quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Dorothy Jansson Moretti (Folhas Avulsas)

FOLHAS   ESPARSAS

Quando a tarde ao cair, toda dourada,
lenta transmuda em gradações cambiantes,
sinto minha alma, sensibilizada,
afinar-se ao sabor dos tons mutantes.

E os versos que componho em tais instantes,
assumem cor ardente ou desmaiada:
vivos, do leve Alegro aos sons vibrantes,
tristes, do grave Adágio à dor velada.

São notas desprendidas da Sonata,
dispondo um clima de jovial Cantata,
ou da Pavana o sufocado grito,

São folhas soltas, pelo vento esparsas,
verdes ou murchas, voam como garças,
deixam meus sonhos no azul do infinito.

E X T R A V A G A N T E

Sempre cultuo a forma clássica do verso,
a musicalidade, a rima bem sonante;
e às vezes, se obedeço a algum impulso inverso,
jamais descarto o ritmo, que em mim é constante.

Até posso assumir um estilo diverso
que o esteta vai chamar ambíguo e extravagante:
ser clássica e moderna, ser reverso e anverso,
mas sem trair a escola ou ser deselegante.

Nem sempre, então, atento à rima num soneto,
como se livre fosse o verso, branco (ou preto),
nem respeito o hemistíquio num alexandrino.

Acolho a inspiração como ela bate à porta,
trazendo-me no dorso a rima certa, ou torta...
E o ritmo? Ah, esse é música! Eu não desafino!

E S P A Ç O N A U T A   E   A    T E R R A

Às vezes me surpreendo imaginando
o que deve sentir um astronauta,
a olhar da altura a Terra divagando,
seguindo a órbita, no espaço, incauta.


Quem sabe há de cismar:”Como é pequena!
Que interesse terão os homens nela?
Guerras, paixões a fervilhar na arena,
longe assim, não são mais que bagatela”.

A ambição a exigir supremacia,
autos, litígios e burocracia...
que importam as urgências do planeta?

O tempo aqui é inócuo e sem remissa...
Não se discute a pressa ou a preguiça
com que a areia se esvai pela ampulheta.

E N T Ã O. . . T A L V E Z . . .

Quando o instante fatal chegar ao mundo,
e a Terra viva os últimos momentos,
quando convulsos no abismo profundo,
rugirem surdamente os elementos;

quando as águas dos mares e dos rios
em cálido vapor se transformarem,
e até o sol se apagar e ficar frio
e os astros pelo céu já não brilharem;

quando os altivos e ásperos rochedos
em lava ardente e flâmea se fundirem
e tombarem montanhas e penedos,
e Terra e Céu, por fim, se confundirem...

Então... talvez meu amor incandesça,
riscando o espaço qual astro cadente,
e de meu ser pra sempre se despeça,
e se apague a teus pés, enfim contente.

A    P A R Á B O L A    E    O    V E R B O

Em linguagem translúcida e despretenciosa,
ao alcance do povo rude que o escutava,
Jesus ia ao encontro de uma alma ansiosa,
e as coisas mais sutis, assim lhe revelava.

Um lírio, uma semente, uma ave ruidosa,
uma ovelha, um pastor... em tudo ele encontrava
o símbolo perfeito, a idéia imaginosa,
que em singular parábola identificava.

Então aqueles homens simples, iletrados,
podiam, pela fé singela iluminados,
reconhecer a essência que a verdade exala.

E aos doutos fariseus diziam, sem receio:
“É Ele o Emanuel! É o Verbo que já veio!
Jamais homem algum falou, como ele fala!”

N A T A L    D E    O U T R O R A

Dos ramos do pinheiro reluzente
lindas esferas pendem, caprichosas;
e eu vejo em cada uma a cena ambiente
refletida nas cores luminosas.

A mesma sala, o piano, a claridade
vazando pelas dobras da cortina;
os mesmos quadros que, apesar da idade,
resistem mudamente ao tempo e à ruína...

Onde, porém, se esconde o antigo encanto?
A procurar-lhe a sombra em cada esfera,
meus olhos tristes varrem cada canto,

e evoco ainda imagens tão distantes...
Ah se voltasse tudo a ser como era!
Ah se o Natal voltasse a ser como antes!

Fonte:
AVSPE

Nenhum comentário: