sexta-feira, 7 de maio de 2010

José Feldman (Último Adeus)


ao Fluffy (falecido hoje, 7 de maio de 2010)

Meu amigo!
Você se vai e
nem bem nos despedimos
eu já sinto saudades de você,
Dez anos juntos,
e preenchestes
um espaço em meu coração.
Hoje destes seu ultimo suspiro
e sinto meu coração se desmanchando
A sua amizade incondicional
que sempre me devotou
E que eu só muito tarde
aprendi a retribuir.
Tantas vezes ralhei contigo
e alterei a voz
mas mesmo assim
tinhas sempre um olhar
amigo e de gratidão.
A sua voz era uma alegria
e hoje, só consigo ouvir o silencio.
Nunca tinha percebido que a noite
é tão escura
e tão quieta
e tão triste.
Quando destes seu último suspiro
é que percebi o que você é:
Um novo amanhecer!
Vencestes bravamente a parvovirose,
Sofrestes nestas últimas semanas
mas eras um guerreiro,
e mesmo a morte lhe levando,
és o grande vencedor.
Para mim é e sempre será
Eterno e imortal, meu amigo.
E, além de meu amor por você,
só me resta pedir seu perdão
por ser “tão” humano,
e do fundo de meu coração
“muito obrigado pela sua amizade”.

Erorci Santana (Enterro de Cão)


Soava o badalo do sino
quando notei a cachorra inerte.
Chamei-a. Estava surda, vítima
de enfarte, sem um ganido audível.
Pousei nela uma mão de afago, trêmula,
acendi uma vela tardia, tomei um trago.
“Para tão grande amiga,
vida tão pouca”, murmurei
com voz rouca. Era de noite...

Fiz para ela uma mortalha de trapos,
nesgas de cânhamo, fiapos de lã.
Fazia frio e tingiu-se de cinza a manhã.
Desenterrei do quintal um osso antigo
e completei seu féretro de trastes
ouvindo além da névoa os ecos
do seu ladrido, lembrando
os orgulhosos gestos de sua ética vigília.
O pulso do dia adstringia já
os nervos de seu estômago convulso,
a língua presa entre os dentes
compondo a cena trágica, quase risível.
Num terreno baldio, improvisei
um epitáfio entre ratos,
sacos plásticos, frascos de vidro.
Cavei cinco palmos de buraco
(dois nacos de orvalho caindo da face).
Nesse cenário kitsch,
dei por dizer frases de Nietzsche,
rematei com um verso de Salomão.
Baixei na cova o meu cão:
fardo triste, inflável balão.

Fonte:
http://www.blocosonline.com.br/

Antonio Gedeão (Poema do Cão ao Entardecer)


Um cão no areal corria presto.
Presto correria o cão no areal deserto.

Era ao entardecer, e o cão corria presto
no areal deserto.

Corria em linha reta, presto, presto,
pela orla do mar.
Pela orla do mar, em linha reta,
corria presto, o cão.

Era ao entardecer.
No areal as águas derramadas
nas angústias do mar
lambuzavam de espuma as patas automáticas
do cão que presto, presto, corria em linha reta
pela orla do mar.

Sem princípio nem fim, em linha reta,
pela orla do mar.

Era ao entardecer,
na hora espessa, peganhenta e úmida,
em que um resto de luz no espasmo da agonia
geme nas coisas e empasta-as como goma.
No espaço diluído, esfumado e cinzento,
corria presto o cão no areal deserto.
Corria em linha reta, presto, presto,
definindo uma forma movediça
que perfurava a névoa e prosseguia
pela orla do mar, em linha reta,
focinho levantado, olhos estáticos,
fixando o breve ponto onde se encontram
além de todo o longe
as retas que se dizem paralelas.

Alternavam-se as patas na cadência,
na cadência ritmada do movimento presto,
deixando no areal as marcas do contacto.
Presto, presto.

Como se um desejo o chamasse, corria presto o cão
no areal deserto.
O ritmo sempre igual, a língua pendurada,
os olhos como brocas, furadores de distâncias.

Em seu último espasmo a luz enrodilhou
o cão, o mar, o céu, o próximo e o distante.
Era um suposto cão correndo presto, presto,
num suposto areal, realmente deserto,
por uma linha reta mais suposta
que o areal e o mar
Mas presto, presto, sempre presto, presto,
ia correndo o cão no areal deserto.

Fonte:
http://www.blocosonline.com.br/sites_pessoais/sites/lm/cao/lmcpo30.htm

Carlos Neto (A Morte do Cão)


Chamavam-no Gillet. Soberbo cão de raça
que um caçador famoso, um doido pela caça,
mandara vir de fora, a peso de dinheiro.
Era um ídolo o cão. E aos carinhos tão doces
dos agrados gentis, o cão acostumou-se
a consagrar, também, a vida ao companheiro.

Na época melhor das ótimas caçadas,
os dois partiam sós, à luz das alvoradas,
buscando o coração misterioso das matas.
E voltavam, depois, alegres e contentes,
despertando em redor os íncolas dormentes,
ao compassado som de estranhas serenatas.

Mas, depois de algum tempo, o cão envelhecido,
desdentado, sem forças, exausto, entorpecido,
já bem dificilmente acompanhava o dono.
Era um cão sem valor, inútil companhia,
que preciso se fazia, de dia para dia,
ir deixando ficar em mísero abandono.

A fortuna também girou, rapidamente,
e o velho caçador, tão rico, de repente
sentiu minguar-lhe o pão. Sentiu faltar-lhe o ouro.
A morte lhe roubara a esposa muito amada
e ele viu sua casa escura e abandonada,
tendo um filho só por último tesouro!

II

Um dia, disfarçando o peso da desgraça
que, aos poucos, lhe esmagava o triste coração,
ele partiu, cantando as emoções da caça.
Mas quis partir sozinho. E acorrentou o cão.

Do mísero cativo as pérolas do pranto
desceram. Mas, ao ver o caçador contente,
o pobre cão lá foi, resignado, a um canto
deitar-se, carregando o peso da corrente.

A noite que descia em silêncio e trevas
envolvia a casa. E eis que, repentinamente,
farejando a amplidão, faminto, um lobo avança...

(E lá no berço a criancinha dorme,
como dorme num berço uma criança.)

Escancarada a porta encontrava-se então.

O lobo se aproxima...
Nesse momento,
No turvo olhar do cão lucila um pensamento.
E eis que, grunhindo, uivando, o cão forceja, torce
retorce
e quebra, num ímpeto de amor,
os elos da corrente.

Travou-se, então, uma horrorosa luta,
no silêncio da noite, indiferente e bruta.

Surdo ranger de dente, ossos a estrelejar.
Mil contrações de dor. O sangue a borbulhar,
a relva machucada... o fogo do cansaço...
e baques pelo chão... Tudo espalha no espaço
em ímpeto fremente, um acre odor de guerra!
Depois... o baquear de um corpo em cheio em terra
Depois... um abafado e último gemido.
Um preito ao vencedor, por parte do vencido.

.x-.x-.x-

Depois daquele horror... depois... Depois mais nada.
Era a tragédia finda e a noite sossegada.

Mais tarde, ao despertar da fresca madrugada,
o caçador voltava.
Vendo a porta aberta,
a casa palmilhada
e toda salpicada, com o sangue do cão,
corre para o berço do filhinho.
Anseia, estua, pára...
ao vê-lo ensangüentado
e vazio.

Tonto de amor paterno, cego de vingança,
afaga junto ao peito o cabo de um punhal
e, vendo aos pés a festejar-lhe o cão,
atira um golpe rijo ao peito do animal
que, exânime, resvala em último suspiro.

Mas, nisso, ouve uma voz que chama o caçador.
"Papá, papá, papá!" Alucinado, incerto...
era a voz do filhinho - o filho estava perto -
correu desesperado... e - atônito, absorto -
o foi achar, contente e sossegado,
junto à casa do cão... e, ali bem perto, ao lado,
um lobo enorme, mas ensangüentado e morto!.

Fonte:
Jornal de Poesia

quinta-feira, 6 de maio de 2010

José Feldman (Quero tirar meu livro da gaveta e publica-lo. Que fazer?)


Este é o novo artigo publicado na coluna de José Feldman no site http://www.escritoresdosul.com.br/

Os artigos anteriores são:

* Curiosidades sobre o Trovadorismo no Brasil - (Parte II)

* O Trovadorismo no Brasil e no mundo (origens)

* A menina e o general

* Afinal o que é uma Academia de Letras e para que serve?
.
* A História Viva de Nossa Literatura Esquecida em Curitiba

Visite o site do escritor Leandro Rodrigues.
Colunistas, biografias, entrevistas, resenhas, etc.
http://www.escritoresdosul.com.br/

Rita Maria Félix da Silva (O Menino no Lago)


O Lago Sombrio

Algumas histórias sobreviveram à memória dos dias antigos – carregadas de um lado para o outro pela brisa que, vez por outra, toca o espírito de mulheres e homens, relembrando uma época de feitos assombrosos, eventos estranhos, magia, maravilhas e horrores. Esta é uma delas:

Dizem que havia um menino de quem os pais foram levados muito cedo, por uma das mais estúpidas guerras que os adultos já fizeram. De algum modo, ele sobreviveu e vagou por uma vida solitária até que encontrou um homem chamado Orlando.

Os outros adultos desprezavam Orlando, que tinha uma índole ruim e não merecia confiança, porém – embora aquele homem alega-se detestar crianças e maltrate-se o menino sempre que estava irritado ou entediado –- eles se tornaram companheiros de viagem nesse mundo, afinal nada tinham, exceto a companhia um do outro, e a solidão costuma permitir as alianças mais improváveis. E o tempo foi vagarosamente passando, enquanto tudo era exatamente assim.

Todavia, no começo de uma manhã, coberta de neblina –- enquanto o dia avançava junto com as reclamações e grosserias de Orlando -– eles chegaram a um lago sombrio, um lugar assombrado pelas memórias de horrores antigos.

Sentada em uma das margens, havia uma mulher perto de uma fogueira quase apagada, na qual as poucas brasas que ainda persistiam lançavam mais fumaça do que calor na carne assada de algum pássaro. Ela vestia trapos, seus cabelos eram de um amarelo muito suave, a brancura da pele imitava a palidez, o corpo era magro e, embora parecesse jovem, ninguém poderia, com certeza, determinar sua idade. Com a mão, ela remexia nas águas escuras do lago enquanto cantarolava uma música estranha.

Ao vê-los chegar, a mulher parou sua canção, afastou-se da água e os convidou para que se sentassem e comessem. Orlando, em seu orgulho de adulto, não admitiu, mas havia algo de assustador nela, o bastante para que alguns ossos daquele homem começassem a doer.

O menino – pois as crianças são mais sinceras – ficou assustado e quis recusar o convite. O homem recriminou seu companheiro de viagem, afinal estavam ambos com fome, e arrastou-o para compartilharem o café da manhã com aquela estranha.

A mulher – após os três comerem – se apresentou como Safira e perguntou-lhes seus nomes. Orlando indagou como ela havia conseguido capturar a refeição –- afinal os deuses daquela terra pareciam não ter piedade dos famintos, pois os animais dali eram difíceis demais de ser pegos.

Ela riu – o som era seco e estranho – e apenas disse:

– Magia.
– Magia? – ele questionou, pois nunca havia encontrado qualquer coisa mágica em sua vida.
– Sim, – ela respondeu – eu sou uma bruxa.

O menino, tomado por aquela sabedoria que é própria das crianças, quis fugir e implorou que eles fossem embora. Orlando gritou com ele, criticou-lhe por ser tão covarde e explicou:

– Ora, ela pode ser uma bruxa, mas tem comida para nos dar.

A bruxa sorriu da tolice do homem e os três ficaram juntos.

Os dias se passaram. Orlando e Safira apreciavam a companhia um do outro - afinal ela fora solitária por toda uma longa vida e ele recebia dela todo o alimento de que precisava. O homem, porém, não gostava que o menino ficasse por perto, por isso exigia que este se afastasse o tempo todo ("Vá brincar em algum canto, mas nos deixe em paz!" – gritava ele) e a criança, meio por tristeza por não receber qualquer atenção, meio por temer a fúria do adulto, ia para longe e ficava caminhando e inventando brincadeiras até a hora da próxima refeição.

Para Orlando também era agradável está com Safira, pois nunca uma mulher tão bonita havia lhe dado atenção. Em certo momento, ele questionou sobre a beleza dela e a feiticeira respondeu:

– Você ouviu sobre as bruxas serem más e feias, mas os contadores de histórias não sabem tanto quanto imaginam e somente uma bruxa muito tola seria feia.

Ele meditou por um instante, tentando forçar sua mente a abrigar aquele novo conceito, e depois perguntou: – Mas e sobre vocês serem más?

Ela sorriu novamente –- um sorriso de profunda malícia e que pareceu belo para aquele homem:
– Ora, meu querido, as histórias não estão inteiramente erradas, embora fiquem muito longe da verdade... E, seja sincero, quem é você para falar de maldade?

Pelo resto daquele dia e também por toda a noite que se seguiu, Orlando evitou falar com os outros, ponderando sobre as estranhas palavras de Safira, porém, quando o sol nasceu novamente, ele despertou e esqueceu-se desta questão.

Naquela manhã, Safira fez a proposta a ele.

Ela lhe explicou que já era uma bruxa por mais tempo do que ele poderia imaginar e disse que desejava se tornar apenas uma mulher humana, como todas as outras.

Orlando pensou em como a magia facilitava a vida e questionou por que Safira pensava em abrir mão de algo assim. Ela gargalhou, – com um tom de zombaria que quase fez o homem atirasse furioso sobre ela – recriminou-o por ele ser tolo o bastante para julgar coisas que não seria capaz de entender e acrescentou:

– Antes de abandonar a magia, eu providenciarei uma grande fortuna, o bastante para uma vida confortável até o meu último fôlego... Mas não só para mim: eu gostei de você, Orlando. Há uns cinco dias de viagem fica uma vila, por trás daquelas montanhas, uma terra de gente simples, tola e interesseira, que existe à sombra das ruínas de um grande e antigo castelo -– onde, quando teu tataravô ainda não tinha nascido, eu transformei em pedra a princesa daquele lugar e me diverti observando o príncipe vagar pelo mundo, inutilmente procurando uma forma de curá-la, até que o frio, a fome, a loucura e a velhice tomaram a vida dele... Quero que venha comigo e que fiquemos juntos até que a morte escolha levar um de nós -– e ela contemplou-o com o sorriso mais encantador que aquele homem já vira.

Orlando ficou exultante, pois Safira era bela e a perspectiva de uma vida próspera, longe da miséria e da fome, ia além do que seus sonhos lhe permitiam ver.

A bruxa estava satisfeita com a resposta dele, porém o riso sumiu da face da mulher quando ela disse:

– Há, porém, uma última coisa que preciso realizar, um feito de extrema malignidade, antes de deixar de ser uma bruxa: um ato que devo induzir alguém a fazer. E será você, Orlando.

Ela tirou de suas coisas uma bolsa feita do couro de algum animal já extinto, dentro da qual estavam uma corda não maior que o braço de um adulto, tecida nas fibras de um arbusto que não mais existe neste mundo, e uma adaga de fabricação rude, na qual estavam gravados símbolos esquecidos pela humanidade. Safira pôs os objetos no chão e falou – num tom que parecia tão sombrio quanto o lago... Não, mais ainda sombrio – o que Orlando teria de fazer...

O homem teve vontade de gritar, mas não conseguiu. Tremia e colocou as mãos sobre a face, escondendo seu choro. Safira continuava falando – sobre a riqueza que teriam, sobre a vida ao lado dela – ele desejou que ela se calasse, mas a ambição e o desejo fizeram-no continuar escutando... Antes de aquela manhã chegar ao fim, Orlando enxugou as lágrimas e disse que faria como a bruxa lhe tinha dito.

– Ótimo - disse Safira, e seu rosto pareceu-lhe demoníaco – Então, chame o menino.
A bruxa guardou aqueles objetos terríveis e Orlando obedeceu-a.

O menino voltou para perto do homem, tão inocente quanto qualquer criança, e estranhou a mudança em Orlando: nunca antes aquele adulto havia sido tão gentil, nunca tinha lhe dado tanta atenção quanto naquele momento. Como é próprio dos pequenos, o menino ignorou suas estranhezas e aproveitou aqueles instantes, os mais felizes que já tivera. Contudo, por mais que ele se esforçasse, não podia deixar de prestar atenção no fato de Orlando tremer em meio aos sorrisos e na forma severa com a qual Safira olhava para o homem, como se estivesse cobrando algo... E isso fazia Orlando tremer ainda mais, até que havia lágrimas escorrendo pelo rosto dele.

O menino perguntou o que estava acontecendo, mas o homem escolheu mentir e disse que não havia nada. A tarde se aproximava do final, quando Safira disse algo para Orlando, que pareceu a coisa mais estranha que o menino já escutara:

– Meu querido, logo a noite chegará, você terá falhado... E eu precisarei procurar um outro homem que possa me ajudar e que mereça minhas dádivas.

Ao escutar isto, Orlando estremeceu mais uma vez, parou de fingir e começou a chorar de uma forma que o menino nunca vira. O garoto abraçou-o tentando consolá-lo. Com a visão quase encoberta pelas lágrimas, Orlando olhou para a bruxa, que estava segurando aqueles dois objetos sangrentos, oferecendo-os a ele.

Como havia prometido a Safira, ele usou a corda para estrangular o menino e, quando não havia mais vida no corpo da criança, Orlando cortou-o em vários pedaços e atirou todos no lago.

Então, suas roupas cobertas por uma mistura de lágrimas e sangue, o homem murmurou uma maldição para si mesmo e olhou para Safira. Ela havia mudado. Ainda era bonita, porém aquela beleza mágica, que tanto o havia encantado, fora embora para sempre, deixando no lugar uma mulher como qualquer outra.

Ela apontou para um saco, feito de um tecido velho e sujo, que parecia ter acabado de surgir naquele lugar. Cheio de cobiça, Orlando abriu-o e enfiou as mãos, apenas para puxá-las de volta com moedas se derramando entre os dedos... Ouro, mais ouro do que ele poderia sonhar.

Ele esqueceu-se do menino e olhou satisfeito para a mulher. Com selvageria, rasgou as roupas dela e depois as suas próprias. Eles fizeram amor na margem daquele lago, por todo aquele tenebroso crepúsculo e por toda a maligna noite que se seguiu.

Pela manhã, felizes com sua cumplicidade, eles partiram para a vila próxima, deixando o lago sozinho, meditando sobre mais um de seus segredos sombrios.

Fonte:
Revista João do Rio. Ano 7 - Número 42. Abril / Maio de 2010

Abílio Pacheco (Aquarela de Poesias)


NO PRELO

Se a minha palavra é a minha busca
de uma vida inteira, em todo mundo
e ela dorme encantada à sombra
de um livro raro, quiçá
encontrá-la-ei num alfarrábio,
num sebo, numa biblioteca pública...
Quem sabe minha resposta ainda
esteja no prelo.

ESCRITURA

A Eliton Moreira e Ademir Braz

Tecer versos é, por força, fazer sulcos em penedos,
Singrar as pedras todas do mar de si ao avesso,
Derramar suores em gotas no fero vigor do remo.

É ferir, à quilha da fragata, as artérias espumosas
Das altas internas vagas. É navegar por entre as rochas
E extrair exangues lascas — vergões por dentro e por fora.

É talhar a cerrados pulsos as pedras finas, mas duras.
E lapidar relevos pulcros em fendas pouco profundas.
É um árduo trabalho infruto, que só lega palmas sujas.

Mas é preciso fazê-lo! Alguém deve abrir as ostras
Abismadas em seu peito para juntá-las a outras
Iguais na casca e no meio, mesmo que estejam ocas.

Por fim: crer que vale a pena mineralizar as lavras
Como fulcros ao poema e inertes todas deixá-las
Inativas pelas fendas — palavras amortalhadas.

Para que tu, só tu possas sugar o cerne dos versos
Acumulados em poças pelos teus olhares tétricos
Que desmineram as horas e se desmentem eternos.

TESSITURA NOTURNA
A João Cabral de Melo Neto

Um latido apenas
não protege a rua
ele precisará sempre
que os cães o apanhem
e o lancem a outros cães
e a outros latidos
tal que somados todos
(latidos e cães) na noite
formem (no arca-
bouço da matilha)
uma redoma protetora
em torno da rua.

RETRATO II
A Cecília Meireles

Eu também não tinha este rosto
assim tenso, assim denso, assim calvo,
nem olheiras e rugas
nem cabelos alvos.

Eu não tinha estes olhos de agora
tão rubros, tão turvos, tão vagos,
nem esta mão incerta,
nem dedos fracos.

Mal venho notando esta mudança
que lenta, constante e suave
do espelho vem desbotando
a minha face.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
(ou Pinóquio pós-moderno)

Minha fada cor de céu,
Por mil pares de anos
Repito-te o mesmo pedido:
Faze comigo o que fizeste
com o filho de Gepeto.

Mas, acima de nossas cabeças
Toda nova era glacial passou
E com ela os filhos de Japeto.

Por mil pares de anos te peço...
Para que me transformes no que sempre fui,
Sem que nunca tenha sido de verdade.

LUZES DA CIDADE
A Charles Chaplin

Deambulo em trapos pelas ruas...
E vejo você, serena e cega, alva e bela,
com uma cesta plena de flores claras.

Súbito amo-te! como uma criança a outra.
Simples como a rosa branca
que recebo e ponho na lapela.

Faço de tudo para que
— mesmo vendo-me trapalhão —
você contemple as luzes da cidade.

Fonte:
Revista João do Rio. Ano 7 - Número 42. Abril / Maio de 2010

Abilio Pacheco



Cursou Licenciatura Plena em Letras na UFPA-Marabá (durante a qual foi bolsista de Monitoria e de Iniciação Científica), duas especializações na área e Mestrado em Estudos Literários pela UFPA-Belém (Dissertação: Por pesar de você a manhã se tornou outro dia: cidade, utopia e distopia em Benjamim, de Chico Buarque). Lecionou na ETRB e no CEFET-PA (hoje IFPa), onde atuou ajudou a implantar o curso de Letras e atuou no Ensino a Distância e na Especialização em Educação para as Relações Étnico Raciais. Atualmente é professor da UFPA-Bragança e líder do Grupo de Pesquisa Narrativas de Resistência - Narrares.

Abilio Pacheco, nasceu em Juazeiro (BA), viveu a primeira infância em Coroatá (MA), dos 07 aos 27 morou em Marabá, e hoje reside em Belém (PA).

Aos 17 anos obteve o primeiro destaque em certames literários com o poema “Elegia de Maria”. Publicou Poemia (poesia – semiartesanal) em 1998; Mosaico Primevo (poesia) em 2008; e Riscos no Barro: ensaios literários (2009).

É membro correspondente da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense (com sede em Marabá) e um dos organizadores da Antologia Literária Cidade.

Lecionou por cinco anos no CEFET-PA (hoje IFPa). Atualmente é professor da UFPA - Bragança.

É um dos organizadores da Antologia Literária Cidade.

Fonte:
Revista João do Rio. Ano 7 - Número 42. Abril / Maio de 2010

Espaço Cultural Casimiro de Abreu inaugurado em Santo André



O evento que marcou a inauguração do Espaço Cultural Casimiro de Abreu aconteceu nos dias 01 e 02 de maio (sábado e domingo) das 10h às 22h (em ambas as datas). Reuniu cerca de 20 grupos envolvendo mais de 150 artistas.

A Cia Lírica de Teatro em parceria com a produtora TdT Artes & Eventos ltda. e com o apoio do Colégio Central Casa Branca inauguraram em maio, na região central da cidade de Santo André o Espaço Cultural Casimiro de Abreu.

Em um galpão de 110m2, reformado e adaptado (com a instalação de equipamento de luz, som e tratamento termo-acústico), esse coletivo de artistas passa a oferecer à comunidade uma nova opção de lazer cultura e entretenimento; aos demais artistas da região, um espaço para desenvolverem suas pesquisas; e as empresas parceiras a oportunidade de investir em “produtos” artísticos locais de alta qualidade.

Após a inauguração, o espaço promoveu um festival teatral de cenas curtas (com duração de um mês) e na sequência uma mostra de espetáculos de grupos locais (durando mais um mês).

Além de se apresentarem no espaço, de forma totalmente gratuita, diversos espetáculos teatrais, de música, dança e circo, a programação também contará com exposições de artes visuais, fotografia, vídeo, e atividades na rua, nas imediações do prédio. A idéia geral é: além de trazer o público para dentro do espaço, também levar os artistas para a rua e interagir com as pessoas.

Todos os grupos convidados são compostos por artistas locais, com pesquisas extremamente bem estruturadas e com ótima qualidade artística e técnica. Confira a programação:

Sábado (01/05)

A máscara da liberdade- (espetáculo cênico-musical) Com a Trupe do Trapo, Grupo Cênico- Musical de inclusão social. Espetáculo com música ao vivo, ambientado no universo circense.

15h – Será que foi assim? – (teatro infanto-juvenil) Com o grupo Clã de Clowns de São Caetano do Sul. O espetáculo traz ao palco a linguagem do Clown (palhaço de teatro).

18h – Clube das Solteironas - (teatro adulto - comédia). Com o elenco do TdT artes. Espetáculo montado em São Bernardo do Campo, está em cartaz a 8 anos, sucesso de público e crítica por onde passa. (Classificação 12 anos)

Domingo (02/05)

Projeto Intervenção Urbana – As atividades do segundo dia do evento se iniciam na rua, em frente ao Espaço Cultural Casimiro de Abreu

Este projeto vem oferecer à sociedade uma visão diferente da vida na cidade, e buscar alternativas e uma nova maneira de interagir com este meio. Apontar opções de lazer e formas de vivenciar a cidade, abrir as portas e sair de casa. Conhecer a cidade, suas ruas e avenidas, de perto, e não com o olhar passageiro da moldura do vidro do carro. Chamar a atenção das pessoas e mostrar que não somos turistas, e sim moradores e como tais, devemos nos envolver, conhecer e agir. Ao sair de casa, nos tornamos pessoas ativas. Podemos exercitar nosso físico e nossa mente, além de podermos nos relacionar com outras pessoas e conhecer coisas novas. Os objetivos principais desse evento são:
Levar a arte para mais perto da sociedade, e oferecer um espaço para a vivência da mesma;
Apresentar a população um novo olhar para a cidade onde moramos;
Apontar responsabilidades, e divulgar novos hábitos para podermos desfrutar nosso espaço;
Suscitar o debate sobre a legitimidade da arte e intervenção urbana, visto que muitos vêem essa forma de expressão como puro vandalismo;

Roda de Capoeira – (cultura regional) – Apresentação de Roda de Capoeira seguida de vivência com a participação do público realizada pelo grupo Origens Brasil, com o Mestre Nenê;

Yan Ran – (teatro infantil) – Com o Cia do Nó. Grupo tradicional de Santo André, com mais de 10 anos existência;

A queda – (teatro) – Espetáculo conceitual de pesquisa do grupo Teatro de Asfalto, criado na Escola Livre de Teatro (Classificação 14 anos);

Micro Mostra de Cinema – (Cinema) – Exibição de produções de cineastas locais com curadoria de Sérgio Pires e Alex Moletta.

Fonte:
Colaboração da Maestrina Karen Feldman

Projeto "Sarau ACElerado", em Canoas/ES



Segundo Wikipédia, a enciclopédia livre da Internet: “Sarau (do latim seranus, através do galego serao) é um evento cultural ou musical realizado em um local agradável onde as pessoas se encontram para se expressarem ou se manifestarem artisticamente e pode envolver dança, poesia, leitura de livros, música acústica e também outras formas de arte como pintura e teatro."

A ASSOCIAÇÃO CANOENSE DE ESCRITORES (ACE) oferece uma parceria com Beiruth, para a realização de um evento lítero-musical mensal, na última terça-feira do mês, com a proposta de levar cultura contemporânea à cidade, através de um happy hour, com a presença de Escritores, Músicos e Convidados.
Neida Rocha - (Secretária ACE - 9942-3898)

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PROJETO: “SARAU ACE LERADO”

MÚSICA: Tarcísio Casanova Selbach

DATA: 25/05/2010 às 20 horas

LOCAL: Casa de Sanduíche Beiruth
(Dr. Barcellos, 950 - Centro - Canoas/RS)

Fonte:
Colaboração da ACE

Palestra em Maringá (Vida e Obra de Monteiro Lobato)



Queremos convidar a todos para uma palestra com o pesquisador Léo Pires sobre a vida e obra de Monteiro Lobato. A palestra será amanhã, dia 7/5, das 9h às 12h, na sala Joubert de Carvalho, Biblioteca Municipal Professor Bento Munhoz da Rocha Neto.

Não haverá custos para inscrição, mas a capacidade máxima da sala é de 130 lugares, restam apenas 60 lugares disponíveis. Interessados confirmar presença até às 16h de hoje pelo e-mail: marciasantamaria@maringa.pr.gov.br .

Maiores informações pelos telefones: 3901-1111/3901-1901.
Márcia Santa Maria
Gerente de Promoção da Leitura
Secretaria Municipal de Cultura

Fonte:
Mestrado de Literatura 2004.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Sinclair Pozza Casemiro (Campo Mourão Turístico em Trovas)

Estamos iniciando um passeio turístico em trovas pelo estado do Paraná. Os trovadores de cada cidade estarão enviando um roteiro turístico de suas respectivas cidades, em trovas. Museus, praças, ruas, fontes, teatros, eventos, estatuas, enfim, tudo que seria interessante mostrar aos internautas que farão turismo pelo Paraná.
Já recebi algumas colaborações, outras estão para chegar, e outros trovadores de outras cidades que não consegui contatar, por favor, enviem suas colaborações para pavilhaoliterario@gmail.com .

Obrigado
José Feldman
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CAMPO MOURÃO

ANEL VIÁRIO
Arco-íris de concreto
torna mais fácil o partir
levando o corpo e o afeto
pra onde o sonho quer ir.

TRECHO DE PEABIRU
Marco do velho Caminho
por Peabiru conhecido
resiste ao tempo e sozinho
exibe o laurel esquecido.

RIO 119
Corre o Cento e Dezenove
banha os sonhos, a memória
e a indiferença demove
ao tornar viva a história.

GRUTA DA SANTA CRUZ
De pedra em pedra se fez
a Gruta da Santa Cruz
num misto de dor e altivez,
por promessas ao Jesus

CATEDRAL SÃO JOSÉ
A Catedral São José
em plena Praça erguida
é marco de amor e fé
desta cidade querida!

Padroeiro São José
que deu nome à Catedral
conduz seu povo à fé
e a mui sublime fanal.

SANTUÁRIO DE APARECIDA
Santuário de Aparecida,
aqui eu vim adorar
a Santa da minha vida
e muitas graças buscar.

ESTAÇÃO ECOLÓGICA DO CERRADO
Este Cerrado ostenta
riquezas que não têm preço
nele o passado apresenta
do futuro , um seu começo.

AEROPORTO
Pelos céus do meu Brasil
e aqui marcando compasso
muita gente já partiu:
-Adeus e um forte abraço!

PARQUE DE EXPOSIÇÃO
No Parque de Exposição
o povo faz sua festa
de ano em ano a emoção
ao sonho e encanto se presta.

PARQUE DO LAGO
Bem vindo ao Parque do Lago
e viva nele a beleza
que esbanja com tanto afago
a nossa mãe natureza.

PARQUE LAGO AZUL
“Parque Lago Azul” se veste
De mui ricas fauna e flora
Entre as águas e o celeste
luzir da cândida aurora!

TEATRO MUNICIPAL
Teatro Municipal
de dançarinas, artistas,
de sonhos, rico cristal
do povo, jóias bem-quistas!

FECILCAM
Faculdade portentosa
Do saber a guardiã
és rebelde flor mimosa
e a mais nobre anfitriã.

MERCADO MUNICIPAL
Mercado Municipal
para o povão, Mercadão
foi peça fundamental
hoje é só recordação.

ANTIGA RODOVIÁRIA
Antiga Rodoviária
de tantas idas e vindas
à minha’lma solitária
é que, silente, tu brindas?

ESTAÇÃO DA LUZ
Estação da Luz - vigia,
de partidas, de amores,
tão intensos,já, um dia.
cuida: se ouvem clamores!

BIBLIOTECA PÚBLICA
O destino é a viagem
deste prédio monumento
ontem, em terra, ancoragem,
hoje, em livre pensamento.

MUSEU DEOLINDO PEREIRA
O ontem tem guarda segura
no presente que prepara
a nossa vida futura
para uma rica seara.

CAPITÃO ÍNDIO BANDEIRA E A AVENIDA
Entre a patente e a bandeira
Empenhou a própria vida
A voz, de sagas, herdeira
Vai muito além da Avenida.

BANDEIRA E GEMBRÉ
Dizem que em Campo Mourão
Dois índios eram rivais
Um se tornou capitão
O outro se foi, nunca mais...

IGREJINHA DOS CAROLLO
Igrejinha dos Carollo,
Que bom é nela chegar,
Buscando paz e consolo
De distante caminhar!

CEFET
CEFET, universidade
Que orgulha de coração
Esta grandiosa cidade
Chamada Campo Mourão.

Fonte:
Colaboração da Trovadora.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Trova 143 - Clevane Pessoa (MG)

São Fidélis em Poesia


Antonio Manoel Abreu Sardenberg (São Fidélis/RJ)
A VILA DE MINHA CIDADE

São Fidélis “Cidade Poema”
Minha velha Vila Nova,
Hoje estou aqui de novo
Para rever nesse encontro
Meus amigos e meu povo.

Matar saudade da terra,
Percorrendo os casarios
Da Rua Faria Serra,
Que vai da linha do trem
Até a margem do rio.

Paraíba majestoso,
Dos enormes areais,
Daquele banho gostoso,
Peladas fenomenais,
Ah! Se o tempo, de novo,
Pudesse voltar atrás...

Percorrer toda a cidade
Recordando o meu passado:
Alamedas de oitis,
A Vila dos Coroados,
A Ipuca dos Puris...

A Serra do Sapateiro,
Suas histórias e lendas,
Quermesse com lindas prendas
Ladainha e procissão;
Na Festa do Padroeiro
São Fidélis, altaneiro,
Bem do alto da matriz,
Acolhe de braços abertos
No encontro tão feliz!

Amigos se abraçando,
O sino marcando a hora,
Do lado de nossa Matriz,
Na gruta fiéis rezando
Dão graças à Nossa Senhora.

Oh! minha “Cidade Poema”,
Tira o nó desta garganta!
Meu coração não se cansa
De tanto te exaltar,
Pois quem nasceu nesta terra
Sabe bem o que é amar!
Todos os direitos reservados ao autor
================
Edmar Japiassú Maia (Rio de Janeiro/RJ)
MEU BERÇO

Pesa-me o tempo… mas, com galhardia
prossigo a caminhada e não me abato,
que um fidelense não se abate ao fato
de ter que exercitar a valentia…

Pesa-me o tempo… e cada vez mais grato
à Cidade Poema e à poesia,
unindo as duas numa simetria,
descrevo São Fidélis num retrato:

O Paraíba acolhes no teu seio,
e o carinho dos filhos é o esteio
que alavanca o progresso em teu avanço…

Pesa-me o tempo… e aguento os meus cansaços,
por saber que, na estafa dos meus passos,
São Fidélis é o berço em que descanso!
Todos os direitos reservados ao autor
===============
Hegel Pontes (Juiz de Fora/MG)
SÃO FIDÉLIS

De São Fidélis guardo a ressonância
De pássaros cantando nas capoeiras;
No olhar conservo as flores das primeiras
Primaveras perdidas na distância…

Toucou-me um dia a incontrolável ânsia
De procurar caminho e abrir porteiras,
Deixando para trás velhas mangueiras
Que encheram de doçura a minha infância.

Comércio, indústria, o campo verde, o açude…
Cidade Poema, te esquecer não pude,
Porque, mesmo partindo da cidade,

Como carro-de-boi que geme e chora,
Eu vou levando pela vida afora
A colheita indelével da saudade!
Todos os direitos reservados ao autor

Wanda de Paula Mourthé (Belo Horizonte/MG)
ENCANTOS DA MATRIZ

Homens de fé, ao mesmo tempo artistas,
trazendo na alma o gênio italiano,
Frei Victório e Frei Ângelo, idealistas,
edificaram, em labor insano,

num mutirão de crenças sincretistas
de índios, escravos, brancos - mano a mano-
uma igreja, com traços vanguardistas,
por influência do padrão romano.

A seu redor, nasce a "Cidade Poema";
hoje é Matriz e da cidade emblema,
onde inspirados poetas tecem rima.

E em São Fidélis, plena de beleza,
completando as doações da natureza,
nasceu do gênio humano a obra-prima.

Fonte:
Colaboração de Antonio Manuel Abreu Sardenberg

Stendhal (A Cartuxa de Parma)



Sinopse:

O livro (1839) narra as aventuras amorosas vividas pelo protagonista na Itália da era napoleônica. Iniciando-se com a célebre cena em que o herói Fabrício Del Dongo se perde no campo de batalha de Waterloo, sem saber que participava de um momento crucial da história européia. O livro é uma apologia da liberdade de espírito e da leveza, do ímpeto e da energia individuais, que Stendhal identifica na ensolarada Itália, aqui usada como imagem em negativo da Restauração e do naufrágio dos ideais da Revolução Francesa.

Fabrício Del Dongo, de alguma maneira, também ilustra a concepção que Stendhal tinha da vida: a “busca da felicidade”.

Enredo e comentários:

A criação de A Cartuxa de Parma foi, em muito, inspirada em leituras de documentos sobre famílias antigas da Itália, como a família Farnese, que Stendhal teve acesso em suas inúmeras passagens pela Itália, como cônsul. O Romance tem como protagonista Fabrício Del Dongo, um jovem aventureiro, de família nobre e de poucas ambições. Assim como Julien Sorel, protagonista de O Vermelho e o Negro, Fabrício é admirador de Napoleão e essa admiração constitui um dos aspectos sócio-históricos apresentados na obra, pois mostra uma Itália que sofre as consequências sociais da restauração da monarquia em territórios que pertenceram anteriormente ao Império Napoleônico, como os territórios do Piemonte, onde se passa o Romance.

Fabrício vive em seu mundo nobre, mas sem as ambições típicas de seu meio, é estuvado, ingênuo, juvenil e desapegado às coisas do dinheiro. Sua ambição é lutar e conhecer o Imperador Napoleão. Essa admiração dá início às suas peripécias, pois ele segue escondido de seu pai, monarquista, para lutar em Waterloo. A partir daí ele se vê em apuros, contando apenas com a ajuda de sua tia, Gina Pietranera. A afeição entre os dois vai crescendo e se confunde muitas vezes com um amor carnal e incestuoso. Essa dualidade entre amor fraternal e carnal constitui-se como um aspecto dramático, que seguirá as duas persnoagens até o desfecho da obra. No entanto, desvincilhado da influência de sua tia, Fabrício percebe que não a amava como mulher. Preso, coagido e vítima de inúmeros processos decorrentes das brigas entre partidos políticos e traições de côrte, Fabrício se apaixona por Clélia Conti, filha dum general do partido de oposição do amante de sua tia, Conde Mosca. Essa paixão deflagra o período mais belo da obra, em que ambos nutrem um amor impossível de se realizar, já que Fabrício, além de se encontrar preso, possui parentesco com inimigos políticos do pai da jovem. Livre por uma fuga arquitetada por sua tia, ele se vê infeliz, já que exilado jamais poderia rever Clélia.

O drama do amor impossível acaba constituindo o fato que doravante daria fim à saúde e à vida de Fabrício. Sua morte é seguida da de Clélia e Gina.

Fonte:
Anatoli: um blog cultural

Stendhal (1783 – 1842)



Henri-Marie Beyle, mais conhecido como Stendhal (Grenoble, França, 23 de janeiro de 1783 - Paris, 23 de março de 1842) foi um escritor francês reputado pela fineza na análise dos sentimentos de seus personagens e por seu estilo deliberadamente seco.

Órfão de mãe desde 1789, criou-se entre seu pai e sua tia. Rejeitou as virtudes monárquicas e religiosas que lhe inculcaram e expressou cedo a vontade de fugir de sua cidade natal. Abertamente republicano, acolheu com entusiasmo a execução do rei e celebrou inclusive a breve detenção de seu pai. A partir de 1796 foi aluno da Escola central de Grenoble e em 1799 conseguiu o primeiro prêmio de matemática. Viajou a Paris para ingressar na Escola Politécnica, mas adoeceu e não pôde se apresentar à prova de acesso. Graças a Pierre Daru, um parente longínquo que se converteria em seu protetor, começou a trabalhar no ministério de Guerra.

Enviado pelo exército como ajudante do general Michaud, em 1800 descobriu a Itália, país que tomou como sua pátria de escolha. Desenganado da vida militar, abandonou o exército em 1801. Entre os salões e teatros parisienses, sempre apaixonado de uma mulher diferente, começou (sem sucesso) a cultivar ambições literárias. Em precária situação econômica, Daru lhe conseguiu um novo posto como intendente militar em Brunswick, destino em que permaneceu entre 1806 e 1808. Admirador incondicional de Napoleão, exerceu diversos cargos oficiais e participou nas campanhas imperiais. Em 1814, após queda do corso, se exilou na Itália, fixou sua residência em Milão e efetuou várias viagens pela península italiana. Publicou seus primeiros livros de crítica de arte sob o pseudônimo de L. A. C. Bombet, e em 1817 apareceu Roma, Nápoles e Florença, um ensaio mais original, onde mistura a crítica com recordações pessoais, no que utilizou por primeira vez o pseudônimo de Stendhal. O governo austríaco lhe acusou de apoiar o movimento independentista italiano, pelo que abandonou Milão em 1821, passou por Londres e se instalou de novo em Paris, quando terminou a perseguição aos aliados de Napoleão.

Paris

Dandy afamado, freqüentava os salões de maneira assídua, enquanto sobrevivia com os rendimentos obtidos com suas colaborações em algumas revistas literárias inglesas. Em 1822 publicou "Sobre o amor", ensaio baseado em boa parte em suas próprias experiências e no que expressava idéias bastante avançadas; destaca sua teoria da cristalização, processo pelo que o espírito, adaptando a realidade a seus desejos, cobre de perfeições o objeto do desejo.

Estabeleceu seu renome de escritor graças à Vida de Rossini e as duas partes de seu Racine e Shakespeare, autêntico manifesto do romantismo. Depois de uma relação sentimental com a atriz Clémentine Curial, que durou até 1826, empreendeu novas viagens ao Reino Unido e Itália e redigiu sua primeira novela, Armance. Em 1828, sem dinheiro nem sucesso literário, solicitou um posto na Biblioteca Real, que não lhe foi concedido; afundado numa péssima situação econômica, a morte do conde Daru, ao ano seguinte, afetou-lhe particularmente. Superou este período difícil graças aos cargos de cônsul que obteve primeiro em Trieste e mais tarde em Civitavecchia, enquanto se entregava sem reservas à literatura.

Em 1830 aparece sua primeira obra-prima: O vermelho e o Negro , uma crônica analítica da sociedade francesa na época da Restauração, na qual Stendhal representou as ambições de sua época e as contradições da emergente sociedade de classes, destacando sobretudo a análise psicológica dos personagens e o estilo direto e objetivo da narração. Em 1839 publicou A Cartuxa de Parma, muito mais novelesca que sua obra anterior, que escreveu em apenas dois meses e que por sua espontaneidade constitui uma confissão poética extraordinariamente sincera, ainda que só recebeu o elogio de Honoré de Balzac.

Ambas são novelas de aprendizagem, e compartilham de rasgos românticos e realistas; nelas aparece um novo tipo de herói, tipicamente moderno, caracterizado por seu isolamento da sociedade e seu confronto com suas convenções e ideais, no que muito possivelmente se reflete em parte a personalidade do próprio Stendhal.

Outra importante obra de Stendhal é "Napoleão", onde o escritor narra momentos importantes da vida do grande general Bonaparte. Como o próprio Stendhal descreve no início deste livro, havia na época (1837) uma carência de registros referentes ao período da carreira militar de Napoleão, sobretudo, sua atuação nas várias batalhas na Itália. Dessa forma, e também porque Stendhal era um admirador incondicional do corso, a obra prioriza a emergêcia de Bonaparte no cenário militar, entre os anos de 1796 e 1797 nas batalhas italianas. Declarou, certa vez que não considerava morrer na rua algo indigno e, curiosamente, faleceu de um ataque de apoplexia, na rua, sem concluir sua última obra, Lamiel, que foi publicada muito depois de sua morte.

O reconhecimento da obra de Stendhal, como ele mesmo previu, só ocorreu cerca de cinquenta anos após sua morte, ocorrida em 1842 na cidade de Paris.

Fontes:
http://anatoli-oliynik.blogspot.com/2010/02/cartuxa-de-parma.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Stendhal

Novidade LivroPronto



Caríssimo amigo autor,

É com orgulho que apresentamos as novas formas de comunicação da LivroPronto : o novo Website e as NewsLetters ativas.

Muito já temos conversado até hoje, explicando nosso sistema de publicação que é um sucesso. Porém, pela imensa quantidade de novos autores que nos chegam diariamente com grande volume de textos para análise, acabamos perdendo um pouco o contato. É esse relacionamento que pretendemos agora retomar com a eficiência e a qualidade que já nos caracterizam na área editorial e em nosso atendimento. Esse contato será efetuado doravante, com amplo uso das NewsLetters que diariamente levarão até você nossas novidades para que em breve você seja mais um Escritor LivroPronto.

Dessa forma, pedimos a você que inicialmente faça seu cadastro pelo link abaixo. Em seguida o convidamos a colocar seu texto em nossa Seleta Cultural, uma área - gratuita por enquanto - para exposição de originais, tanto para conhecimento do público interessado como também para pré-análise da LivroPronto. Cadastrando-se, você poderá usar também uma série de facilidades que breve iremos lançar tais como: criação de redes pessoais convidando seus amigos a também se cadastrarem em nosso site (criando também eles suas redes pessoais) para falar facilmente com todos, bem como ganhar pontos em cada compra que eles façam. Os pontos ganhos darão direito a troca por livros no LivroPronto Club de Leitura e Relacionamento que lhe enviará um cartão de fidelidade personalizado. Esse cartã ;o também dará direito a participar dos eventos sociais que a LivroPronto já está montando (inicialmente em São Paulo e depois em outros Estados) para divulgar mais e mais a causa do novo autor nacional.

Assim, desde já agradecemos todo o apoio e o estímulo que sempre recebemos e que possibilitaram tão rápido crescimento, fazendo a LivroPronto cada vez mais reconhecida como o único canal profissional de publicação rápida e de qualidade para o novo autor nacional.

Continuamos contando com você e esperamos em breve recebê-lo na nova casa. Siga os passos descritos para, em seguida, alcançarmos o passo principal que é o de fecharmos a publicação de seu livro com o mesmo sucesso dos nossos mais de 300 títulos à venda por nossa conta na nossa e em muitas outras livrarias.


Forte abraço,

Equipe LivroPronto.

A LivroPronto convida você para conhecer nossa Livraria com mais de 300 bons títulos de autores nacionais, a Editora com seu sistema profissional e inovador de publicação para novos autores e a rede de relacionamentos onde voce encontrará e conhecerá muita gente legal do ramo literário. Esperamos por você em www.livropronto.com.br

Fonte:
Colaboração da LivroPronto

domingo, 2 de maio de 2010

Trova 142 - Renato Martone Junior (SP)

Maringá - Um olhar feminino em cores e versos


O livro "Maringá - Um olhar feminino em cores e versos" alcançou grande repercussão. Prova disso é que as autoras das poesias e pinturas em tela que compõem o livro receberam uma homenagem dos alunos de 2ª e 3ª séries do Colégio Santa Cruz.

Todos os trabalhos do livro foram produzidos por mulheres e têm como essência o "olhar" da artista sobre Maringá.

O objetivo era homenagear a cidade de Maringá, com suas pioneiras, artistas plásticas e poetisas, que fazem parte dessa cidade de beleza e encantos.

O Primeiro livro sobre a cidade escrito e ilustrado apenas por mulheres foi desenvolvido após a realização de uma seleção que elegeu 58 trabalhos (25 telas e 33 poesias). Uma comissão formada por artistas plásticos maringaenses e membros da Academia de Letras de Maringá selecionou as melhores poesias e telas entre mais de 100 inscritos. Toda a renda obtida com a venda do livro foi revertida ao Provopar e aplicada em benefício de entidades sociais.

A iniciativa do projeto foi da Secretaria da Mulher, em parceria com a Secretaria da Cultura e contou com apoio da Academia de Letras de Maringá.

Trabalhos selecionados e nomes das artistas
Telas:

Nosso céu - Ana Carla Agulhon Ventura
Amarelo, vermelho e azul - Ana Lígia Barbosa Barroca
Desenvolvimento - Angelita Moreno Schmitt
Um olhar de gerações - Celia Maria Nunes Silva
Primavera em Maringá II, Florescência - Camila Milanese Franco
Faces - Danielle Tima Siben
Viva trabalho - Diana Cristina Magalhães Rodrigues
O centro da feminilidade - Francislainy Sabrini Amblad
A eterna canção - Hosana Barbosa Lemes Musassaki
Pedaços - Ivana Jaqueline Nascimento Souza
Música e ipê - Juraci Macedo Schmusk
Momento de domingo - Kenya Patrícia Nascimento Bornelli
Festa junina - Lilia Pereira Lobo
Flamboyant enfeitando Maringá - Piveni Piassi Moraes
Capelas envoltas em quaresma, Capela Santa Cruz - Rosane Carnielli Mukai
Meu olhar - Sonia Regina Flores Arai
Maringá contemporânea - Solange Bochnia
Os tecidos de Maringá - Verônica Regina Muller
Encontro noturno - Janete Ferreira
Monumento do desbravador - Joseana Bonelli
Uma avenida de Maringá - Marci Kikumari Sakai
Museu da bacia - Maria Fernandes de Almeida
Catedral verde - Marinalva Zacharias Nww
Mulheres - Suely Gargioni
Maringá em festa - Yara Maria de Fátima Sanches

Poesias:
Cidade dos sonhos dourados - Agenir Leonardo Victor
Maringá e o meu viver poético - Aninha Calijuri
Maringá, minha paixão! - Arlene Lima
A pérola do norte - Darcy Berbert de Andrade
Calendário floral - Eliana Palma
Maringá, aromas e sentimentos - Florisbela Margonar Durante
Nossa majestade - Ivana Martins
Olhares por Maringá - Jeanette Monteiro De Cnop
O amadurecer de Maringá - Majô Baptistoni
Longínquas vozes - Nilsa Alves de Melo
Maringá - Olga Agulhon
Primavera - Ana Lúcia Salles do Amaral
Maringando - Ana Maria de Oliveira Ferreira
Lembranças de minha infância - Anézia Baltazar Rudnik
Estrutura - Carolina Baldissera Damião
Um olhar feminino sobre Maringá - Célia Maria Nunes Silva
Cidade canção - Cleonilda Bandolin dos Santos
Os três Ms - Cristina Márcia Soriano Veloso
Parque do Ingá - Dalva Jordão
Maringá - Enilda Maria Coelho de Cuba
Segredo - Hosana Barbosa Lemes Murassaki
Jovem senhora - Irene Corrês Veroneze
Quadro - Laís Maria Moreira Penha
Futurando - Lia Therezinha Sambatti
Verde reluz - Luzia Maude Baptistoni
Maringá das cores e cantos - Maria Isabel Luswargui Lima
Vida e sonho - Marisete Adorno Reis
Maringá, a realidade de um sonho - Rosemary Camargo
Acordar em Maringá - Roseni Gentilin Pintinha
Maringá dos meus desejos - Salete Monteiro Guedes
Meu lugar - Sonia Arai
Um olhar feminino em cores e versos - Terezinha Aparecida da Silva
Maringá, eu sem você - Vilma Pacheco Rangel Cantuária

Fonte:
http://www.maringa.pr.gov.br/imprensa/imprimir.php?id_artigo=2540

Carlos Leite Ribeiro (O Avô Guido - Parte 2) Novela em 4 partes


- Fernando: - O Augusto, telefonou-me ontem, muito alarmado, a avisar-me que o avô viria consultar um especialista a Leiria e, aproveitava para nos visitar. Contei tudo à Georgina, que foi quem me sugeriu esta farsa, decerto pelo seu hábito de interpretar comédias. O projeto parecia muito simples. Para mais, o avô partirá amanhã, e, não é provável que volte. O médico deu-me esta tarde, poucas esperanças. Os seus dias estão contados…
- Margarida: - Pobre velho… E o senhor estima muito esse avô, que não é verdadeiramente, seu avô?
- Fernando: - Devo-lhe eterna gratidão. Quando a nossa mãe morreu, o avô recolheu o Fernando, que era seu neto, e também a mim, que estava sozinho no mundo, e, que nada lhe era familiarmente. Custeou a minha educação, deu-me uma carreira, e, graças à sua ajuda, consegui caminhar na vida. Agora, tenho o ensejo de fazer alguma coisa por ele, mas a fatalidade, quase o não consente. Sim, é lamentável, mas deve compreender que não tenho culpa.
- Margarida: - Compreendo e avalio o seu assombro, ao defrontar-se com uma família caída do céu. Sobretudo esse terrível garoto. Onde é que o senhor o foi buscar?
- Fernando: - É filho da minha empregada doméstica. Não consegui encontrar outro melhor. É muito descarado, mas representa muito bem, não é verdade?
- Margarida: - Deu-me uns beijos tão ferozes, que ainda estou aturdida. Podia tê-lo escolhido mais engraçado e mais meigo!
- Fernando: - É bem verdade que não me posso orgulhar muito do meu "rebento". Que desastre... E eu a pensar que tudo parecia continuar a correr bem … Ainda a senhora não sabe o pior do caso…
- Margarida: - Ah... ainda mais complicações?
- Fernando: - Muito mais. Não sei se lhe disse o meu nome?...
- Margarida: - Ainda não disse, não…
- Fernando: - Desculpe-me, mas a confusão tem sido tanta. Chamo-me Josué Teixeira.
- Margarida: - Josué Teixeira?!... Então o senhor é o célebre compositor?
- Fernando: - Célebre, ainda não. Agradeço-lhe o adjetivo. Por enquanto, só compus músicas modernas, que, felizmente tiveram muita aceitação.
- Margarida: - Pelo menos, tornaram-no popular.
- Fernando: - Talvez. Olhe, hoje vou dirigir a orquestra na Marinha Grande.

Não se recordava, precisamente, se fora Josué Teixeira (o Fernando) quem lhe pedira que continuasse a farsa, ou se fora ela própria que se resolvera, espontaneamente, a persegui-la, reencarnando a suposta esposa do desvairado e verdadeiro Fernando, já falecido. Bom maroto fora esse rapaz! Mas não devemos falar mal dos mortos...

Pintou os lábios, e pintou os olhos. Queria parecer bonita, pelo inato desejo feminino do agradar, e para o palco!

Ao abrir a porta do quarto, sentiu a comoção da atriz que vê erguer-se o pano da noite da sua estreia. Não desejava aventuras?... Pois aí estava a mais original que teria podido sonhar. Só por umas horas, e tudo isto pouco tempo depois de ter descido do "Expresso"que a trouxera de Lisboa.

O avô Guido dormitava na salita, encolhido na mesma cadeira. Margarida atravessou nas pontas dos pés, e entrou na sala de jantar atraída pelo ruído de loucas e de vidros. A mesa apresentava um soberbo aspecto, coberta com uma toalha bordada, sobre a qual, se destacava um centro de mesa, cheio de rosas. O próprio Josué dispunha tudo, ajudado pelo Augusto...

- Margarida: - Observo que o senhor é um bom dono de casa...
- Fernando: - Acha?!... Olhe, quer um Porto? Dar-lhe-á ânimo…
- Margarida: - Aceito, pelo nosso "feliz lar"...
- Fernando: -Em honra da minha desconhecida "esposa"! Augusto, está tudo pronto e em ordem?
- Augusto: - Tudo pronto, senhor Josué. Creio que podemos começar a comer imediatamente, pois o senhor seu avô, deve recolher cedo ao hotel.
- Sandro: - Olhem lá, então, nesta casa nunca mais se come? Tenho cá uma fome...
-Augusto: - Cale-se menino, não seja mal-educado. Vamos já começar a jantar.
- Sandro: - Olhem lá, dão-me todas essas coisas boas que estão na cozinha?
- Fernando: - Se tiveres juízo, damos de tudo.
- Sandro: - Ai que bom, que bom!!!
- Margarida: - Anda, vem ao quarto de banho lavar as mãos, pois, vamos já sentar-nos à mesa.
-Fernando: - Avô Guido, avô Guido, acorde, venha jantar!
- Avô Guido: - Já vou indo, já vou indo... bonitas flores, pequena...tens que ir à minha quinta, lá em Trás-os-Montes, para veres as flores bonitas que eu tenho lá na estufa. Dantes, eu próprio cuidava delas, mas agora, estão ao cuidado do Augusto. Fernando, meu filho, porque não deixas a Margarida e o pequeno irem amanhã comigo, lá para o Norte?
- Fernando: - Impossível, avô!
- Avô Guido: - Impossível, porquê?
- Fernando: - Por... por...
- Margarida: - Por causa do colégio do Sandrito. Sabe, ele é muito aplicado e não quer perder as aulas... Até está a preparar-se para passar de classe...
- Avô Guido: - Era só uns diazitos...
- Fernando: - Iremos todos nas próximas férias. Agora, não posso deixar os meus negócios, avô…e além disso, não quero separar-me da minha mulherzinha!
- Avô Guido: - Isso agrada-me, isso agrada-me. Sinto-me feliz ao sabe-los amigos um do outro. Tu, minha filha, conseguiste torná-lo ajuizado. Houve tempo que receei que... Mas tudo isso passou. Agora, és um chefe de família exemplar, um marido modelo. A tua mulherzinha é encantadora, e o Sandrito…
- Fernando: - O Sandrito é um anjo…
- Sandro – Socorro!!! Socorro!!! Ai, que me afogo, que me afogo!!! Quem me acode?!

Ao ouvir este apelo do pequeno, logo Margarida e Josué se dirigiram ao quarto de banho. O quadro que se deparou, encheu-os de consternação: Sandrito, amigo de mexer em tudo, manobrara as torneiras do duche, e, ficara literalmente encharcado. Até pelos ouvidos deitava água.

-Avô Guido: - Que aconteceu ao meu netinho?...
- Fernando: - Nada avô, nada de importância. O Sandrito molhou-se um "pouco".
-Avô Guido: - Então, mudem-lhe a roupa rapidamente, não vá ele engripar-se.
- Fernando: - Que pena ele engripar-se. Maldito rapaz, que fizeste para ficares neste deplorável estado?
- Sandro: - Foi sem querer…
- Fernando: - Sem quer? És um estúpido, isso é que és!
- Sandro: - Eu quero ir para minha casa, eu quero a minha mãe!
- Fernando: - Querias... Querias a tua mãe, mas não vais, nem por sombras.
-Sandro: - Ai, isso é que vou! vou... vou...
- Fernando: - Não grites, senão afogo-te...
- Margarida: - Calma, calma, por favor, eu tratarei do Sandrito...
- Sandrito: - O meu nome é Paulo. Não quero chamar-me Sandrito. Nunca mais. Vocês são maus e malucos. Eu quero a minha mãe!
- Margarida: - Paulo, não grites tanto, porque assim o avô assusta-se, se te ouve....
- Sandro: - Esse velho não é meu avô, nem você é minha mãe, nem aquele é meu pai. Estou farto de vocês, que são uns malucos. Não quero jogar mais este jogo, quero ir para casa de minha mãe!
- Margarida: - Deixe para mim as questões diplomáticas, Josué. Ouve, Sandrito querido, não te ponhas assim zangado, pois, ainda nos havemos de nos divertir muito. Aconselho-te a não ires embora, sem comeres aquelas coisas boas que estão na mesa...
- Sandro: - Já comi um pudim, e, ninguém viu…
- Margarida: - Ah sim? e, olha lá, o pudim era bom?
- Sandro: - Se era bom, até lambi o prato!
- Margarida: -- E o pudim era de...baunilha, não era?
- Sandro: - Não. Era de chocolate…
- Margarida: - Que pena! os de morango, são os melhores . Pelo menos, eu gosto mais deles...
- Sandro: - E eu também…
- Margarida: - Pois não percas a ocasião, palerma. Podes comer todos quantos quiseres...
- Sandro: - Quantos? Pode ser quinze pudins?
- Margarida: - Tantos, não. Até podiam fazer-te mal.
- Sandro: - Não, não...se não me dás quinze, vou-me embora, e, já...
- Margarida: - Quinze pudins?... Isso é pudins a mais... Podias até rebentar...
- Sandro: - E se eu rebentar, a vocês não aconteceria o mesmo?
- Margarida: - Bem. Terás os quinze pudins, mas tens de prometeres que continuarás a representar o teu papel de Sandrito, até o avô se ir embora. De acordo?
- Sandro: - Está bem. Mas eu quero os quinze pudins...
- Margarida: - À mesa, procura falar o menos possível. Sabes, assim poderás comer mais coisas boas.
- Sandro: - Isso tudo, estou de acordo. Mas agora diga-me, que roupa é que a "mamã"me vai vestir?
- Margarida: - Sei lá, olha, enquanto a roupa seca, vais vestir uma bata minha. Olha lá, mas que é isto que tens aqui no braço?
- Sandro: - É a tatuagem das "Lobos Maus", e eu sou o chefe!
- Margarida: - Sim?!... Deves ser muito valente, e, por isso te nomearam chefe!
- Sandro: - Lá no bairro, ninguém me bate, e estão todos às minhas ordens.
- Margarida: - Estás a ver que és um homem importante. Fica aí quietinho que já te trago a roupa... E depois despacha-te para ir-mos para a mesa.
- Avô Guido: - Diz-me, Márcia, adaptas-te bem à tua nova vida, não tiveste pena de deixar a América?
- Margarida: - Em toda a parte se pode estar bem, desde que o "nosso querido marido” nos acompanhe…
- Avô Guido: - E tu, Sandrito? Não passas aqui melhor do que na América?
- Fernando: - O Sandrito gosta muito de cá estar...
- Sandro: - Eu gostava mais de lá estar …
- Avô Guido: - Ah, sim, então porquê?
- Sandro: - Divertia-me mais. Andava com o meu bando "Lobos Maus",e ia para outras galáxias. Assim...
- Margarida: - Come Sandrito. Não brinques. Queres mais um pedacinho de fiambre?
- Sandro: - Sim,"mamã", e dá-me também disso aí verde…
- Margarida: - Gelatina?
- Sandro: - Sim, mas que não se desfaça, pois gosto de comê-la com os dedos.

À roda daquela mesa, estavam sentadas pessoas tão diferentes umas das outras: o decrépito ancião, com a sua reluzente careca; o atraente Josué Teixeira; a linda jovem Margarida; e o endiabrado rapazito, que mantinha em sobressalto os falsos pais.

A essa hora, já estaria Isabel em algures na sua tournée. Quão longe estaria ela de pensar que a sua casa servia nesse momento de palco a uma peça cómica...cómica? Analisando melhor, também tinha os seus aspectos trágicos.
A ignorada morte do verdadeiro Fernando, a comovedora velhice do avô, o empenho de um rapaz agradecido, em evitar um grande desgosto ao seu benfeitor…

- Avô Guido: - Augusto, o meu remédio. Tu já te tinhas esquecido?
- Augusto: - Está aqui, senhor Guido. Olhe que eu nunca me esqueci...
- Avô Guido: - Sabes, minha filha, não posso sair de casa sem levar atrás de mim, uma farmácia. Este maldito coração... Mas espero que não dure muito...
- Margarida: - Não diga isso, avô. Olhe que está com um óptimo aspecto!
- Avô Guido: - Ora, ora. Não te aflijas, filha. Depois de vos ter visto tão felizes e contentes, nada mais me resta a fazer neste mundo. Vivi muito e a vida também cansa. Ir-me-ei tranquilamente, sabendo que o Fernando escolheu uma boa companheira. Toda esta favorável mudança do meu neto, é obra tua, Márcia, e, bendigo-te por ela.
- Margarida: - O Fernando sempre teve bom coração.
- Avô Guido: - Sim. Disso, estou certo, pois não desmente a minha raça. Todos nós, na juventude, fomos um pouco loucos, mas sem graves consequências. E agora me lembro, que é feito do teu irmão Josué?
- Fernando: - Josué?... Ah sim, Josué. Pois continua a dar muitos concertos no estrangeiro. Ele está bem...
- Avô Guido: - Costuma escrever-me pelo Natal. Há quanto tempo que não o vejo. É um bom rapaz, o Josué!
- Fernando: - Pois, concordo, não há melhor do que ele.
- Margarida: - Eu, pessoalmente, acho-o um pouco presumido. Claro, que só o conheço por carta...
- Avô Guido: - Presumido?! Talvez se tenha tornado assim agora, depois que compõe música. Ele continua com a mesma mania da música, não continua, Fernando?
- Fernando: - Creio que sim, avô. E parece que ganha bastante dinheiro.
- Avô Guido: - Ora, tolices! Eu não consigo compreender esta música moderna. Para mim, é um chinfrim que me ataca os nervos. Mas sejamos justos com Josué, o único defeito que ele tinha, era ser mais sossegado, mais obediente e mais aplicado do que tu, meu filho. Isto não podia eu perdoar-lhe, quando vocês eram pequenos. O meu amor-próprio de avô sofria, embora procurasse sempre dissimulá-lo.
- Fernando: - Ele estima-o muito, avô!
- Avô Guido: - E eu a ele. Parece que os estou a ver, quando tinham quinze anos. Vocês eram tão parecidos, que toda a gente os confundia. Mas tu eras muito alegre e brincalhão, ao passo que o Josué era mais comedido. Tomava a vida demasiadamente a sério. Punha tal veemência nos seus afectos e nos rancores, que me assustava...
- Margarida: - Muito interessante, gostava de travar mais amistosas relações com ele...
- Avô Guido: - Isso, também lhe agradaria, tenho a certeza. Vocês dar-se-iam muito bem.
- Margarida: - Talvez não, assusta-me tal veemência...
- Avô Guido: - Ele continua solteiro? Ouvi dizer que tinha grandes êxitos junto das mulheres...
- Fernando: - Ora, não acredite, avô. São só gabarolices!
- Avô Guido: - Gabarolices?! Mas tu próprio me disseste repetidas vezes que, as mulheres eram loucas por ele.
- Fernando: - Disse-o por graça, por troça...
- Avô Guido: - Nada disso. Lembro-me perfeitamente daquela artista brasileira, que esteve quase a suicidar-se por causa dele; e daquela milionária americana, que não conseguiu que o Josué casasse com ela, embora o seguisse por toda a parte. E de tantas outras…
- Fernando: - Mas isso já foi há muito tempo...
- Avô Guido: - Mas tu próprio me contaste tudo isso. Teu irmão é um conquistador como não há outro igual!
- Margarida: - Safa! Que homem tão perigoso, esse Josué!
- Sandro: - Mamã, só comi oito pudins, e, tu prometeste-me quinze!
- Avô Guido - Quinze pudins?! Mas isso é um disparate!
- Sandro: - Quero quinze pudins, já disse e bato o pé!
- Margarida: - Obedece ao avô, menino... (está calado, pois, comerás os outros na cozinha, não sejas palerma...)
- Avô Guido: - Conheci um menino que morreu de indigestão, por ter comido quinze pudins.
- Sandro: - Isso são histórias! E se eu morrer, melhor para mim, pois, o meu pai diz que eu sou "carne para canhão”.
- Avô Guido: - "Carne para canhão", que horror! Teu pai diz isso?
- Fernando: - Digo por brincadeira, avô. Esse pequeno é um tontinho.
- Avô Guido: - Pois, é uma brincadeira de muito mau gosto, Fernando. Parece-me que vocês estão a criar muito mal este menino. Deviam mandá-lo para um colégio interno...
- Margarida: - Tem muita razão, avô...

Ia para acrescentar mais qualquer coisa mas ficou em suspenso, ao escutar o ruído de uma chave rodando na fechadura.

(continua...)

Fonte:
Colaboração do autor.

Sérgio Valério (Atraso)


Mariane acordou atrasada e foi tomar o seu banho.

Apertou o interruptor e nada! O bairro estava sem luz.

Ela teria que tomar um banho frio.

Respirou fundo e entrou.

Foi dificil, mas Mariane conseguiu.

Foi colocar as meias. de repente, crrriii!

Uma das meia rasgou.

Mariane depressa pegou outra, colocou o sapato de salto.

Nem tomou café. Não daria tempo.

Entrou no carro. Estranho. O carro estava torto.

Não! Pneu furado!

Olhou por toda a garagem do prédio.

Nenhuma viva alma para ajuda-la, mas Mariane era uma mulher de fibra. Trocou o pneu. Sujou as mãos, mas conseguiu.

Deu a partida. Nem bem andou alguns quarteirões, o carro foi parando, parando e poct! Parou de vez.

Gasolina! Ainda bem que tinha um posto ali perto.

Mais uma corrida. Comprou gasolina e voltou.

Quando estava chegando perto do carro, quebrou o salto do sapato.

Ah! Mas ela sempre tinha um sapato reserva no porta-malas.

Calçou. Entrou no carro e foi em frente!

Finalmente, conseguiu chegar ao trabalho.

Mariane estava morta de cansaço, mas se sentia uma heroína.

“Seu” Agenor, o guarda do estacionamento, cumprimentou-a:

– Bom dia, Dona Mariane! Como a senhora trabalha, hein?
Até no domingo!

– Domingo? Hoje é domingo? – perguntou pra si mesma.

Acelerou e quase atropelou o guarda, de tanta raiva…

Fonte:
VALÉRIO, Sérgio. O colecionador de histórias. São Paulo: Panorama, 1998.
Imagem = http://www.viajeaquibrasil.com.br

Folclore Indigena (Origem do Fogo)



LENDA KAINGANG

No inicio do mundo, a única fonte de calor era o sol. Os homens não podiam defender-se do frio e os alimentos eram comidos crus. Só Minarã, um estranho índio, conhecia os segredos do fogo e os guardava só para si. A cabana de Minarã, onde o fogo era guardado sempre aceso, era vigiada por sua filha Iaravi. Para descobrir o segredo do fogo, o guerreiro Fiietó transformou-se numa gralha branca e voou até a cabana de Minarã.

Iaravi estava no rio banhando-se. A gralha caiu na água e deixou a correnteza levá-la para perto da jovem. Iaravi pegou a gralha, levou-a para dentro da cabana e colocou ao lado do fogo para que secasse. Quando as penas secaram, a gralha roubou um carvão em brasa e fugiu.

Minarã perseguiu Fiietó mas não o encontrou pois ele se escondera numa caverna. Quando saiu do esconderijo, ainda como gralha, Fiietó voou até um pinheiro e, com a brasa, incendiou um ramo de sapé. Depois, voou na direção de sua aldeia, levando o ramo no bico. Como o ramo era pesado e o vento soprava aumentando sua chama, era difícil transportá-lo. Fieetó, então, decidiu arrastá-lo pelo mato e acabou provocando um grande incêndio. A floresta ardeu em chamas durante muitos dias.

Vendo o incêndio, índios de todas as tribos foram buscar brasas e tições e levaram para suas casas que, desde então, passaram a ter suas próprias fogueiras sempre acesas.

LENDA TAULIPANG

Palenosamó era uma velha feiticeira que não gostava dos outros índios, por isso, vivia sozinha no fundo da floresta, numa clareira, longe da tribo. Naquele tempo, os homens ainda não conheciam o fogo. Os seus beijus eram secos ao sol e tinham um gosto meio ruim. Palenosamó também só podia comer as coisas cruas.

Certo dia, ela saiu de casa para apanhar alguns ramos. Juntou a lenha e arrumou-a como para uma fogueira, cuspiu em cima e a madeira pegou fogo. "Ah! Disse ela, esfregando as mãos. Agora vou ter comida quente." Preparou um moquém (grelha de varas), fez beijus, caxiri e regalou-se. Estava contente da vida.

Numa tarde, quando o sol tostava a terra e todos repousavam debaixo das cabanas, uma jovem índia entrou na floresta. Foi andando até dar com a casa da feiticeira. Subiu numa árvore e ficou a olhar. Tudo estava silencioso. O vento tinha parado. Nenhuma folha se mexia. Daí a pouco, apareceu a velha no terreiro. Pegou um pouco de lenha, juntou-a e fez fogo outra vez. A moça ficou muito espantada. Desceu da árvore, afastou-se devagar para não ser percebida, e, quando já estava a uma boa distância, deitou a correr o mais que podia. Chegou na taba quase sem fôlego. Contou aos companheiros o que vira; como a velha índia fizera fogo.

Ao receber a notícia, os homens ficaram satisfeitíssimos. "Vamos para lá! Precisamos de fogo também." Foram. A moça, na frente, ia-lhes mostrando o caminho. Finalmente, chegaram.

Falaram a Palenosamó: "Sabemos que tens fogo. Dá-nos!" A feiticeira ria-se, negando-se a atendê-los. "Se não nos dás o fogo, nós te obrigaremos!" Gritaram os índios. Agarrando-a, prenderam-na consigo, voltando a tribo. No meio da taba, amarram-na num poste. Juntaram, em torno dela, bastante lenha. Em seguida, apertaram o ventre da velha feiticeira, até que não agüentou mais e cuspiu sobre a madeira. O fogo apareceu, vivo e forte. Queimou a terra, em baixo, transformando-a numa pedra - "wato".

Essa pedra, quando é batida em outra igual, solta faíscas. Desse modo, os índios aprenderam a fazer fogueiras e não tiveram mais de comer os alimentos crus.

LENDA XAVANTE

A onça originalmente tinha o fogo. Um dia o neto e o cunhado foram procurar filhote de arara. O neto subiu numa escada e jogou uma pedra no cunhado. O cunhado ficou bravo e deixou o neto lá em cima, no penhasco. A onça chegou e fez o garoto descer e levou ele para sua toca. Na toca a onça assou carne de queixada para o neto e o neto viu o fogo pela primeira vez. Depois, o neto foi embora da toca da onça levando um pouco de carvão, como prova do fogo. Na comunidade, contou que a onça era a dona do fogo. A comunidade toda combinou de roubar o fogo da onça.

Assim, vários Xavantes se transformaram em animais para poder roubar o fogo. A primeira que roubou da onça foi a anta, que passou para o cervo, que passou para o veado campeiro, que passou para o veado mateiro que passou para a seriema, que passou para a capivara. A capivara deu um pulo na água, mas antes, um passarinho passou e pegou o fogo levando este para a aldeia. Tendo fogo e mais caça para comer, começou a se desenvolver o povo Xavante nascendo mais crianças e ficando mais fortes.

LENDA KUIKÚRU

Os índios kuikúru não tinham fogo. Kanassa, um herói demiurgo, resolveu procurar. Levava na mão fechada um vaga-lume. Cansado da caminhada, resolveu dormir. Abriu a mão, tirou o vaga-lume e pôs no chão. Como estava com frio, se acocorou para se aquentar à luz do vaga-lume. Quando Kanassa e a saracura chegaram ao outro lado da lagoa, ele desenhou no barro uma arraia, mas com o escuro não viu o próprio desenho e foi ferrado. Kanassa pediu, então, o fogo à saracura, para poder enxergar. Esta lhe disse que só o ugúvu-cuengo (urubu-rei) é que tinha fogo. "Como é esse ugúvu-cuengo?" "É um tipo de uruágui (urubu comum), muito grande, com duas cabeças e difícil de ser encontrado. Fica em lugar bem alto e só desce para comer." "Como é que a gente faz para segurar ele?" "O único jeito é matar um veado grande, esconder-se embaixo da unha dele até ele apodrecer. E, quando o urubu-rei chegar, segurar a perna dele e só soltar quando ele der o fogo."

Kanassa desenhou um veado morto, escondeu-se na unha da carniça, e ficou esperando o dono do fogo se aproximar. Quando este começou a comer a carne podre, agarrou-o pelo pé. O urubu-rei só ficou um pouquinho zangado, chamou um passarinho preto e mandou buscar o fogo lá do céu. O passarinho trouxe uma brasa, assoprou e acendeu o fogo. Kanassa, na mesma hora soltou o urubu-rei. Quando o fogo já estava aceso e quente, vieram os sapos, sopraram água nele e fugiram para a água. Mas o fogo não chegou a apagar e, o urubu-rei, então, disse: "Kanassa, quando o fogo apagar, quebra uma flecha em pedaços, racha no meio, amarra bem uma sobre a outra e firma bem no chão. Feito isso, procura uma varinha de urucum e com ela, apoiando uma das pontas nos pedaços da flecha, tira com força até o fogo surgir. E, procura um cipó da beira da água, abre e deixa secar. É muito bom para ajudar a acender fogo." Para levar o fogo para o outro lado do rio, Kanassa chamou as cobras. Só uma, muito ligeira, conseguiu chegar até o outro lado: a itóto. Kanassa também atravessou a água e lá no outro lado deu bebida, mingau e beiju para itóto - a cobra que conduziu o fogo.

LENDA PARINTINTINS

Os parintintins, que também se chamavam kagwahiva, nunca tinham visto fogo. Para obter comida quente, armavam um moquém (grelha de varas) com caça e deixavam-no ao sol. Pediram então ao semideus Bahira, que lhes desse um pedaço do sol. Prometendo atendê-los, Bahira entrou na floresta e fez um "onimbó-é", um ardil para enganar os outros. Deitou-se, fingindo-se morto. Vendo-o, a mosca varejeira voou em sua direção; cheirou-o e partiu a toda pressa em busca do urubu-rei, exatamente como o *tuixauá desejava. Esse pássaro era, naquele tempo, o dono do fogo. Veio depressa, pensando em regalar o estômago com o índio. Pegou-o e pôs fogo embaixo. Tão contente estava que Bahira aproveitou-se do seu descuido para roubar o fogo e fugir.

Percebendo o que acontecera, o urubu-rei reuniu sua gente e saiu em perseguição ao índio. Este, ouvindo o barulho dos perseguidores, ocultou-se num tronco oco, os urubus entraram atrás dele. Bahira escapou pelo outro lado e tornou a esconder-se, agora numa moita de taquara. Respirou fundo... Tinha conseguido. Chegando à beira de um rio, chamou a cobra e pôs-lhe fogo nas costas, para que ela o levasse a sua gente, que estava na outra margem. Inteiramente queimada, a cobra morreu. Chamou o camarão e, tomando o fogo, fez a mesma coisa. O camarão, ficou muito vermelho e também morreu. Colocou ainda o fogo nas costas do caranguejo e o infeliz teve a sorte dos seus companheiros. Bahira já estava começando a ficar preocupado. Tentou uma vez mais com a saracura, e a pobre ave ficou como os outros. Quando Bahira já não sabia o que fazer, apareceu o sapo cururu, que tem o costume de engolir brasas, julgando que são vagalumes. Engoliu o fogo e carregou-o até onde estavam os parintintins. Em seguida, o "Tuixauá-Bahira" quis pular para junto dos seus amigos. Achando o rio muito largo, gritou-lhe e ele imediatamente ficou estreito. Saltou-o e foi-se com os índios da sua tribo. Como recompensa ao sapo cururu por ter levado o fogo, Bahira nomeou-o pajé dos parintintins.

Fonte:
http://www.lendorelendogabi.com/

Pedro Du Bois (Antologia Poética)


TODOS

Senhora de todas as horas,
refrão e canto; silêncio e hora
decorrida; na apresentação
mesquinha se diga revelada.

Em todos os balcões de bares,
senhora, em todos os caixas
de supermercados e nas filas
de ônibus, induza o espírito
ao retorno: como alimentar
corpos naturalmente expostos?

Senhora de todos os gostos, na hora
que é nossa em pertencer ao estado,
observe à sua volta e se revolte.

PODERES

Subverto o poder, condicionado ao mito,
retiro da força o apego ao gênio
literário; esmoreço o começo e me arrojo
ao mundo abaixo das vistas, entrevejo
a glória incensada das orquídeas, símbolos
e dogmas repisados ao orgulho determinado
do poder – agora subvertido – ocultado.

Reafirmo a crença no vazio
da pedra concreta da inação
do tempo: a temporalidade
do minério escavado ao corpo

despreparado, escuto gritos reais
de descobertas: o encoberto jogo
do poder sacralizado ao todo.

MÁCULA

Desprovido de mácula mancho o passo
com sangue: acetinado preço
do inocente declarado; o pecado
urdido em mortes se rebela
contra o antagonismo da verdade;
o sangue jorra minha vida esvaída
ao sentido de me dizer libertado;
maculo histórias em interpretações
despropositadas, reinvento atos
de coragem em paródias
prosódias

sarcasmo
desprovido em mácula.

O sangue cessa o alvor
do corpo despropositado.

FABULAR

No final resta a história mal contada
e a moral recusada:
amadureço as uvas
as colho
e as uso como instrumento
cortante da verdade

(recolho a raposa à cela
irrecuperável da palavra:
a fera cala
e ordena
em silêncio
a continuação
do ato)

avisto formigas carregando folhas
em pedaços. Piso a desnecessidade
do inverno.

DUPLICAR

Na duplicação defino a imagem
reapresentada: o corpo carcaça invólucro
depositado aos pés da terra:
segue na permanência
da lembrança
até que a luz
seja apagada.

Sou jovem
e velho: adulto
e criança: ator
e personagem.

Imagem centuplicada do corpo
na perda da identidade.

DIZER

Se disserem para se diferenciar
ao tocar as flores, recomende
ao aviso,
cautela:

flores se fazem
descompromissadas
e ao toque
despetalam
vidas inacabadas

o talo permanece
com os pés dentro d’água.

CLASSIFICAR

Avento farinhas de mesmos sacos,
desfaço o bolo ainda quente, minhas mãos
crispam a forma na fornalha
da ignorância: não aprendo a lição
da humanidade no esforço de me lançar
ao centro da controvérsia; sou o resumo
do jornal de domingo em cadernos
imensuráveis; talvez me anuncie
em econômicos classificados: terça-feira
estou ofertado ao nada. Compareçam.

PAIXÃO

Apaixonei-me pela luz e a persegui
em beira mares, tive com a areia
atritos indesejáveis: a luz
e os pés molhados; perdi
a batalha, meu refúgio é o escuro
vão da escada, onde guardo
tralhas desconsideradas: rabisco
a poeira com palavras versejadas:
poderia anotar os dias.

FLOR

A flor
colhida
no frescor
da manhã

amanhece
em vaso d’água
afogada
sem razão
e dor

a flor oferecida
fenece
em desencontro.

RESTRIÇÕES

Restrito: peça invadida
em móveis: cadeiras
dispostas
em volta
da mesa
posta: a disposição
da fome, o engulho
da comida requentada
no esbulho; cortinas
encerradas na artificialidade
das luzes decompõem
a imagem; o armário
alto de copos e pratos;

o vidro quebrado no canto
inferior direito: a restrição.

AMOR

Ao amor, como ao pássaro, ao caminhar
junto às águas, ao prender os cabelos
da mulher com gestos de amizade,
cabe sensações de arrebatamento

estar em algum lugar e encontrar
o sentido de estar presente: não a necessidade
que se utiliza de artimanhas
para nos manter vivos, não a lealdade
que nos conduz à unicidade dos caminhos

não a felicidade que é predisposta
ao encurvamento: o arrebatamento
de não haver sentido quando a vida
se resume em estarmos juntos.

Fonte:
Colaboração do Autor