domingo, 12 de agosto de 2012

Lila Ripoll (Poemas Escolhidos)

Fita Verde

Prendi uma fita bem verde
nos meus cabelos escuros.
Fiquei quase uma menina
capaz de subir nos muros.

Troquei de alma e de idade
e brinquei entre as crianças.
Meus pesares voaram longe...
e as minhas desesperanças.

Na roda da "Cirandinha"
ninguém cantou como eu.
Cantei, cantei todo o dia
até que o sol se escondeu.

E veio a noite e o cansaço
e nós fomos descansar:
as crianças de verdade
e eu que brinquei de enganar.
(...)

Publicado no livro Céu Vazio: poesia (1941).

Neve

A neve desce
fria e fina.
A neve cresce
e há neblina.

Neva na rua,
neva em meu peito.
Cai neve da lua
no mar,
e em meu leito.

A neve gela
meu pensamento.
Cai neve, neve
nos fios do vento.

A neve desce
pelo meu leito.
A neve cresce
sobre meu peito.

Cai neve, neve
cai e se adensa.
Cai neve, leve,
sobre quem pensa.

Publicado no livro Poemas e Canções (1957)

Retrato

Clara manhã de inverno.
Na rua longa e fria
procuro ansiosamente
um número, uma casa.

(...)

Aguardo a professora,
aguardo e penso,
no agasalho do ambiente de silêncio.
E detenho meus olhos surpreendidos
no retrato maior que a sala guarda.

Reconheço a figura, a fronte ampla,
o olhar audaz e manso ao mesmo tempo.
É ele sim, é o grande Cavaleiro,
Cavaleiro de muitas esperanças.

Que faz ali? Que faz ali? pergunto.
Por que naquela casa silenciosa
tranquilamente antiga e acolhedora,
o retrato de Prestes na parede
sobressai e ilumina a sala inteira?

(...)

"É meu neto, menina. Gosta dele?
É o Luís Carlos, meu neto, não sabia?"

E vejo à minha frente, nobre e simples,
a vovó Ermelinda, de Luís Carlos,
para mim Cavaleiro da Esperança

E a voz continuou serena e mansa:
"Um menino tão terno, tão sensível,
quem diria pudesse ser um dia
um revolucionário?"

(...)

Anda longe o Luís Carlos, de seus dias.
Anda longe e está próximo e presente:

nas palavras apenas murmuradas
— afetivos suspiros e lembranças —
e nas outras que brotam impetuosas
dominando planícies e cidades.

(...)

Seu passo um dia cantará nas pedras
e humildes casas se iluminarão.
E à sua voz, de chama e tempestade,
as vozes triunfais responderão.

Publicado no livro Novos Poemas (1951).

Ternura

Eu te amo com a ternura das mães
que embalam os filhos pequeninos.
E te amo sem desejos.

Perto de ti meus sentidos desaparecem.
Meu corpo tem castidades de santa e de menina.

Quando falas nenhuma sobra se interpõe entre nós dois
Fico presa à palavra de tua boca
e à palavra de teus olhos.
Nada existe fora de nós. Longe de nós...
Tu és o Princípio e o Fim. O Tempo e o Espaço
Cada palavra tua mais espiritualiza
o meu sentimento e a minha ternura.

Tenho vontade de que meus braços se transformem
num grande berço,
para embalar teu sono de homem triste.

Nenhuma estrela brilha mais clara que os teus olhos
na minha alma,
e que a tua palavra no meu coração.

Nenhum homem foi amado com tanta pureza sem pecado,
nem tanta adoração!

Nenhuma mulher vestiu de tanta castidade
seu corpo e sua alma,
para a tristeza de um amor que quer viver,
e quer morrer.

Publicado no livro Céu Vazio: poesia (1941).

Fonte:
http://www.astormentas.com/din/poemas.asp?autor=Lila+Ripoll

Nenhum comentário: