FUTURO
Não havia o traço esbranquiçado
rasgando o firmamento, nem a britadeira
e o caminhão misturando cimento e areia:
manualmente transportados
manualmente contados
manualmente colocados
blocos de pedras
superpostos
sobrepostos
erguiam paredes
em pequenos arcos
de telhados
sobre o topo o homem
sonhava traços de fumaça
cortando o firmamento.
HÁBIL
Hábil, rabisco verdades: levo o pão
sob o braço, comida faltante na mesa
do pai. Ofereço minha habilidade
desferida em tiros: atiro a esmo
nos cadáveres deixados. Vou
pelo caminho acrescentado
(no bolero reencontro os passos)
onde me encontro na habilidade
recíproca do renascimento.
FABULAÇÕES
Da desmoralizada fábula
retiro a lição antagônica
do ato
fujo em cigarras
jogadas ao vento
na derrubada
da casa
(pela enésima vez
ofereço ao pastor
o lobo despedaçado)
no final da história
retorno em alisadas
frases. Em cada começo
reencontro a farsa.
SUBMISSÃO
Submeto o poder
ao gesto de renúncia
anuncio ao vento
a água fervente
da conversão anímica
dos espíritos corporificados
da renúncia retiro a verdade
escalada em elevados tetos
cubro a história em divisões
estéreis e no consenso
sei do início:
o poder sucumbe ao encontro
no desprazer da morte
em sequência.
A CONCRETUDE DA CASA
A casa se esforça em cumprimentos.
Mimética, esconde fissuras e a parede
desbotada do passado; reafirma cores
inexistentes, ilude; ouve as pessoas
dizerem da vida lá fora e lembra
sua construção: a edificação exige
equilíbrio e graça na modificação
dos materiais, na sobreposição
das lajes, no colocar tijolos e no cobrir
o corpo em telhado; a casa conhece
cada pedaço do seu todo: as junções
vitais dos encanamentos e a energia
referida ao uso das utilidades.
RUDIMENTOS
O corpo tosco, ideológico, a bebida
barata do bar da esquina, o olhar
inerte sobre a toalha: a lembrança
é mortalha viva do intelecto e o longo
caminho percorrido no alongar o físico;
o contato contamina o todo destinado
e aos ouvidos se rebelam sons inaudíveis;
repete o gesto com que bebe o líquido,
repete as vezes despretensiosas da saudade;
reafirma ao homem da outra mesa a incerteza
da sobrevivência: ideológico, destila o humor
esbranquiçado da verdade: o homem ao lado
faz de conta que não é com ele e bebe
aos santos de todos os sábados.
PRÓDIGO
Destraçar o caminho
replantado na grama
sob os passos
desconsiderar o avanço
e retornar em plácido
andar de retomada
esquecer o desenho
mapeado em escuros
tesouros inatingíveis
ser diletante: pai e mãe
a recolocar no alpendre
espantalhos ao espantado
o filho.
Fonte:
O Autor
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