. Um dia vocês vão entender por que estou dizendo isso”. – Palavras do compositor Joubert de Carvalho, em discurso no dia da inauguração da rua que tem o seu nome em Maringá. A profecia não tardou a confirmar-se.

Maringá nasceu cantando” – era o que já naquela época se dizia. O então jornalista, radialista e vereador Antenor Sanches empunhou a bandeira: conseguiu por unanimidade a aprovação da lei que oficializou o apelido da jovem urbe como “Cidade Canção”.

Hoje é difícil dizer quantos músicos aqui atuam, quantos escritores, quantos atores, quantos pintores, quantos escultores. Conheço alguns, não conheço a maioria. Na música, por exemplo, vêm-me de pronto à lembrança o notável maestro, compositor, tenor Geandré Ramiro, a querida maestrina Denise Pimentel, a ótima cantora Madalena Alves.

Penso também no Femucic, na Orquestra Filarmônica UniCesumar, na Orquestra de Câmara da UEM, no Coro Cobra Coral, no Coro Arquidiocesano. Mas sei que há vários outros grupos de altíssimo nível  fazendo bonito aqui e até em apresentações no exterior.

Conheci melhor os da geração pioneira, dos quais guardo ótimas lembranças, a começar pelo inesquecível maestro Aniceto Matti. Aquele sorriso gostoso dele tocando piano e acordeón na Rádio Cultura, nos bailes, ou regendo coros nas igrejas e nos colégios.

Quando cheguei aqui (1955), já havia uma banda e uma orquestra. Henrique Marchini era o maestro das duas; o presidente da banda era o vereador Primo Montéschio. Depois a banda passou a chamar-se “Joubert de Carvalho”, presidida pelo poeta Ary de Lima e depois pelo pioneiríssimo Otávio Periotto. Fernando Penha era o maestro e tinha também uma orquestra, que contava com músicos excelentes, como o baterista Toninho, o pistonista Pirulito, o violonista Romeu.

Veio em seguida o famoso grupo “Britinho e seus Cometas”. Uma rapaziada moderna que inaugurou por aqui a era do rock. Havia também o professor Thomé com a sua Academia de Acordeón. E os geniais Shiniti Ueta e Tercílio Men, que continuam na ativa.    

Lembro-me ainda do professor Geraldo Altoé, o primeiro organizador de coros da Catedral, e de sua irmã, também regente – a queridíssima professora Polônia Altoé Fusinato, que ainda hoje dirige com brilho e ardor um dos nossos melhores grupos corais religiosos.

Destaque especial para o simpaticíssimo maestro Fumimasa Otani, um dos personagens mais fascinantes de nossa música. Também para o maestro Antônio Balan e para os dirigentes das grandes fanfarras que marcaram época na história da cidade: Hiran Sallée, Dalisbor, Irmão Pedrão. E ainda para as inesquecíveis professoras dos conservatórios pioneiros, entre as quais Mirthes Fernandes de Souza e as irmãs Yaeko e Sumiko Miyamoto, do Luzamor.

Peço desculpas por não citar todos e todas. Mas a todas e todos os que têm feito  realmente de Maringá uma “Cidade Canção”, deixo aqui um carinhoso abraço. Bravo!!!
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 08-7-2021)

Fonte:
Blog do autor.
https://aadeassis.blogspot.com/2021/07/maringa-do-re-mi-fa.html

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XXVII

REVOLTA...


MOTE:
Chega a noite...Aumenta o frio...
E esta revolta em meu peito,
se faz maior que o vazio,
que tu deixaste em meu leito!...
Aloísio Alves da Costa
(Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE)


GLOSA:
CHEGA A NOITE...AUMENTA O FRIO...

a tristeza se agiganta,
e a lembrança em desvario
qualquer alegria, espanta!

Me acompanha a solidão
E ESTA REVOLTA EM MEU PEITO,
que fazem meu coração,
sentir-se, agora, desfeito!

Tua ausência é um desafio
bem maior que tudo, enfim...
SE FAZ MAIOR QUE O VAZIO,
que sinto dentro de mim!

Revolta, dor, desencanto
de um amor, quase perfeito,
foi o tudo, no entretanto
QUE TU DEIXASTE EM MEU LEITO!…
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PENSANDO...

MOTE:
Quando a sorrir, me abraçaste,
quando, a sorrir, te beijei,
imagino o que pensaste,
pensando no que pensei!...
Ciro Vieira da Cunha
(São Paulo/SP, 1897 – 1976, Rio de Janeiro/RJ)


GLOSA:
QUANDO A SORRIR, ME ABRAÇASTE,

foi tudo maravilhoso,
o sabor que, em mim, deixaste,
foi muito mais que gostoso!

Tu ficaste bem feliz,
QUANDO, A SORRIR, TE BEIJEI,
com o carinho que eu fiz
sinto que te conquistei!

Não falei e não falaste,
mas nesse exato momento,
IMAGINO O QUE PENSASTE,
imagino, cem por cento!

Unidos , em simbiose
por ti, eu me apaixonei,
e que o teu coração goze,
PENSANDO NO QUE PENSEI!…
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VENCER!

MOTE:
SÃO MUITOS OS FARDOS TEUS?
LUTA SEM ESMORECER
PROCURA FORÇAS EM DEUS,
POIS O QUE IMPORTA É VENCER.
Clair Fernandes Malty
(Itapema/SC)


GLOSA:
SÃO MUITOS OS FARDOS TEUS?

Para repartir – juntemos!
Coloca-os junto aos meus,
de mãos dadas, seguiremos!

É necessário lutar!
LUTA SEM ESMORECER
e segue sempre a sonhar,
pra que não venhas perder!

Deus ajuda os filhos seus.
Segue seus ensinamentos,
PROCURA FORÇAS EM DEUS,
e findarão teus lamentos!

Segue em frente, no teu dia,
não te deixes abater,
terás contigo a alegria,
POIS O QUE IMPORTA É VENCER.
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NOITES EM CLARO

MOTE:
Eu passo as noites em claro,
não consigo mais dormir!
Ter noites de sono é raro
depois que te vi partir!
Dalvina Fagundes Ebling
(Cruz Alta/RS)


GLOSA:

EU PASSO AS NOITES EM CLARO,
o sol nasce, em explosão
de luz, mas eu nem reparo
pois é negra a solidão!

Rolo sozinha no leito,
NÃO CONSIGO MAIS DORMIR!
Soluça forte o meu peito,
meu coração quer fugir!

Boas lembranças, separo,
para ficarem comigo !
TER NOITES DE SONO É RARO;
tal angústia é o meu castigo!

Um lago só de tristezas
vejo do pranto surgir,
nessas noites sem belezas,
DEPOIS QUE TE VI PARTIR!
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SAUDADE

MOTE:
Saudade – lembrança triste
de tudo que já não sou...
Passado que tanto insiste
em fingir que não passou!
Edgard Barcelos Cerqueira
(Rio de Janeiro/RJ, 1913 - ????)


GLOSA:
SAUDADE – LEMBRANÇA TRISTE

de uma alegria sentida,
que, agora, não mais existe,
deixando cinza essa vida!

A lembrança que hoje tenho
DE TUDO QUE JÁ NÃO SOU...
fica em mim e então desenho
como a minha alma ficou!

Meu pranto a jorrar assiste,
afogar-se como gente...
PASSADO QUE TANTO INSISTE
em permanecer presente!

Continuo o meu caminho
com o resto que sobrou...
Teima o passado daninho
EM FINGIR QUE NÃO PASSOU!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XIX. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. 2004.

Alcântara Machado (A Piedosa Teresa)

(Dona Teresa Ferreira)

Atmosfera de cauda de procissão. Bodum.

Os homens formam duas filas diante do altar de São Gonçalo. São Gonçalo está enfaixado como um recém-nascido. Azul e branco. Entre palmas-de-são-josé. Estrelas prateadas no céu de papel de seda.

Os violeiros puxando a reza e encabeçando as filas fazem reverências. Viram-se para os outros. E os outros dançam com eles. Bate-pé no chão de terra socada. Pan-pan~pan-pan! Pan-pan! Pan Pan-pan-pan-pan! Pan-pan! Param de repente.

Para bater palmas. Pla-pla-pla-plá! Pla-plá Plá! Pla-pla-pla-plá! Pla-plá! Param de repente.

Para os violeiros cantarem, viola no queixo:

É este o primero velso
Qu'eu canto pra São Gonçalo

- Senta ai mesmo no chão, Benedito. Tu não é mió que os outro, diabo!

É este o primero velso
Qu'eu canto pra São Gonçalo

E o coro começa grosso, grosso. Rola subindo. Desce fino, fino. Mistura-se. Prolonga-se. Ôooôh! Aaaah! ôaaôh! Ôaiiiih! Um guincho!

O violeiro de olhos apertados cumprimenta o companheiro. E marcha seguido pela fila. Dá uma volta. Reverências para a direita. Reverências para a esquerda. Ninguém pisca. Volta para seu lugar.

- Entra, Seu Casimiro!

O japonês Kashamira entra com a mulher e o filhinho brasileiros de roupa de brim. Inclina-se diante de São Gonçalo. Acocora-se.

O acompanhamento das violas feito de três compassos não cansa. Nos cantos sombreados os assistentes têm rosário nas mãos. No centro da sala de cinco por quatro a lâmpada de azeite dança também.

Minha boca está cantando
Meu coração lhe adorando

Cabeças mulatas espiam nas janelas. A porta é um monte de gente. Dona Teresa, desdentada, recebe os convidados.

- Não vê que meu defunto Seu Vieira tá enterrado já há dois ano... Faiz mesmo dois ano agora no Natar.

Pan-pan-pan-pan! Pan-pan! Pan!

- A arma dele tá penando aí por esse mundo de Deus sem podê entrá no céu.

Pla-pla-pla-plá! Pla-plá!

- Eu antão quis fazê esta oração pra São Gonçalo deixá ele entrá.

Vou mandá fazê um barquinho
Da raiz do alecrim

O menino de oito anos aumenta a fila da direita. A folhinha da parede é uma paisagem de neve. Mas tem um sol. E o guerreiro com uma bandeirinha auriverde no peito espeta o sol com a espada. EMPÓRIO TUIUTI.

Pra embarcá meu São Gonçalo
Do promá pro seu jardim

Desafinação sublime do coro. Os rezadores sacodem o corpo. Trocam de posição. Enfrentam-se. Dois a dois avançam, cumprimento aqui, cumprimento ali, tocam-se ombro contra ombro, voltam para os seus lugares. O negro de pala é o melhor dançarino da quadrilha religiosa.

São Gonçalo é um bom santo
Por livrá seu pai da forca

Só a casinha de barro alumiando a escuridão.

- Não vê que o Crispim também pegou uma doença danada. Não havia jeito de sará. O coitado quis até se enforcá num pé de bananeira!

Dona Teresa é viúva. Viúva de um português. Mas nem oito dias passados Dona Teresa se ajuntou com o Crispim. A filhinha dela ri enleada e é namorada de um polaco. Na Fazenda Santa Maria está sozinha pela sua boniteza. Dona Teresa cuida da alma do morto e do corpo do vivo. No carnaval deste ano organizou um cordão. Cordão dos Filhos da Cruz. Dona Teresa é pecadora mas tem sua religião. Todos gostam dela em toda a extensão da Estrada da Cachoeira. Dona Teresa é jeitosa, consegue tudo e ainda por cima é pagodeira.

Artá de São Gouçalo
Artá de nossa oração

- Nóis antão fizemo uma promessa que se Crispim sarasse nóis fazia esta festinha.

Foi promessa que sarando
Será seu precuradô

As violas têm um som, um som só. É proibido fumar dentro da sala. Chega gente.

São Gonçalo tava longe
De longe já tá bem perto

Um a um curvam-se diante do altar. O violeiro de olhos apertados está de sobretudo. Negros de pé no chão.

Nóis tamo memo emprestado neste mundo.
Cantando cruzam a salinha quente.

Amor castiga a gente. Olhe a Rosa que não quis casar com o sobrinho do poceiro. Não houve conselho de mãe, não houve ameaça de pai nem nada.

Fincou o pé. E fugiu com o italiano casado carregado de filhos. Um até de mama. Não tinham parada. Agora, agora está ai judiada com o ventre redondo. São Gonçalo tenha dó da coitada.

Abençoada seja a união
Que enfeitô este oratório

O preto de pala dá um tropicão engraçado. E a mulher de azul-celeste dá urna risada sem respeito. O bico do peito escapuliu da boca do filho.

Da dança de São Gonçalo
Ninguém deve caçoá

Ôooôh Aaaah! ôaiiiih!

São Gonçalo é vingativo
Ele pode castigá

Silêncio na assistência descalça. As bandeirinhas de todas as cores riscam um x em cima dos dançarinos. Atrás da casa tem cachaça do Corisco.

- Depois é a veiz das môça. Quem quisé pode pegá o santo e dançá com ele encostado no lugá doente.

Onde chega os pecadô
Ajoeai pedi perdão

O estouro dos foguetes ronca no vale fundo. Anda um ventinho frio cercando a casa.

São Gonçalo tá sentado
Com sua fita na cintura

O caboclo louro puxa a faca e esgaravata o dedão do pé.

- São seis reza de hora e meia cada mais ou meno. Pro santo ficá satisfeito.

Lá no céu será enfeitado
Pla mão de Nossa Sinhora

Pan-pan-pan-pan! Pan-pan! Pla-pla-pla-plá! Plaplá! Plá! Pla-pla-pla-plá!

Oratório tão bonito
Cuma luz a alumiá

De cima do montão de lenha a gente vê São Paulo deitada lá embaixo com os olhos de gato espiando a Serra da Cantareira. Nosso céu tem mais estrelas.

São Gonçalo foi em Roma
Visitá Nosso Sinhô

Dona Teresa parece uma pata.

- Só acaba aminhã, sim sinhô! Vai até o meio-dia, sim sinhô! E acaba tudo ajoeiado, sim sinhô!

Ôooôh! Aaaah! ôaaôh! ôaôaiiiih! Primeiro é órgão. Cantochão. Depois carro de boi. No finzinho então.

Sinhora de Deus convelso
Padre Filho Espírito Santo

Quem guincha é mesmo o caipira de bigodes exagerados.

Fonte:
Alcântara Machado. Laranja-da-China.

terça-feira, 13 de julho de 2021

Rachel de Queiroz (A Decoração da fama)

A NOSSA casa de fazenda é extremamente rústica, e rústico o que a cerca o pátio coberto de mata-pasto, a cerca fechando o terreiro, o curral, a casa de farinha, as casas dos moradores. Tudo como era o uso por cá, cem anos atrás.

E então as pessoas vêm de visita conhecer a casa da escritora e sentem-se decepcionadíssimas, chegam a ficar ofendidas. Acham que seria de esperar que alguém, cujo nome sai com frequência nas folhas, alguém que muita gente conhece, devesse ter um cenário que realçasse e não que diminuísse!

Certa senhora, mulher de um figurão, deu volta no seu caminho para passar por aqui; imagino o que ela viu, coitada: era a seca do ano passado, nós estávamos longe, a casa fechada, o açude com a água lá embaixo, o mato crestado, o curral vazio. Ficou danada:

— “Então é aqui que mora a R. Q.? E eu perdendo o meu precioso tempo em passar por cá!”

Acho que ela esperava encontrar a fazenda “Empyrio”...

Hoje em dia, creio que é influência americana, o êxito das pessoas só se mede em termos de riqueza. Os astros de rádio e TV se sacrificam para exibir casa com jardim na Barra da Tijuca, ou cobertura palacial no Leblon; sabem como é importante a imagem: — o público só acreditará no sucesso deles se os vir dentro da indispensável moldura de luxo.

A nós, escritores, não nos exigem tanto, mas, dirão eles, tudo tem um limite! Acabou-se o tempo em que o poeta escrevia suas obras-primas numa mansarda. Agora não mais se admite mansarda: agora é só mansão!

É, nesta sociedade chamada ‘afluente’’, só se respeita mesmo o abastado; nem se concebe que alguém escolha a modéstia, se lhe for possível ostentar ou aparentar riqueza. É até um desaforo, ofende as pessoas — como sucedeu com a minha dama visitante.

Recordo um exemplo muito significativo:

Certa vez, Manuel Bandeira jantou lá em casa e, à saída, eu o acompanhei à rua, onde ele ia apanhar condução. Não passava um táxi, nem havia nenhum no ponto; nisso veio um ônibus que lhe passaria à porta, e Manuel o tomou.

Duas mulheres paradas à esquina nos olhavam; e quando, depois de embarcar Manuel, eu passei por elas, ouvi que uma dizia:

— Garanto a você que aquele é mesmo o Manuel Bandeira!

Mas a outra a encarou furiosa e falou alto, sem se importar que eu ouvisse.

— Manuel Bandeira, de ônibus! DE ÔNIBUS, imagine! Você é mesmo é louca!

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.

Trovas de Escritores de Ontem I

ALPHONSUS DE GUIMARAENS

Como, Jesus, me esqueceste
nesta horrível soledade!
Aos trinta e três tu morreste...
E eu já tenho a tua idade!
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Nasci em leito de rosas
e morro em leito de espinhos...
Ó mães, que sois caridosas,
velai por vossos filhinhos!
= = = = = = = = = = =

O cinamomo floresce
em frente do teu postigo:
cada flor murcha que desce
morre de sonhar contigo.
= = = = = = = = = = =

O coqueiro, todo em palmas,
beija o cinamomo em flor...
Imagem das nossas almas,
unidas no mesmo amor!
= = = = = = = = = = =

Quando em teus olhos reluz
o carinho de uma prece,
se é dia, o sol tem mais luz,
se é noite, logo amanhece.
= = = = = = = = = = =

Quando os teus olhos, Senhora,
repousam no meu olhar,
fica mais formosa a aurora,
mais formoso fica o luar.
= = = = = = = = = = =

Tradições, quimeras, lendas...
Ninguém crê na Eterna Voz!
Que vale, Senhor, que estendas
o teu carinho até nós?
= = = = = = = = = = =

Tristeza das tardes ermas,
das noites brancas de luar!
As almas que estão enfermas
no teu seio vão chorar...
= = = = = = = = = = =

Tu não sabes porque a lua
é triste e nunca sorri...
Mas que ingenuidade a tua!
— Os poetas moram ali.
= = = = = = = = = = =
= = = = = = = = = = =

ÁLVARES DE    AZEVEDO


Acorda, minha donzela!
Foi-se a lua — eis a manhã.
E nos céus da primavera
a aurora é tua irmã!
= = = = = = = = = = =

Acorda, minha donzela,
soltemos da infância o véu..,
Se nós morrermos num beijo,
acordaremos no céu!
= = = = = = = = = = =

Amemos! Quero de amor
viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
que desmaia de paixão!
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Amo a voz da tempestade
porque agita o coração,
e o espírito inflamado
abre as asas no trovão!
= = = = = = = = = = =

Dá-me um beijo — abre teus olhos,
por entre esse úmido véu:
Se na terra és minha amante,
és a minha alma no céu!
= = = = = = = = = = =

Descansar nesses teus braços
fora angélica ventura;
Fora morrer — nos teus lábios,
aspirar alma tão pura!
= = = = = = = = = = =

É doce amar como os anjos
da ventura no himeneu;
minha noiva ou minha amante,
vem dormir no peito meu!
= = = = = = = = = = =

Entre os suspiros do vento,
da noite ao mole frescor,
quero viver um momento,
morrer contigo de amor!
= = = = = = = = = = =

Quero viver de esperança,
quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
quero sonhar e dormir!...
= = = = = = = = = = =

Tenho músicas ardentes,
ais do meu amor insano,
que palpitam mais dormentes
do que os sons do teu piano!
= = = = = = = = = = =
Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva, 1967.

Contos e Lendas do Paraná 2 (Tibagi: O drama da Fazenda Fortaleza)


Prestem muita atenção no que agora vou contar
Na Fazenda Fortaleza tem história de arrepiar
Uma escrava coitadinha que era alegre e bonitinha
Teve os dentes arrancados pela mulher do Tenente
Que pegou o alicate e sem ter pingo de dó
Deixou a pobre menina desdentada a chorar
Logo os dentes arrancados ela entregou de presente

II
E as histórias da fazenda não param por aí
Conta-se que José Felix tinha grande fortuna
Ela estava escondida em algum canto da fazenda
E até hoje se procura esconderijo da fortuna
Os escravos que sabiam não voltaram pra contar
Pois o tal do José Felix tratou de os matar
E hoje muitos que almejam a fortuna desfrutar
Fazem consultas do além para os dobrões encontrar

III
Mais de cem anos passados da morte de José Felix
Um médium invoca o espírito do rico senhor
Mas o morto reclamava que abusavam dele
E gritava “afinal quem manda aqui?”
Falando de sua vida, suas lutas e chorou
E em meio da emoção esta frase ele soltou
“Aqui vi dias felizes e aqui cheguei a chorar
Vocês estão todos loucos isto aqui não vale nada”

IV
Para terminar a história meu amigo não se iluda
Essa busca é inútil nem do amém se descobriu
O esconderijo da fortuna continua um mistério
Viva sua vida em paz e não mais corra atrás
Pois o ouro enterrado do senhor da Fortaleza
É um tesouro maldito quanto escravo ele matou
O que vale nesta vida é em Tibagi viver em paz
Da Fazenda Fortaleza a fortuna não quero mais.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 
Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Jaqueline Machado (Doe vida)

Independente dos conflitos internos e externos que insistem em nos perturbar, tudo o que desejamos é viver bem. Mesmo quem geme de dor, pedindo para morrer, em verdade, quer ser feliz, sentir-se vivo, pleno em seus propósitos. A vida é o que há de mais precioso no mundo. E não só a nossa vida importa, a de nossos familiares, amigos, conhecidos e, até mesmo a vida de quem não conhecemos importa muito!

Portanto, vamos deixar de lado o egoísmo, o comodismo e agir em favor do bem geral. Vamos a partir de hoje, olhar mais por nós e pelo nosso próximo. Seja solidário e cumpra com o seu dever. Como? Doando uma parte de você para salvar alguém. Estamos no mundo para fazer o amor fluir.

Uma das formas mais belas de salvar vidas é, sem dúvidas, doando parte do que temos de melhor, amor para quem está carente, tempo para prestar serviços voluntários ou quem sabe, o nosso próprio sangue. Pesquisas revelam que doações sanguíneas caíram muito nesse período de pandemia. Mas não podemos esquecer que os problemas de saúde existentes anteriormente a pandemia, continuam aí, pessoas permanecem sofrendo a todo instante por complicações no coração, diabetes, câncer, acidentes, etc...

E por falar em acidentes, diariamente, muitos acidentados, clamam por doadores. Em tais tragédias, pessoas se ferem, perdem sangue e, podem até morrer por causa da ausência de doadores. Por isso peço: seja um Doador de Sangue - Oriente-se a respeito - Adote esta ideia - Torne-se um Elo salvador - Participe dessa Corrente.

Uma doação pode salvar quatro vidas.
PENSE NISSO! PENSE COM AMOR!

Fonte:
Texto enviado pela autora.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Arquivo Spina 38: Ana Meireles

 

Humberto de Campos (O Prestígio do "Rouge")

Quando a gripe devorava, no Rio de janeiro, diariamente, centenas de vidas, a porta do Céu fazia, recordar, lá em cima, as portas de cinema, em dia de programa sensacional. Homens, mulheres, crianças, pessoas cuja morte estava iminente ou marcada para uma época muito distante, amontoavam-se diante da grande fachada refulgente de estrelas, reclamando, com o bilhete de entrada, o prêmio das suas boas obras ou do seu martírio.

- Antônio Esmeraldino Gomes de Albuquerque! - chamava, em voz alta, o santo do dia, lendo uma lista de nomes.

- Presente! - respondia o invocado, encaminhando-se para a porta.

São Pedro conferia os sinais da pessoa e dava-lhe, então, entrada, entre o coro festivo dos anjos.

Uma tarde, porém, chegou à fachada do Paraíso, entre milhares de vítimas da epidemia, uma senhora de uns quarenta e tantos anos, vitimada naquele dia. Pálida, com os lábios alvos como a cera dos círios que deixara na terra, a sua fisionomia denunciava cansaço, tristeza, sofrimento. De repente, chamaram um nome:

- D. Luíza Gonçalves Pedreira.

- Presente! - confirmou a nobre defunta, pondo, já um dos pés no batente sagrado.

Uma grande mão desceu, porém, sobre o seu ombro, detendo-a.

- É a senhora? - indagou, severo, o chaveiro.

- Sou eu mesma, meu santo!

- Mas a outra, a que vivia na terra, tinha, segundo os sinais que me fornecem, as faces muito coradas.

A dama não respondeu.

- E os lábios muito vermelhos.

Novo silêncio.

- E os cabelos muito negros.

Silêncio ainda.

- E umas olheiras muito pronunciadas.

Nesse ponto, antes que a enumeração tomasse um caráter comprometedor, D. Luisinha teve uma ideia: mergulhou as mãozinhas pálidas no forro da mortalha, arrancou de lá um lápis de "rouge", um pedaço de bistre, um canudo de cosmético, penteou-se, empoou-se, endireitou-se, e, levantando a cabeça, encarou o apóstolo.

- Pronto! - exclamou a dama.

São Pedro mirou-a, sorrindo. E, escancarando a porta, convidou:

- Ahn! É a senhora mesmo... Entre!

E ela entrou.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. 1925. (Conto LXXXVIII)

Professor Garcia (Poemas do Meu Cantar) Trovas – 10 –

A infância é como se fosse,
a saudade que se foi
na voz da canção mais doce,
de um velho carro de boi!
= = = = = = = = = = =

Ao sonhar e, em meus refolhos,
em meio a tantos sozinhos;
apago a luz dos meus olhos
e acendo a luz de outros ninhos!
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Ao ver o velho e a criança,
eu vi entre os dois, no entanto,
que era a fonte da esperança
junto da fonte do pranto!
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Canta pardal... Que em teu trino,
há notas tão divinais
que, as musas do meu destino,
não cantaram, nunca mais!
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Dando busca em meus papéis,
saudades de meus avós...
Reencontrei velhos cordéis
breviários de todos nós!
= = = = = = = = = = =

Duas letras do teu nome,
no travesseiro e na fronha:
Um "d", da dor que consome
e um "a", do amor de quem sonha!
= = = = = = = = = = =

Eis que a sombra me revela,
na tarde em que me consome
que, o rubro das cores dela,
pintou de rubro o meu nome!
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Entre antigos pergaminhos
e os mais velhos alfarrábios,
há marcas pelos caminhos
dos pés descalços dos sábios!
= = = = = = = = = = =

Foram-se as verdes quimeras,
como as brumas outonais!...
E, entre as velhas primaveras,
elas não voltam jamais!
= = = = = = = = = = =

Fui rever nosso passado;
nas cinzas dos sonhos vãos...
Senti no fogo apagado,
as cinzas de nossas mãos!
= = = = = = = = = = =

Majestade e majestosa;
nela, é que a trova, se espelha.
Abrace e beije essa rosa,
é a nossa rosa vermelha!
= = = = = = = = = = =

Meu teto fica mais lindo,
rico de amor e de afeto,
com a chuva fina caindo,
batendo papo, no teto!
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Não temas à dor injusta,
que a injustiça não reluz;
melhor a derrota justa
que a glória injusta e sem luz!
= = = = = = = = = = =

Na vida que se refaz,
minha alma, com destemor,
por ser mendiga da paz
pede uma esmola de amor!
= = = = = = = = = = =

No céu, sozinha, vagando
há uma nuvem que passeia,
qual lenço branco enxugando
os olhos da lua cheia!
= = = = = = = = = = =

No pranto das horas calmas,
sussurros no meu portão.
São os cochichos das almas
no ouvido da solidão!
= = = = = = = = = = =

No sertão, que a seca vai
ressecando os sonhos meus;
a gota d'água que cai
é uma lágrima de Deus!
= = = = = = = = = = =

Num pequeno gesto nobre,
e entre os trapos, ao meu lado,
vi na humildade de um pobre,
o orgulho sendo humilhado!
= = = = = = = = = = =

O cego de tudo ria;
que exemplo, o cego me deu!...
E, aquele cego de guia,
via bem mais do que eu!
= = = = = = = = = = =

O poeta em seus delírios,
se compara aos pirilampos
que, de manhã beija os lírios
e à noite, brilha nos campos!
= = = = = = = = = = =

O silêncio, de alma nua,
nas noites velhas, sem sono;
faz campana em minha rua
à espreita de alguém sem dono!
= = = = = = = = = = =

O Sol se põe sem alarde;
mas deixa sem perceber
lágrimas, no fim da tarde,
nas nuvens do entardecer!
= = = = = = = = = = =

Para o poema, que se espera
no entardecer do sertão;
o sol da tarde, se esmera,
pintando o céu de ilusão!
= = = = = = = = = = =

Passa o tempo, a idade avança,
vão-se os dias mais risonhos;
resta um resto de esperança
entre os cacos dos meus sonhos!
= = = = = = = = = = =

Quando a noite em seus fracassos,
conta os sonhos que se vão;
cada sonho, estende os braços
nos varais da solidão!
= = = = = = = = = = =

Se acaso, uma dor murmura
em teu peito, e aumenta o tédio...
Mesmo para um mal sem cura,
o amor, é um santo remédio!
= = = = = = = = = = =

Torna-se a dor mais aguda,
e a tristeza se mantém…
Quando uma lágrima muda,
prende-se aos olhos de alguém!
= = = = = = = = = = =

Trouxe os sonhos de criança
e, o meu velho bandolim!...
Quantos sonhos de esperança,
todos grisalhos no fim!
= = = = = = = = = = =

Velho mar, de alma vazia,
por que é que, tu não te acalmas?
Reclamas da companhia
do choro triste das almas?!
= = = = = = = = = = =

Fonte:
Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020.
Livro enviado pelo autor.

Fernando Sabino (A Ironia do Destino)

— Vamos tomar um refresco.

Nunca fui muito assíduo às aulas e mal me lembrava dele. Mas já me pegava pelo braço e me arrastava com intimidade a uma confeitaria, depois de apresentar-me à esposa:

— Ele só aparecia nas provas. Hoje é escritor.

Era uma criatura de franja, olhos negros e esquivos, rosto de menina. Na confeitaria não deu uma palavra, enquanto o marido continuava relembrando um tempo que significava tão pouco para mim:

— E aquela prova de Constitucional?

Eu tomava rapidamente o refresco, para abreviar o encontro.

— Você não sabia que eu tinha me casado?

De repente eu me lembrava: seu namoro com uma colega nossa durante todo o curso, ficara noivo no último ano. Houvera até uma celebração entre os alunos... Mas não era aquela.

— Se você soubesse por que desmanchei o primeiro noivado...

E provou o refresco, para ganhar tempo. A mulher com rosto de menina mexeu-se na cadeira, constrangida. Ele percebeu, fez um gesto, disse que não tinha importância: eu era escritor, sabia compreender essas coisas.

E passou a contar por que desmanchara o noivado. O que a outra significava para ele: namorados desde meninos. Os pais haviam resolvido celebrar de uma vez o noivado, antes que as coisas se agravassem. O casamento seria assim que terminassem o curso. Ela com enxoval preparado, ele já com emprego garantido, o apartamento alugado, a mobília comprada. Foi então que alguém lhe sugeriu a ideia maldita: exame pré-nupcial. O médico o chamou a um canto para dizer que quanto ao mais tudo normal com ele, mas jamais teria filhos.

Olhei discretamente a mulher. Ela se distraía com o canudo do refresco, alheia a tudo.

— Eu disse que quanto ao mais tudo normal ...

Endireitou-se na cadeira para contar que procurou a noiva e deu-lhe a notícia. Que se havia de fazer? Podiam futuramente adotar uma criança. Essas coisas... Achou esquisita a reação dela: ficou séria, pediu prazo para pensar. E findo o prazo, veio dizer que sendo assim, sentia muito, mas preferia não se casar com ele.

— Fiquei arrasado. Nunca mais quis ouvir falar dela. Dela nem de mulher nenhuma. Pouco tempo depois soube que ela havia se casado com outro. Sete anos se passaram, veja a ironia do destino: sete anos se passaram e até hoje ela não teve um só filho. Ao passo que eu...

A mulher o interrompeu pela primeira vez:

— Meu bem, acho que está na hora de irmos.

— Ao passo que eu... — continuou ele, sem ouvir — ... um dia conheci esta aqui.

Contou como havia conhecido aquela ali. E como ficou de novo apaixonado, depois de sete anos! Mas dessa vez tinha sido mais prudente:

— Não procurei médico nenhum, não contei nada sobre o exame. Não foi isso mesmo, meu bem?

— Vamos, não é? — pediu ela, um pouco ansiosa: — Já está ficando tarde.

— E veja você como são esses médicos — prosseguiu ele. — Vivi sozinho esses anos todos, desiludido de mulher e de tudo mais só por causa do vigarista de um médico. Jamais teria filhos! Pois muito bem: me casei assim mesmo, não tem nem dois anos, e ela já está esperando um filho meu.

Sorriu, vitorioso, Voltando-se para a mulher. Senti que ela me dava um rápido olhar de expectativa. Como eu, imperturbável, não dissesse nada, abaixou modestamente os olhos.

Fonte:
Fernando Sabino. Deixa o Alfredo falar. Publicado em 1976.

domingo, 11 de julho de 2021

Adega de Versos 33: José Antonio Jacob

 


Stanislaw Ponte Preta (O Milagre)

Vi aquela pequena cidade as romarias começaram quando correu o boato do milagre. É sempre assim. Começa com um simples boato, mas logo o povo — sofredor, coitadinho, e pronto a acreditar em algo capaz de minorar sua perene chateação — passa a torcer para que o boato se transforme numa realidade, para poder fazer do milagre a sua esperança.

Dizia-se que ali vivera um vigário muito piedoso, homem bom, tranquilo, amigo da gente simples, que fora em vida um misto de sacerdote, conselheiro, médico, financiador dos necessitados e até advogado dos pobres, nas suas eternas questões com os poderosos. Fora, enfim, um sacerdote na expressão do termo: fizera de sua vida um apostolado.

Um dia o vigário morreu. Ficou a saudade morando com a gente do lugar. E era em sinal de reconhecimento que conservavam o quarto onde ele vivera, tal e qual o deixara.

Era um quartinho modesto, atrás da venda. Um catre (porque em histórias assim a cama da personagem chama-se catre), uma cadeira, um armário tosco, alguns livros. O quarto do vigário ficou sendo uma espécie de monumento à sua memória, já que a prefeitura local não tinha verba para erguer sua estátua.

E foi quando um dia... ou melhor, uma noite, deu-se o milagre. No quarto dos fundos da venda, no quarto que fora do padre, na mesma hora em que o padre costumava acender uma vela para ler seu breviário, apareceu uma vela acesa.

— Milagre!!! — quiseram todos.

E milagre ficou sendo, porque uma senhora que tinha o filho doente, logo se ajoelhou do lado de fora do quarto, junto à janela, e pediu pela criança. Ao chegar em casa, depois do pedido — conta-se — a senhora encontrou o filho
brincando, fagueiro.

— Milagre!!! — repetiram todos. E o grito de "Milagre!!!" reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no ouvido de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias.

Vinha gente de longe pedir! Chegava povo de tudo quanto é canto e ficava ali plantado, junto à janela, aguardando a luz da vela. Outros padres, coronéis, até deputados, para oficializar o milagre. E quando eram mais ou menos seis da tarde, hora em que o bondoso sacerdote costumava acender sua vela... a vela se acendia e começavam as orações. Ricos e pobres, doentes e saudáveis, homens e mulheres, civis e militares caíam de joelhos, pedindo.

Com o passar do tempo a coisa arrefeceu. Muitos foram os casos de doenças curadas, de heranças conseguidas, de triunfos os mais diversos. Mas, como tudo passa, depois de alguns anos passaram também as romarias. Foi diminuindo a fama do milagre e ficou, apenas, mais folclore na lembrança do povo.

O lugarejo não mudou nada. Continua igualzinho como era, e ainda existe, atrás da venda, o quarto que fora do padre.

Passamos outro dia por lá. Entramos na venda e pedimos ao português, seu dono, que vive há muitos anos atrás do balcão, a roubar no peso, que nos servisse uma cerveja. O português, então, berrou para um pretinho que arrumava latas de goiabada numa prateleira:

— Ó Milagre, sirva uma cerveja ao freguês!

Achamos o nome engraçado. Qual o padrinho que pusera o nome de Milagre naquele afilhado? E o português explicou que não, que o nome do pretinho era Sebastião. Milagre era apelido.

— E por quê? — perguntamos.

— Porque era ele quem acendia a vela, no quarto do padre.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Dois amigos e um chato. Ed. Moderna, 1996

Fernando Pessoa (Caravela da Poesia) XXIV

ANDAVAM DE NOITE

 
Andavam de noite aos segredos
Só porque era noite...
Os bosques enchiam de medos
Quem quer que se afoite...

Diziam [?] palavras que pesam [?]
À sombra de alguém...
Ninguém os conhece, e passam...
Não eram ninguém...

Fica só na aragem e na ânsia
Saudade a fingir...
Foi como se fora distância...
Eu torno a dormir.
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A NOVELA INACABADA
 
A novela inacabada,
Que o meu sonho completou,
Não era de rei ou fada
Mas era de quem não sou.

Para além do que dizia
Dizia eu quem não era...
A primavera floria
Sem que houvesse primavera.

Lenda do sonho que vivo,
Perdida por a salvar...
Mas quem me arrancou o livro
Que eu quis ter sem acabar?
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A PÁLIDA LUZ DA MANHÃ DE INVERNO
 
A pálida luz da manhã de inverno,
O cais e a razão  
Não dão mais 'sperança, nem menos 'sperança sequer,  
Ao meu coração.
O que tem que ser  
Será, quer eu queira que seja ou que não.  

No rumor do cais, no bulício do rio  
Na rua a acordar  
Não há mais sossego, nem menos sossego sequer,  
Para o meu 'sperar.  
O que tem que não ser  
Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

AQUI ESTÁ-SE SOSSEGADO
 
Aqui está-se sossegado,
Longe do mundo e da vida,
Cheio de não ter passado,
Até o futuro se olvida.
Aqui está-se sossegado.

Tinha os gestos inocentes,
Seus olhos riam no fundo.
Mas invisíveis serpentes
Faziam-a ser do mundo.
Tinha os gestos inocentes.

Aqui tudo é paz e mar.
Que longe a vista se perde
Na solidão a tornar
Em sombra o azul que é verde!
Aqui tudo é paz e mar.

Sim, poderia ter sido...
Mas vontade nem razão
O mundo têm conduzido
A prazer ou conclusão.
Sim, poderia ter sido...

Agora não esqueço e sonho.
Fecho os olhos, oiço o mar
E de ouvi-lo bem, suponho
Que veio azul a esverdear.
Agora não esqueço e sonho.

Não foi propósito, não.
Os seus gestos inocentes
Tocavam no coração
Como invisíveis serpentes.
Não foi propósito, não.

Durmo, desperto e sozinho.
Que tem sido a minha vida?
Velas de inútil moinho —
Um movimento sem lida...
Durmo, desperto e sozinho.

Nada explica nem consola.
Tudo está certo depois.
Mas a dor que nos desola,
A mágoa de um não ser dois
Nada explica nem consola.

Contos e Lendas do Mundo (Os saltadores)

Certa vez o pulgo, o gafanhoto e um boneco de mola quiseram verificar quem pulava mais alto, e convidaram o mundo e mais alguém para ver o espetáculo. Quando os três estavam juntos na mesma sala, dava para ver que eram mesmo muito bons de pulo.

- Darei a minha filha a quem saltar mais alto! - declarou o rei - seria uma pena eles pularem por nada!

O pulgo apresentou-se primeiro. Tinha maneiras elegantes e cumprimentou a todos os presentes, pois tinha sangue nobre e estava acostumado a misturar-se à sociedade humana, e isto queria dizer muita coisa.

Em seguida veio o gafanhoto, que era bem mais robusto, mas parecia muito elegante em seu uniforme verde. Além disso, ele disse que vinha de uma família muito antiga das terras do Egito, e era tido em alta conta lá também. Tanto o pulgo como o gafanhoto elogiaram muito seus próprios talentos, e declararam que se julgavam adequados para se casar com uma princesa.

Quanto ao boneco de mola, não disse nada, mas as pessoas acharam que isso significava que ele estava pensando ainda mais alto. Quando o cão da corte foi cheirá-lo, disse que tinha certeza de que o boneco de mola era de boa família.

Então chegou a hora de começar a pular. O pulgo pulou tão alto, que ninguém conseguiu vê-lo. Disseram que ele não tinha pulado nada, e que estava trapaceando.

O gafanhoto só pulou a metade da altura do pulgo, mas pulou bem no rosto do rei, e o rei disse que aquilo era péssimo.

O boneco de mola ficou parado quieto por algum tempo, pensando no assunto, até as pessoas acharem que ele não era capaz de pular.

- Espero que não esteja se sentindo mal! - disse o cão da corte, cheirando-o de novo.

Vupt!

O boneco de mola deu um pulinho e pousou no colo da princesa, que estava sentada num tamborete dourado baixinho. Então o rei disse:

- O pulo mais alto foi de quem pulou até minha filha, pois não é possível chegar mais alto. Mas foi preciso ter inteligência para descobrir isso, e o boneco de mola é esperto e tem miolo. Assim, ele conquistou a princesa.

- Mas eu pulei mais alto! - disse o pulgo - ora, dá no mesmo. Ela que fique com o boneco de mola, eu não ligo! Pulei mais alto, mas parece que neste mundo só as aparências importam.

Assim, o pulgo foi para o estrangeiro servindo na ativa, e dizem que lá foi morto. O gafanhoto foi sentar-se no fosso para pensar nas coisas do mundo e concordou:

"Só as aparências importam!"

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sábado, 10 de julho de 2021

Varal de Trovas 512


 

Sammis Reachers (O Novo Milionário)

Nos idos dos anos 80 do século passado, não tínhamos Mega-Sena, Rio de Prêmios e outros jogos e loterias como hoje. Naquela época, quem mandava ainda era a hoje esvaziada Loteria Esportiva. Na rede Globo, ficou famosa a “Zebrinha”, que dava os resultados das partidas de futebol.

Naquela época havia um cobrador de ônibus na empresa niteroiense Ingá, indivíduo verdadeiramente “viciado” na jogatina: toda semana, religiosamente, lá ia ele fazer seus joguinhos na loteria esportiva.

Pois eis que, certo dia, ouvindo no radinho de pilha os resultados dos jogos, enquanto trabalhava, no turno da tarde, na linha 49, o coração de Marco (esse era o nome do nosso apostador) quase parou de bater: Finalmente, depois de tantos anos, ele acertara na loteria!!! Meio sem fôlego e sem acreditar, ficou ouvindo desesperado o radinho, para confirmar o resultado do último jogo, o que lhe daria o prêmio. Era isso mesmo, o resultado fora o que ele apostara, Marco ganhara a bolada! Nosso amigo não perdeu muito tempo: comunicou imediatamente ao motorista, e ordenou, agora já com o tom de patrão:

– Recolha esse carro.

– Mas Marco, qué isso, rapaz? Vamos terminar os trabalhos...

– Que terminar o quê, amigo, tô mandando você recolher. Pra mim chega disso tudo!

Sem opção, ao chegar no ponto final, o motorista comunicou ao despachante que iria recolher o carro. E Marco já foi falando para todos os companheiros ali presentes:

– Aí cambada! Ganhei, ganhei na esportiva! Chega de Ingá! Chega de trabalho! Sofram aí carregando praianos, aturando assalto! Eu agora vou ser patrão de vocês!

A galera, entre acreditar ou não, ficava em silêncio. Afinal ele estava recolhendo o carro e nem era ainda a metade do período de trabalho, e isso era grave. O malandro não faria isso à toa...

Bem, rapidamente a notícia chegou à garagem, e aos inspetores. Ficaram, é claro, chateados com o fato de o funcionário recolher o carro, mas secretamente tinham era inveja de Marco, que agora ia nadar no dinheiro.

Enquanto isso, nosso ganhador já havia prestado conta da féria arrecadada e se dirigia para casa, andando como se flutuasse.

Ao chegar em casa, foi logo gritando a boa-nova para a mulher, e ligando a velha TV de marca Telefunken, preto-e-branco, que hoje só se vê em museus. No telejornal as notícias avançavam, até que chegou a hora do resultado da loteca. Os números dos jogos de futebol foram repetidos, e Marco confirmou pela trecentésima vez que realmente acertara. A seguir o apresentador avisou:

– Segundo a Caixa Econômica Federal, foram 13.650 os acertadores...

– Êpa! Mas isso tudo? – disse para si mesmo Marco.

– E após o rateio, cada apostador receberá a módica quantia de CR$ 10.050.000...

Sim, amigo leitor, são muitos zeros, e se fosse em moeda de hoje, em reais, seria um respeitável valor... mas naquela época dos cruzeiros, de inflação galopante, aquela grana mal dava para... pagar um jantar para a patroa num restaurante decente.

Um balde de água fria, melhor, uma piscina de água da Antártida, com pinguins e tudo, caiu com estrondo na cabeça do pobre Marco. Aquilo pelo que ele esperava há anos, o sonho que acalentara tanto (e lhe custara já tanto dinheiro), durara apenas algumas horas...

**** **** **** ****

No dia seguinte, uma tremenda segunda-feira, Marco, a quem muitos julgavam que nunca mais veriam, apareceu na empresa, bonitinho, de uniforme passado e tudo.

– Ué Marco, a galera tá toda falando que você ganhou na loteria, e é o mais novo milionário – foi logo dizendo o primeiro companheiro que o viu.

E assim foi o avanço de ganhador da loteria, tendo que explicar a cada um a sua triste história. A galera não sabia se ria ou chorava...

Ao adentrar a empresa, Marco se dirigiu logo para a sala dos inspetores. Após relatar sua história agora triste, recebeu diversas broncas de praxe, e ficou aguardando enquanto seu caso era levado ao diretor da empresa. Todos davam já sua demissão como certa, e o sonho de Marco ganhava a cada instante ares de pesadelo.

Mas, muitos minutos depois, eis que chega a boa notícia: o dono da empresa se condoera da situação de Marco, e disse que dessa vez iria “perdoá-lo”. Ele poderia voltar ao trabalho. E assim nosso amigo fez.

Mas a chamada “Rádio Leão” (assim chamada pela alcunha que cariocamente se aplica aos rodoviários: ‘leões’), a rede de fofocas dos rodoviários, que dissemina informações à velocidade da luz, já existia naquela época, e trabalhava a todo vapor, dando as notícias sobre o novo “milionário”. E nas duas semanas seguintes, CADA LEÃO que via Marco, e alguns deles várias vezes por dia, tinham que perguntar algo como:

– E aí, milionário? Comprou esse ônibus aí e tá trabalhando nele?

– E aí Marco, meu “patrão”! Me empresta um dinheiro aí!

– Olha lá, olha lá o “milionário”! Fala milionário! Como tá aquela favela lá? Vai se mudar de lá para a mansão quando?

– E aí, jogador? Deu “zebra,” hein???!!
**** **** **** ****

O apelido de “milionário” pegou e nunca mais saiu. Já o emprego do Marco, coitado, não durou tanto: não suportando a zoação frenética, em duas semanas ele foi até o homem e pediu as contas…

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

Therezinha Dieguez Brisolla (À Procura de Estrelas) 2

A IDADE DO OLHAR

O teu olhar me convida
ao amor... e, ainda que evite,
no meu delírio, atrevida,
eu aceito o teu convite.


O olhar de espanto
diante do mundo.
O primeiro brinquedo, Papai Noel, a escola...
A vida correndo sem parar
e eu a brincar
indiferente...
Meu tempo é o presente.

O olhar sem medo
diante do mundo.
O primeiro amor, a faculdade, o emprego...
Em busca dos sonhos, o adeus, o desapego.
Vencendo distâncias, transpondo fronteiras
eu procuro...
Meu tempo é o futuro.

O olhar sereno
diante do mundo.
Os primeiros sonhos sendo refeitos...
Sobre o livro de orações, os óculos
e sobre a folha de papel, em branco, a caneta
à espera da inspiração para a poesia.
A visita, a carta, o telefone,
o enfado...
Meu tempo é o passado.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

A JANELA ENCANTADA

Se a luz do dia revela
que a noite de amor é finda,
fecho, depressa, a janela
e pensas que é noite ainda!


A casa pobre e singela,
um dia se enriqueceu
e os pais, cheios de alegria,
a chamaram de Maria
quando a menina nasceu.

Um quarto, a sala, a cozinha,
uma porta e uma janela...
Nessa casa pequenina
cresceu, em graça, a menina
que, aos poucos, tornou-se bela!

À tarde sai à janela,
sempre no horário marcado
a olhara rua!... Risonha,
a menina pobre sonha
com seu príncipe encantado!

E é na janela o namoro...
Pede, o moço apaixonado,
ao pai a mão de Maria
e, para sua alegria,
o casamento é marcado.

O tempo passou ligeiro...
Sem a cortina de renda,
a casa em ruínas, fechada,
hoje, a janela encantada
ostenta uma placa: À VENDA.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

CIDADE NATAL

Ao procurar as raízes,
tem o meu sonho tal ânsia,
que ao buscar dias felizes
volto à fazenda da infância.


Seu pai era jardineiro
e ele era um menino arteiro,
que só queria brincar.
Mas, quando a mãe o chamava,
as flores, logo abraçava
e o pai ele ia ajudar.

Cresceu... deixou a cidade.
Longe de tudo, a saudade,
quase que o fez regressar.
Mas, sabendo o que queria,
formou-se em agronomia
depois de muito estudar.

Já casado e com família,
passou anos em vigília
e por trabalhar assim,
formou dois filhos doutores
mas, nunca mais plantou flores
e nem cuidou de um jardim!

Ao perder a companheira,
sua ilusão derradeira,
já tendo bastante idade,
procurou suas raízes
lembrando os tempos felizes
lá, na pequena cidade.

Voltou à morada antiga,
ouviu a velha cantiga,
foi à igreja e ao botequim.
E, na praça da cidade,
onde dói mais a saudade,
plantou flores no jardim!
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HERANÇA POÉTICA
(Homenagem a Mário Quintana)

Pede cautela a razão,
no labirinto da vida...
mas, sei que o meu coração
também conhece a saída.


Na sua ruazinha sonolenta,
a velha casa, onde nasceu, resiste.
Da porta aberta quando à noite, venta
do "catavento" eu ouço o canto triste.

Sua "cadeira de balanço" tenta
ninar meus sonhos... quanto pede e insiste!
Mas, a saudade chega e ciumenta
ocupa o seu lugar e não desiste.

Abro o "baú de espantos", comovida!...
Seu "sapato florido", ao ganhar vida,
vai procurar seu dono... e, por instinto,

eu levo o seu "espelho com magia",
que me fará cativo da poesia
e hei de encontrar você no "labirinto".
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Fonte:
Therezinha Dieguez Brisolla. À procura de estrelas.
Porto Alegre/RS: Odisséia, 2014.
Livro enviado pela poetisa.

Solange Colombara (Carreata de Micro-Contos) – 3 –

PROMOÇÃO

Após as devidas higienizações e protocolos, espalhou os "leões de chácara" pelo estabelecimento e reabriu em grande estilo. Tinha promoção para jovens e idosos. Ninguém ficaria sem diversão.
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ABAJUR

Gostava de sentir a noite e seus mistérios. Seus sonhos eram povoados de cores e o cheirinho do orvalho amanhecendo o jardim. Após um bocejo, desligou o abajur e tentou dormir.
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BRISA
(Baseado no poema "Brisa", de Manuel Bandeira)

Transpirando saudade, ouviu o conhecido repicar do sino. Arrumou as malas pensando na volta. A brisa vinda ao amanhecer invadiu seu mundo e naquele instante teve certeza de que ali era o seu lugar.
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SENTIMENTO

O sentimento de medo foi tomado pelo alívio em finalmente romper as barreiras. Nada se compara à sensação de liberdade. E voou…
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ACONCHEGO

Cansada, pousou no tronco largo e robusto. Na sombra daquela árvore sentiu-se abraçada. Estava resolvido: Ali seria seu aconchego até o próximo voo.