terça-feira, 9 de agosto de 2011

Agenir Leonardo Victor (A Trova na Atualidade)


A trova medieval, que, em forma de cantigas, partiu do sul da França e espalhou-se pela Europa, entrando na Espanha e em Portugal na voz dos jograis e menestréis;

A trova regionalista, sem forma fixa, até hoje cultivada intensamente no Brasil pelos cordelistas, cantadores e violeiros, especialmente no Nordeste e na região Sul;

A trova no formato fixo de quadra de setissílabos, que, por sua vez, tanto aparece anonimamente, integrando o folclore luso-brasileiro, quanto na condição de arte literária, produzida por poetas conhecidos. Vimos também que a trova na condição de arte literária vem sendo produzida em língua portuguesa desde Luís de Camões e que chegou ao século XX por obra de prestigiados poetas lusitanos e brasileiros, entre os quais Augusto Gil, Fernando Pessoa, Olavo Bilac, Manuel Bandeira, Olegário Mariano e tantos outros. O grande surto, entretanto, ocorreu a partir dos anos 1950, quando o trovismo assumiu características de autêntica escola literária, espalhando-se por todo o país. É o que veremos a seguir.

Era da síntese

Em 1956, Luiz Otávio lançou no Rio de Janeiro Meus irmãos, os trovadores, obra que marcou o início do trovismo como movimento literário de âmbito nacional, com repercussão imediata em Portugal. Os tempos modernos indicavam aos poetas, como caminho, o micropoema, já que o novo ritmo de vida não deixava sobrar tempo aos apreciadores da poesia para a leitura de longas seqüências de estrofes. Nos jornais e revistas da época, notava-se tal tendência também quanto ao texto em prosa, com a proliferação das colunas de notas curtas. Iniciava-se a era da síntese.

Difundiu-se no Brasil o haicai (micropoema de 17 sons, de origem japonesa), que tem um grande número de cultores em todo o país. Houve quem fizesse experiências com o rubai, originário da antiga Pérsia (uma quadra de versos decassílabos), com o limerick (uma estrofe de 5 versos, popular nos países de língua inglesa) e com outras modalidades de poemas curtos. Ficou, porém, evidente que, para chegar ao coração do povo, o micropoema por excelência seria mesmo a trova. E foi assim que o trovismo rapidamente se alastrou, transformando-se numa espécie de confraria literária.

Confraternização

A publicação de Meus irmãos, os trovadores (um best-seller de extraordinário sucesso) fez multiplicarem-se, em todo o país, associações de trovadores, que passaram a promover animados concursos e festas de confraternização.

Em 1958, Rodolfo Coelho Cavalcante fundou em Salvador (Bahia) o Grêmio Brasileiro de Trovadores (GBT), que em 1966 passaria a chamar-se União Brasileira de Trovadores (UBT), hoje a principal entidade nacional dedicada à trova.

Em 1959, foi realizado em Campos dos Goytacazes-RJ, por iniciativa da Academia Pedralva, o I Salão Campista de Trovas.

Em 1959 ainda, a TV Rio promoveu um concurso de trovas com o nome de Jogos Florais, tendo como organizador J. G. de Araújo Jorge, na época o poeta que mais vendia livros no Brasil. Simultaneamente, a então famosa revista carioca Vida Doméstica promovia também seus Jogos Florais, de âmbito nacional, organizados por Luiz Otávio.

Em 1960, Luiz Otávio e J. G. de Araújo coordenaram os I Jogos Florais de Nova Friburgo, cidade serrana do estado do Rio de Janeiro. Foi o primeiro grande concurso de trovas encerrado com uma programação festiva, consagrando Nova Friburgo como "berço dos modernos Jogos Florais no Brasil". O sucesso do concurso e da festa deveu-se em boa parte ao apoio do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, através da coluna "Porta de Livraria", do respeitado crítico literário Antônio Olinto. Em verdade, a cidade de Santos-SP já realizara concursos com o nome de Jogos Florais em 1914, 1915 e 1916, porém abrangendo várias modalidades literárias. Os Jogos Florais no formato atualmente em prática, centralizados única ou prioritariamente na trova, tiveram início realmente em Nova Friburgo.

Na introdução do seu livro Trevos de quatro versos (1964), J. G. de Araújo Jorge fez interessante registro contando como nasceram os Jogos Florais de Nova Friburgo:

A "trovite" está grassando. E tenho que "penitenciar-me" de ser um dos responsáveis por essa verdadeira, mas benéfica, epidemia literária

(...) Em 1959, aqui no Rio, a Casa da Bahia, por sugestão de seu secretário, o trovador baianíssimo Jaime de Faria Góis, instituiu um concurso de trovas cujo tema era "a boa terra" (...) E – um pouco para minha surpresa, pois tinha conhecimento de que havia mais de duas mil trovas concorrendo – posso dizer, como trovador, parafraseando o general romano: "Cheguei, vi... e venci!" Outro dos vencedores do concurso foi meu velho amigo, o trovador Luiz Otávio. Em viagem (do Rio para Salvador, de navio), Luiz Otávio sugeriu transplantar para o Brasil a realização dos Jogos Florais, à maneira dos velhos Jogos Florais da Idade Média (...) Entusiasmamo-nos com a idéia e, na volta, a pusemos em prática, lançando os I Jogos Florais na cidade fluminense de Nova Friburgo (...) Hoje os Jogos Florais alastram-se praticamente por todo o Brasil.

Expansão

De 1960 em diante, os concursos de trovas, os festivais de trovadores e os Jogos Florais passaram a figurar no calendário de eventos de dezenas de cidades brasileiras. Entre as cidades hoje consideradas "canteiros" da trova, destacam-se (por ordem alfabética):

CE – Caucaia, Fortaleza.
DF – Brasília.
ES – Vitória, Vila Velha.
GO – Goiânia.
MA – São Luís.
MG – Baependi, Belo Horizonte, Bueno Brandão, Divinópolis, Guaxupé, Juiz de Fora, Monte Carmelo, Manhumirim, Montes Claros, Passa Quatro, Pedro Leopoldo, Pirapetinga, Pitangui, Poços de Caldas, Pouso Alegre, Rio Novo, São Lourenço, Sete Lagoas.
MS – Campo Grande, Cuiabá, Corumbá.
PA – Ananindeua, Belém.
PR – Almirante Tamandaré, Bandeirantes, Castro, Cornélio Procópio, Curitiba, Ibiporã, Jacarezinho, Londrina, Maringá, Ponta Grossa.
RJ – Angra dos Reis, Barra do Piraí, Barra Mansa, Campos dos Goytacazes, Cantagalo, Magé, Niterói, Nova Friburgo, Petrópolis, Rio de Janeiro (capital), Resende, São Gonçalo, São João do Meriti, Teresópolis, Três Rios.
RN – Natal.
RS – Caxias do Sul, Cruz Alta, Garibaldi, Itaara, Pelotas, Porto Alegre, Taquara, Uruguaiana.
SC – Balneário Camboriú, Florianópolis, Joaçaba.
SP – Amparo, Atibaia, Barretos, Bauru, Bragança Paulista, Caçapava, Campinas, Jambeiro, Jundiaí, Peruíbe, Pindamonhangaba, Ribeirão Preto, Santo André, São Bernardo do Campo, São José dos Campos, São Paulo (capital), Santos, Sorocaba, Tambaú, Taubaté.

Maringá

Maringá entrou na história da trova ao promover, em 1966, o I Festival Brasileiro de Trovadores, que reuniu os mais prestigiados trovadores brasileiros da época, entre os quais Amaryllis Schloenbach, Aparício Fernandes, Barreto Coutinho, Carlos Guimarães, Carolina Ramos, Coubert Rangel Coelho, Durval Mendonça, Elton Carvalho, Eno Theodoro Wanke, Iraci do Nascimento e Silva, J. G. de Araújo Jorge, José Maria Machado de Araújo, Joubert de Araújo Silva, Leonardo Henke, Luiz Otávio, Maria Nascimento Santos Carvalho, Maria Thereza Cavalheiro, Octávio Babo Filho, Orlando Woczikoski, Rodolpho Abbud, Vera Vargas, Zálkind Piatigorsky.

Maringá sediou mais três grandes festivais de trovas (1970, 1972 e 1977). Sediou também dois Congressos Nacionais de Trovadores (1990 e 1992), coordenados pela autora deste trabalho. E já promoveu três Jogos Florais (2000, 2001 e 2002), além de um concurso nacional, em 2003, e outro atualmente em andamento, ambos liderados pela Academia de Letras de Maringá, em parceria com a seção local da União Brasileira de Trovadores.

Missa em trovas

Em 1970, em Maringá, como ato de abertura do II Festival Brasileiro de Trovadores, foi celebrada pela primeira vez no Brasil a Missa em trovas, com versos de autoria do poeta maringaense A. A. de Assis, tendo como celebrante o então pároco da Catedral-Basílica de Nossa Senhora da Glória, Monsenhor Sidney Luiz Zanetini. Os trovadores visitantes levaram cópias da Missa, e desde então ela passou a ser celebrada em numerosas festas de trovas, em todo o Brasil, de Porto Alegre a Belém do Pará, tendo recebido inclusive uma bênção especial do papa João Paulo II. Em anos mais recentes, a Missa em trovas tem sido presidida em Maringá pelo Monsenhor Júlio Antônio da Silva (Padre Julinho), atual pároco da Catedral. Para dar uma idéia, transcrevemos a seguir a oração de abertura da Missa em trovas:

Deus, no princípio, descerra
o palco da criação:
cria o céu e cria a terra
e enche de luz a amplidão.

Cria as águas e as reparte
em rios, lagos e mares,
e com ternura e com arte
cria os bosques e os pomares.

Coloca milhões de estrelas
na abóbada imensa e nua,
e acende no meio delas
o sol e em seguida a lua.

Faz que as águas se povoem
de peixes – grandes, pequenos,
e manda que as aves voem
com seus festivos acenos.

Num outro gesto ele faz
aparecer sobre a terra
toda espécie de animais:
os da planície e os da serra.

E o paraíso está feito,
e tudo está muito bem:
um mundo lindo, perfeito
em tudo o que ele contém.

E é nessa alegre paisagem
que Deus finalmente lança
alguém que é a sua imagem,
sua própria semelhança.

"Façamos – diz o Senhor –
o homem, e a companheira
com quem partilhe o esplendor
e a graça da terra inteira!"

Cria-os Deus na excelência
da justiça e da verdade,
e dá-lhes a inteligência
e a vontade e a liberdade.

Dá-lhes a luz, o calor;
dá-lhes o ar, o alimento;
dá-lhes o aroma da flor,
e a chuva e o luar e o vento.

E lhes confere o poder
de ter o mundo nas mãos,
e a missão de conceber
um grande povo de irmãos.

Organização

O trovismo é o primeiro grande movimento literário a organizar-se nacionalmente como uma espécie de confraria, a ponto de os trovadores se chamarem uns aos outros de irmãos. Além da UBT – União Brasileira de Trovadores, principal entidade trovista hoje existente no país, várias outras se dedicam à trova, entre as quais a Academia Brasileira de Trovas, a Academia Mineira de Trovas, a Academia de Trovas do Rio Grande do Norte e o Clube dos Trovadores Capixabas.

Durante as décadas de 1970 e 1980, chegou a haver certa rivalidade entre alguns desses grupos. Atualmente, porém, reina perfeita harmonia. Todos se entendem muito bem, compartilhando a sua bela arte.

A UBT funciona mais ou menos à moda dos clubes de serviços, tais como Lions e Rotary. Os núcleos da UBT são chamados seções, com sede nas cidades onde os trovadores sejam mais numerosos, ou delegacias, onde sejam poucos ainda os cultores da trova.

Há uma diretoria nacional, sediada na cidade onde resida o seu presidente. O atual presidente nacional é o trovador Eduardo A. O. Toledo, residente em Pouso Alegre, Minas Gerais.

Há uma diretoria estadual, igualmente sediada onde resida seu presidente. A atual presidente estadual para o Paraná é a trovadora Amália Max, residente em Ponta Grossa.

E há em cada seção uma diretoria municipal. Em Maringá, o atual presidente é o trovador Dari Pereira. Se uma cidade tiver pequeno número de trovadores, será nomeado um delegado, até que haja número suficiente para instalar-se a seção.

Normalmente, os trovadores contribuem com uma pequena taxa mensal ou anual para manter em funcionamento a seção, e cada seção envia à diretoria nacional uma pequena contribuição anual. As despesas são em geral modestas: selos de correio, confecção e distribuição de boletins, fotocópias etc. Nas reuniões festivas, é habitual oferecer-se um coquetel simples, cada um dos participantes levando alguns doces, salgados e refrigerantes. Para as festas maiores, tais como as de premiação aos vencedores de concursos, a seção promotora angaria ajuda na comunidade. Em muitas cidades, essas festas fazem parte do calendário oficial de eventos.

Presença na mídia

Não se sabe exatamente quantos trovadores existem hoje no Brasil. Calcula-se algo por volta de 5 mil. Com atuação permanente, regularmente inscritos nas respectivas seções, e íntimos uns dos outros, há cerca de 2 mil. Os de São Luís do Maranhão se relacionam fraternalmente com os de Porto Alegre, os de Natal com os de Curitiba, os de Nova Friburgo com os de Maringá, os de Belo Horizonte com os de Niterói, como se fossem todos da mesma família, e todos sabem tudo sobre todos. Isso se torna possível por três motivos principais: primeiro, porque é intensa a troca de correspondência entre eles; segundo, porque freqüentemente eles se encontram em suas festas nos mais diferentes lugares; terceiro, porque a trova, além de contar com mídia própria, sempre teve espaço em jornais e revistas, nas emissoras de rádio e televisão e em outros meios de divulgação.

Há dezenas de jornaizinhos (informativos) de circulação mensal, que as seções da UBT editam e distribuem aos seus filiados e às demais seções, gratuitamente ou mediante o pagamento de um valor simbólico pela assinatura. Alguns desses jornaizinhos circulam no país inteiro e ainda em Portugal, de modo que, por exemplo, o anúncio de um concurso, publicado num deles e reproduzido pelos demais, chega rapidamaente a todos os trovadores brasileiros e portugueses. O mesmo ocorre com os resultados dos concursos.

Dentre os periódicos que promovem ou apóiam a trova, ocorre-nos citar os seguintes: A Rosa (Santos-SP), Bali (Itaocara-RJ), Boletim Informativo da UBT-Rio (Rio de Janeiro-RJ), Calêndula (Porto Alegre-RS), Fanal (São Paulo-SP), Horizonte em Trovas (Belo Horizonte-MG), Informativo da UBT Nacional (hoje editado em São Paulo), Informativo da UBT-SP (São Paulo-SP), Jornal Maringaense (Maringá-PR), Koisalinda (Ribeirão Preto-SP), Literatura & Arte (Vitória-ES), Menestrel (Juiz de Fora-MG), Movimento Poético Paranaense (Curitiba-PR), nosso espaço (Rio de Janeiro-RJ), O Estro (Brasília-DF), O Trovador (Natal-RN), Os Trovadores (Curitiba-PR), Quatro Versos (Nova Friburgo-RJ), Trovalegre (Pouso Alegre-MG), Trovanatal (Natal-RN), Trovia (Maringá-PR).

Até a década de 1960, quase todos os jornais e revistas brasileiros mantinham colunas, páginas ou até cadernos inteiros dedicados à literatura em prosa e verso. Por ser um poema curto e de fácil compreensão, a trova sempre esteve presente nesses espaços, contando com um número muito grande de leitores.

Também a mídia eletrônica divulgava amplamente a trova e outras modalidades de poesia. Poetas como J. G. de Araújo Jorge e Aparício Fernandes, que mantinham programas desse gênero no rádio e na televisão do Rio de Janeiro, graças a isso ficaram famosos em todo o país, chegando a ser recordistas no recebimento de cartas.

Hoje ainda, Brasil afora, há um número considerável de colunas especializadas em trovas, com espaço em jornais e revistas, além de programas de rádio e televisão. Rodolpho Abbud comanda há muitos anos um desses programas na Rádio Sociedade de Nova Friburgo, com alto índice de audiência. Marisol em Teresópolis, Maria Thereza Cavalheiro em São Paulo, Alonso Rocha em Belém do Pará, Humberto Del Maestro em
Vitória, Flávio Roberto Stefani em Porto Alegre, são outros exemplos de poetas que publicam colunas de trovas em importantes jornais, e todos eles com estimulante retorno por parte dos leitores. Em Portugal, a poeta Maria José Fraqueza dirige prestigiado programa de trovas na Rádio Gilão, de Tavira. Ultimamente, a Internet tem sido também amplamente utilizada como veículo para divulgação de trovas.

Considerem-se ainda as muitas outras maneiras de levar a trova ao povo: em materiais de propaganda, em cartões de telefone, em peças de artesanato, em vários tipos de brindes, em cartazes colados nos ônibus urbanos, em painéis, muros, paredes etc. Na cidade mineira de Pouso Alegre, por exemplo, a Secretaria Municipal da Cultura mandou pintar trovas com mensagens educativas nas paredes de todos os prédios públicos.

Todos esses meios de divulgação, somados aos livros que cada trovador periodicamente publica, contribuem para que a redondilha circule por toda parte, espalhando alegres mensagens, algumas fazendo sonhar, outras fazendo rir, todas fazendo pensar.

Concursos

Os concursos têm como principal finalidade estimular a produção de trovas e estreitar o relacionamento entre os trovadores. Na maioria dos casos, estabelecem-se dois temas, um de âmbito estadual ou regional e outro de âmbito nacional-internacional, abrangendo trovas líricas e filosóficas. Em alguns concursos, há também um tema para trovas humorísticas.

Cada concorrente participa com um número limitado de trovas, variando de uma a cinco, dependendo do regulamento do torneio. Cada concurso costuma receber de mil a duas trovas. Ao final do prazo estabelecido para a remessa, uma ou mais comissões julgadoras iniciam o processo de avaliação. Dentre as trovas finalistas, são selecionadas as premiadas, na maioria dos casos 15, sendo 5 vencedoras, 5 menções honrosas e 5 menções especiais.

A UBT, por princípio, não promove nem apóia concursos com prêmios em dinheiro. Os vitoriosos recebem diplomas e troféus ou medalhas, e são convidados a ir à festa de premiação com despesas de transporte por conta própria. Os promotores oferecem apenas hospedagem e refeições. Se um dos vitoriosos, por algum motivo, não pode comparecer à festa, recebe os prêmios por meio de um representante ou pelo correio. As festas variam conforme os recursos disponíveis. Em média, duram de dois a três dias, constando de passeios turísticos na cidade-sede, recitais, reuniões de estudo, cerimônias religiosas tais como a Missa em trovas, solenidade de premiação etc. É também costume eleger-se a Musa da festa, uma jovem que tenha aparência lírica e que goste de poesia. Mas tudo isso tendo sempre como objetivo principal a confraternização e o fortalecimento da amizade. Aliás, há até uma frase-lema, criada pelo trovador Izo Goldman, de São Paulo: "A trova, acima de tudo, faz amigos".

Os trovadores têm seu dia: 18 de julho, data de nascimento de Luiz Otávio, que, pela qualidade das suas trovas e por sua incontestável liderança no movimento trovadoresco, mereceu o título de príncipe dos trovadores brasileiros. E também têm seu patrono, São Francisco de Assis, que foi um dos mais importantes trovadores do período medieval.

Não há uma estatística atualizada quanto às atividades profissionais dos trovadores. Observa-se, porém, que, em maioria, são pessoas de escolaridade média ou superior. Fernandes (1972, p. 80) fornece um quadro que pode pelo menos servir de base. Na época, as 20 profissões com maior número de representantes entre os trovadores eram, pela ordem: professores, jornalistas, servidores públicos, advogados, médicos, bancários, militares, dentistas, radialistas, contabilistas, magistrados, engenheiros, farmacêuticos, empresários, musicistas, promotores de justiça, sacerdotes, diplomatas, publicitários e atores.

Quanto ao sexo, há bastante equilíbrio, algo bem próximo do meio, embora ultimamente as mulheres comecem a constituir maioria: cerca de 60%. No que se refere à idade, há predominância de pessoas com mais de 50 anos. A trova é, por excelência, uma arte da terceira idade, embora existam muitos jovens entre os melhores trovadores. O grande número de idosos talvez se explique pelo fato de serem em geral aposentados, com mais tempo disponível para escrever e também para participar de concursos e encontros. Muitos chegam a falar em "trovaterapia", aludindo aos benefícios que tal prática lhes traz à mente e ao coração.

Exportação

A trova brasileira tem chamado a atenção de adeptos da poesia no mundo inteiro. Muitas delas têm sido vertidas e "exportadas" para outras línguas, sem perder a graça original. Fernandes (1972, 37) fala sobre isso, dando a seguir alguns exemplos: "Não é apenas no idioma português que a trova é fascinante. Seja na musicalidade da língua italiana, seja na rispidez da alemã, no francês gutural ou no inglês objetivo, as qualidades fundamentais da trova permanecem".

Trova de Aparício Fernandes, vertida por Héctor Strazzarino para o espanhol:

Se a gente, quando falasse,
meditasse antes um pouco,
talvez o mundo ficasse
mais feliz e menos louco!

Si la gente, cuando hablase,
meditara antes un poco,
tal vez el mundo quedase
más feliz y menos loco!

De Augusta Campos, vertida para o italiano por Carmen Sala:

Não deixes que te apoquente
o que passado já está.
Cuida bem do teu presente,
do porvir Deus cuidará.

Non lasciar che ti tormente
del passato quel che sta.
Ti cura bem del presente,
al doman Dio pensera.

De Luiz Otávio, vertida para o alemão por Ignez Teltscher:

Maria dos meus amores,
a minha noite, o meu dia!
Maria das minhas dores,
tu és um mundo, Maria!

Maria meiner Liebe,
Maria meiner Schmerzen!
Meines Tages und meiner Nacht,
Die Welt in meinem Herzen!

Também de Luiz Otávio, vertida para o inglês por C. Victor Stahl:

Olhando a melancolia
que tu levavas no olhar,
lembrei-me da lua fria
sobre uma campa a brilhar.

Such melancholy stare
seen lurking in your eye,
is like the moon’s chill flare
on grave-stones standing by.

Técnica

No curto espaço deste trabalho não cabe um estudo pormenorizado sobre técnicas de versificação. Vale, entretanto, lembrar que a trova, como as demais modalidades de poesia, tem normas a serem obedecidas, e ignorar tais normas seria empobrecer a arte pretendida. O trovador necessita, sobretudo, estar atento às questões do ritmo, da métrica e da rima.

O ritmo, na composição da trova, não chega a ser muito rigoroso. O verso setissílabo admite ampla variedade nesse aspecto, devendo-se observar apenas se o efeito sonoro resultante agrada ao ouvido. Há que haver certo "balanço", aquela melodia típica da cantiga. O setissílabo geralmente considerado ideal é o que bate forte nas ímpares, isto é, o que tem as tônicas na 1ª, 3ª, 5ª e 7ª sílabas, como este de Sérgio Bittencourt: Minha voz na voz do vento... Mas também soam bem versos como estes: Meu limão, meu limoeiro... / Peguei o Ita no Norte... / Valei-me, meu pai, valei-me... / Maria, minha Maria... / Amei, sonhei, fui feliz...

O que o poeta deve mesmo evitar são os versos de sonoridade frouxa, como estes: Tenho um coração sofrido.../ Era descendente dela... / Quer desesperadamente...

A métrica é um pouco mais complicada, exigindo maior experiência. Na composição de um verso, o cuidado inicial é lembrar que "sílaba" em poesia não significa exatamente a mesma coisa que em gramática. A sílaba poética corresponde a um som, ou seja, a uma nota musical. O setissílabo é um verso de sete sons (dó-ré-mi-fá-sol-lá-si), contados até a última sílaba tônica. É importante lembrar também que vogais vizinhas são em geral pronunciadas separadamente nos casos de hiato, e se juntam quando não ocorre hiato. Sirvam de exemplo estes conhecidos versos de Gonçalves Dias:

Mi | nha | te | rra | tem | pal | mei | ras,
on | de | can | ta o | sa | bi | á.
As | a | ves | que a | qui | gor | jei | am
não | gor | jei | am | como | lá.

A rima, segundo as normas atuais, como já vimos, deve ser dupla, isto é, devem ser rimados o primeiro verso com o terceiro e o segundo com o quarto (abab). Em trova não há, porém, grande exigência quanto ao fato de a rima ser rica ou pobre, no sentido tradicional de que rica seria a rima entre palavras de diferentes categorias gramaticais: verbo com substantivo, adjetivo com advérbio etc. Isso não tem sido levado muito a sério atualmente. Mais importante, como sugere Nogueira (1996, p. 27), é o trovador estar atento para evitar certos cochilos que, estes sim, enfraquecem o verso. Por exemplo:

rimas em que a vogal tônica seja a mesma nos quatro versos: liso / dia / viso / havia; mar / amava / bar / sonhava; veia / cedo / areia / segredo.

rimas com palavras derivadas: ver / rever; agir / reagir; tempo / contratempo.

rimas imperfeitas, assim chamadas por haver diferença no timbre das vogais tônicas: idéia / areia; sacode / pôde; melhor / favor.

rimas regionais. Em São Paulo, viu rima com frio, que os paulistas pronunciam /friu/, num único som; no Rio de Janeiro não, porque os cariocas pronunciam /fri-io/, em dois sons, como se fosse hiato. Em algumas regiões céu rima com mel, pronunciado /méu/; em outras não, porque a pronúncia é /me’l/, quase /mele/.

Certamente, não são apenas os pormenores técnicos que fazem a beleza da trova. Muitas delas há em que normas tidas como importantes são desprezadas e no entanto o resultado é ótimo. De toda forma, sempre que lidamos com arte é recomendável buscar o máximo de aprimoramento. A trova, embora pequenina, é uma obra de arte, um poema, portanto merece do seu autor especial cuidado. O principal é sempre o achado, a idéia nova, contudo cada ingrediente complementar concorre para dar a esse achado um encanto maior. O ritmo harmonioso, a boa rima, a escolha do vocabulário adequado, a correção gramatical, a qualidade da mensagem, tudo isso se soma na produção de uma trova primorosa, dessas a que se costuma chamar antológicas.

Fonte:
Agenir Leonardo Victor. A TROVA - O Canto do Povo. Enviado por e-mail.

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