Cronica Vencedora do Concurso Nacional de Crônicas do 3º Jogos Florais de Caxias do Sul (RS) - 2011
No espelho não mais encontro aquela jovem que um dia foi a noiva de branco a se olhar uma última vez antes de se entregar... Um último retoque nos negros fios encaracolados; uma última ajeitada na grinalda de flores de laranjeira... e pronto! Tão linda imagem... perfeita! Estava ali a encarnação da esperança!
Tudo perfeito, afinal, naquele dia. Em cadeiras caprichosamente arrumadas sob a sombra do parreiral em cachos, amigos e familiares em sincera torcida... Quase toda a italianada da colônia...
As uvas pendiam roxas e perfumadas, indicando fartura e bons presságios ao alcance das mãos.
O noivo, de pé, no altar, com brilho de gel nos cabelos, vestia, com certeza, o seu melhor traje. Aguardava, aflito, a donzela que tomaria por esposa como quem espera, finalmente, começar a viver... Cheio de sonhos no olhar!
Não vi, ao caminhar em sua direção, nada além daqueles olhos de anil e promessas... Olhos que guardariam aquele momento para sempre em sua retina... Olhos que me diziam: - Venha, não tenha medo, ninguém aqui ousará ofendê-la, e hoje é o seu dia de rainha.
Unidos pelo santo laço do matrimônio, não mais enfrentaríamos a resistência dos sogros... Estava feito!
Outras safras vieram, ano após ano. Junto com a colheita da uva e a produção do vinho, comemorávamos o aniversário de casamento e, de quando em quando, a dádiva da vida sendo gerada em ventre fértil.
Nem tudo foi assim tão lindo do jeito que foi sonhado... Nem todas as promessas foram cumpridas... Algum encanto se desfez aqui ou acolá, mas tudo foi bem-vindo... Estávamos juntos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença... Fomos abençoados com cinco valorosos filhos, que formavam lindo degradê, e nossas vidas estariam para sempre entrelaçadas.
Volto a me buscar no mesmo espelho da penteadeira de imbuia, na mesma casa caiada com as cores da terra... e o meu amor está de partida.
Busco-me no espelho e não me vejo. Na imagem refletida, uma outra habita. Insisto e me procuro naquela imagem de cabelos de neve cobertos... Não reconheço nenhum traço. Não vejo quem sou, não encontro quem fui quando trocamos o “sim” diante do altar...
Lembro-me dos olhos de promessas cheios... Éramos outros... Tão jovens!
A velhice enrugou o nosso olhar... Não me reconheço diante do espelho e meu loiro não pode me ajudar nesse momento, pois trava um longo combate com a morte, no quarto ao lado... Insisto, aprumo os óculos, fixo-me bem posicionada... nada! O velho espelho também exibe as marcas do tempo. Choro... e as lágrimas silenciosas escorrem lentamente, percorrendo os inúmeros sulcos esculpidos em meu rosto.
Recomponho-me! Aprendi a aceitar os punhados de dor que a vida me reserva e esconde entre tantos potes de felicidade.
Volto e sento-me a seu lado. Ainda ouço um último sussurro: - Te amo, minha nega!... E então, finalmente, me reencontro naquelas retinas, que sempre me viram além da cor e das marcas do tempo.
Firme, seguro sua mão até a travessia, com a certeza de que, na minha hora, ele estará me esperando na margem de lá, com a mão estendida..., e ao caminhar em sua direção não verei mais nada além daqueles olhos de anil e promessas...
Outra safra se aproxima e a saudade ainda machuca o peito, mas alegro-me com a chegada dos filhos ao nosso pedaço de terra nesse cantinho do mundo.
A natureza novamente em cachos perfumados e coloridos.
Agradeço ao Criador da vida! O meu quinhão de alegria sempre foi maior que o meu quinhão de dor...
Meus filhos, participando da colheita da uva, são como bálsamo para os meus olhos... Lindos e fortes, uma mistura perfeita de raças, o branco e o negro em profusão de amor: na safra da vida, a magia das cores!
Fonte:
Jornal O Diario. Caderno D+. 31 janeiro 2012.
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