Fazem exatamente dois anos que nenhuma pessoa de minha família aparece aqui. Estou num asilo para velhos desamparados desde que completei setenta e um anos. Sou pai de quatro filhos. Um rapaz com a primeira esposa, uma mocinha com a segunda e duas com a terceira. Por circunstâncias outras, não pude criar meu primogênito, como pretendia, desde que nasceu. De igual forma, o destino foi demasiadamente cruel também com a menina.
Depois desses casamentos fracassados, uma dezena de jovens passaram pela minha vida, mas por convicção própria achei por bem não alimentar a idéia de começar tudo outra vez. Assim, os anos correram. O tempo, bem sei, não retroage. Meus cabelos brancos refletem a velhice que pesa de maneira latente por sobre os costados. Não sou mais aquele homem cheio de forças e vitalidade, de mãos firmes, braços fortes e cabeça erguida. Meus pés quedaram-se num cansaço embaraçoso. As vistas perderam o brilho. O pouco que consigo enxergar são imagens difusas, povoadas por brancas nuvens, manchadas, porém, de um escuro estranho que fazem-me tremer de medo e pavor. A cabeça gira e mistura-se num redemoinho de coisas e fatos passados. Sofro. O coração bate, às vezes, devagar, outras descompassado. Na verdade, o coitado pulsa como se não tivesse vontade de fazê-lo. As horas arrastam-se. Os dias estendem-se pela ampla janela debruçados sobre o peitoril e desperdiçam-se numa lentidão massacrante, atormentando e ferindo a alma combalida, moída, sofrida, morta.
Ontem – Meu Deus! – ontem minha garotinha completou quinze anos!...
Por um instante fecho os olhos e viajo. Estou em sua festa de “debut”. Vejo, então, a pequena, cercada por dezenas de coleguinhas. Como ficou linda!
Não é que lhe caiu como em uma princesa o vestido branco? Tanta gente ao redor, o bolo, as velinhas, os presentes amontoados no sofá, balões de gás colorindo, bandeirinhas espalhadas por todos os cantos da sala...
Será que ela pensa em mim?
As minhas reflexões correm mais longe. Na verdade galopam. Voam. Agora chegam ao Rio de Janeiro. Vejo-me de mãos dadas com um menino. Calças curtas, pezinhos no chão, suplica-me colo. Quer um doce. Prometo comprar. E asseguro não afastar-me jamais do seu lado...
De repente minha cabeça embaralha. E quem aparece? Minha filha numero três. Pobrezinha! Essa pequena veio ao mundo marcada. Logo, ao nascer, um balde de água fria gelou minha emoção ao final dos nove meses de espera. Lábios leporinos. O rostinho, lindo, sem igual, mas um cortezinho na boquinha deformava tudo. A vida é cruel, e por vezes, quebra as certezas que carregamos. Costuma, o destino, transformar nossos sonhos em trágicas realidades. Vontades retalham-se Despedaçam em nada os caminhos mais seguros e alguém, com mão forte, alguém escondido, afasta para além dos limites do superável tudo e todos que nos são caro.
Alguns dias atrás, um companheiro de quarto (está com câncer), vendo meu semblante aflito e os olhos chorosos, sentou-se a meu lado e com a voz embargada tentou reanimar-me:
Coragem, meu amigo, coragem. Seu barco é o mesmo que o meu. Nosso rumo é lugar nenhum. O destino, idem! Mas não esqueça nunca de uma coisa: estamos aqui, unidos para o que der e vier...e como vier...
Se fosse dado a mim, neste momento, exatamente neste ponto do caminho em que suplico à Deus que me tire o ar que respiro, a vida, se nesta hora amarga caísse dos céus a chance de pedir alguma coisa, uma apenas que fosse, rogaria somente que uma boa alma colocasse no aparelho de som o Cd com a musica que fiz para minha filha de número dois, logo que nasceu. Falha-me um pouco a memória, mas a letra da canção diz mais ou menos assim:
“...Você chegou pisando de mansinho
e pela porta entreaberta vi entrar
um vendaval de flores vivas em carinho
com certeza só o amor pode nos dar
Qual borboleta flutuando pelo ar
lança as asas no azul e se agita
mostra aos raios do sol da primavera
os seus encantos de menina tão bonita”...
Fonte:
http://www.paralerepensar.com.br/aparecidoraimundo.htm
Depois desses casamentos fracassados, uma dezena de jovens passaram pela minha vida, mas por convicção própria achei por bem não alimentar a idéia de começar tudo outra vez. Assim, os anos correram. O tempo, bem sei, não retroage. Meus cabelos brancos refletem a velhice que pesa de maneira latente por sobre os costados. Não sou mais aquele homem cheio de forças e vitalidade, de mãos firmes, braços fortes e cabeça erguida. Meus pés quedaram-se num cansaço embaraçoso. As vistas perderam o brilho. O pouco que consigo enxergar são imagens difusas, povoadas por brancas nuvens, manchadas, porém, de um escuro estranho que fazem-me tremer de medo e pavor. A cabeça gira e mistura-se num redemoinho de coisas e fatos passados. Sofro. O coração bate, às vezes, devagar, outras descompassado. Na verdade, o coitado pulsa como se não tivesse vontade de fazê-lo. As horas arrastam-se. Os dias estendem-se pela ampla janela debruçados sobre o peitoril e desperdiçam-se numa lentidão massacrante, atormentando e ferindo a alma combalida, moída, sofrida, morta.
Ontem – Meu Deus! – ontem minha garotinha completou quinze anos!...
Por um instante fecho os olhos e viajo. Estou em sua festa de “debut”. Vejo, então, a pequena, cercada por dezenas de coleguinhas. Como ficou linda!
Não é que lhe caiu como em uma princesa o vestido branco? Tanta gente ao redor, o bolo, as velinhas, os presentes amontoados no sofá, balões de gás colorindo, bandeirinhas espalhadas por todos os cantos da sala...
Será que ela pensa em mim?
As minhas reflexões correm mais longe. Na verdade galopam. Voam. Agora chegam ao Rio de Janeiro. Vejo-me de mãos dadas com um menino. Calças curtas, pezinhos no chão, suplica-me colo. Quer um doce. Prometo comprar. E asseguro não afastar-me jamais do seu lado...
De repente minha cabeça embaralha. E quem aparece? Minha filha numero três. Pobrezinha! Essa pequena veio ao mundo marcada. Logo, ao nascer, um balde de água fria gelou minha emoção ao final dos nove meses de espera. Lábios leporinos. O rostinho, lindo, sem igual, mas um cortezinho na boquinha deformava tudo. A vida é cruel, e por vezes, quebra as certezas que carregamos. Costuma, o destino, transformar nossos sonhos em trágicas realidades. Vontades retalham-se Despedaçam em nada os caminhos mais seguros e alguém, com mão forte, alguém escondido, afasta para além dos limites do superável tudo e todos que nos são caro.
Alguns dias atrás, um companheiro de quarto (está com câncer), vendo meu semblante aflito e os olhos chorosos, sentou-se a meu lado e com a voz embargada tentou reanimar-me:
Coragem, meu amigo, coragem. Seu barco é o mesmo que o meu. Nosso rumo é lugar nenhum. O destino, idem! Mas não esqueça nunca de uma coisa: estamos aqui, unidos para o que der e vier...e como vier...
Se fosse dado a mim, neste momento, exatamente neste ponto do caminho em que suplico à Deus que me tire o ar que respiro, a vida, se nesta hora amarga caísse dos céus a chance de pedir alguma coisa, uma apenas que fosse, rogaria somente que uma boa alma colocasse no aparelho de som o Cd com a musica que fiz para minha filha de número dois, logo que nasceu. Falha-me um pouco a memória, mas a letra da canção diz mais ou menos assim:
“...Você chegou pisando de mansinho
e pela porta entreaberta vi entrar
um vendaval de flores vivas em carinho
com certeza só o amor pode nos dar
Qual borboleta flutuando pelo ar
lança as asas no azul e se agita
mostra aos raios do sol da primavera
os seus encantos de menina tão bonita”...
Fonte:
http://www.paralerepensar.com.br/aparecidoraimundo.htm
3 comentários:
... É assim que a gente fica, com a alma partida, quando chega ao fim da estrada e deixa pra trás a vida..." parte de um poema que fiz, que veio à memória. Todavia é só um poema. Enquanto que este texto é forte e relata de certa forma o que realmente acontece no seio de muitas familias.
Porém, se soubermos viver e fazer nosso presente, nunca ficaremos sozinhos no futuro, afinal fica sempre um pouco de perfume, nas mãos que oferecem rosas.
bjs.
Olá, vim por indicação da Silviah, li e me emocionei, é um texto muito bonito para quem o le como um texto, torna-se real para quem já viveu uma historia assim.
Achei legal a maneira como expos seus sentimentos.
A maneira simples e humilde em reconheceu sua solidão, devemos construir nosso presente, pra não ficar no passado (lembranças)nosso futuro.
Boa indicação da Silviah.
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