DOMINGOS FREIRE CARDOSO
O pranto que ninguém viu
e em mim só ficou guardado,
foi o que mais me feriu
por não ter sido chorado…
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Poema de Lisboa/Portugal
ANTERO JERÓNIMO
Trazes pombas na brancura das tuas mãos
Feridas por cicatrizar no peito dilacerado
O mar dos teus olhos fala de promessas e sonhos adiados
Candura do rosto emoldurando a beleza
dessa fragilidade acesa e delicada.
Ofereço-te a frescura desta terna flor
para que possas guardar em mim todos os segredos
Encontrar um abraço no sorriso dos meus olhos
E a coragem renovada de um novo recomeço.
Em cada manhã
Por cada suspiro de primavera
Me desassossegues com o oiro da tua luz
Sussurres brisas acordando a nossa paixão
Rasgando as densas sombras
E eu renascerei ao extinguir-me em ti.
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Trova de Paredes/ Portugal
TIAGO
ANTÓNIO BARRADAS BARROSO
Quis colher o sol e a lua,
Depô-los no teu regaço,
Quis cantar de rua em rua,
Os versos que já não faço.
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Soneto de Portugal
NATÁLIA CORREIA
Fajã de Baixo/São Miguel, 1923 — 1993, Lisboa
Mãe ilha
No coração da ilha está um vaso
Cheio das pérolas que pra mim sonhaste,
Ó mãe completa da manhã ao ocaso,
Pastora dos meus sonhos, minha haste.
Partí pras Índias do meu estranho caso
—ó danos que dos versos sois o engate!—
E com maus fados se entendem ao acaso
Lírios e feras do meu vão contraste.
Ave exausta, o retorno quem me dera,
Vou no canta dos órfãos soletrando
O âmbar da manhã que ali me espera.
Feridas asas, enfim ali fechando
Ao pasto e á onda me unirei sincera,
Ilha no manso azul de mãe esperando.
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Trova Premiada em Blumenau/SC, 2016
FABIANO WANDERLEY
FABIANO DE CRISTO MAGALHÃES WANDERLEY
Natal/RN
Os seus carinhos maternos,
com seus infindos cuidados,
deixaram-me amores ternos,
para sempre, idolatrados!
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Poema de Portugal
DANIEL FELIPE
DANIEL DAMÁSIO ASCENSÃO FILIPE
Ilha da Boa Vista/ Cabo Verde, 1925 – 1964, Lisboa
Morna
É já saudade a vela, além.
Serena, a música esvoaça
na tarde calma, plúmbea, baça,
onde a tristeza se contém.
os pares deslizam embrulhados
de sonhos em dobras inefáveis.
(Ó deuses lúbricos, ousáveis
erguer, então, na tarde morta
a eterna ronda de pecados
que ia bater de porta em porta.)
E ao ritmo túmido do canto
na solidão rubra da messe,
deixo correr o sal e o pranto
– subtil e magoado encanto
que o rosto núbil me envelhece.
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Trova Popular
Quem roubou o meu amor
deve ser um meu amigo...
Levou penas, deixou glórias,
levou trabalhos consigo...
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Soneto de Portugal
FERNANDO ECHEVARRÍA
Cabezón de la Sal/Espanha, 1929 – 2021, Porto/Portugal
Qualquer coisa de paz
Qualquer coisa de paz. Talvez somente
a maneira de a luz a concentrar
no volume, que a deixa, inteira, assente
na gravidade interior de estar.
Qualquer coisa de paz. Ou, simplesmente,
uma ausência de si, quase lunar,
que iluminasse o peso. E a corrente
de estar por dentro do peso a gravitar.
Ou planalto de vento. Milenária
semeadura de meditação
expondo à intempérie a sua área
de esquecimento. Aonde a solidão,
a pesar sobre si, quase que arruína
a luz da fronte onde a atenção domina.
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Trova de Lisboa/Portugal
EDUARDO BORGES DA CRUZ
1896 – ????
Coração, não tenhas pressa...
Bate mais devagarinho...
Quem muito corre, tropeça
ou pode errar o caminho.
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Poema de Portugal
MANUEL ANTÓNIO PINA
Sabugal, 1943 – 2012, Porto
Completas
A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.
E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.
Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.
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Trova de Lisboa/Portugal
GABRIEL DE SOUSA
O porvir já vem traçado
nas linhas da nossa mão,
mas poderá ser moldado
se tivermos ambição.
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Soneto de Portugal
CESÁRIO VERDE
JOSÉ JOAQUIM CESÁRIO VERDE
Lisboa, 1855 – 1886, Lumiar
Árvores do Alentejo
Horas mortas … Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido … e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção de uma fonte!
E quando, manhã alta, o sol desponte
A ouro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores, corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
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Trova de Sandim/Vila Nova de Gaia/Portugal
DIMAS LOPES DE ALMEIDA
1915 – 1994
Um moinho de ilusão
no meu peito se contém,
pois não vivo só de pão,
vivo de sonhos também.
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Poema de Lisboa/Portugal
CRISTÓVAM PAVIA
FRANCISCO ANTÓNIO LAHMEYER FLORES BUGALHO
1933 – 1988
Ao meu cão
Deixei-te só , à hora de morrer.
Não percebi o desabrigado apelo dos teus olhos
Humaníssimos, suaves, sábios, cheios de aceitação
De tudo… e apesar disso, sem o pedir,
Tentando insinuar que eu ficasse perto,
Que, se me fosse, a mesma era a tua gratidão.
Não percebi a evidência de que ias morrer
E gostavas da minha companhia por uma noite,
Que te seria tão doce a minha simples presença
Só umas horas, poucas.
Não percebi, por minha grosseira incompreensão,
Não percebi, por tua mansidão e humildade,
Que já tinhas perdoado tudo à vida
E começavas a debater-te na maior angústia,
A debater-te
Com a morte.
E deixei-te só, à beira da agonia,
Tão aflito,
Tão só
E sossegado.
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Trova de Avis/Portugal
FERNANDO MÁXIMO
Pecador arrependido,
que o seja, mas de verdade,
terá sempre garantido
do bom Deus a piedade!
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Soneto de Portugal
FLORBELA ESPANCA
FLOR BELA DE ALMA DA CONCEIÇÃO ESPANCA
Vila Viçosa, 1894 — 1930, Matosinhos
Velhinha
Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente para mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
“Já ela é velha! Como o tempo passa!…”
Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio d’ouro que esvoaça!
Deixem correr a vida até ao fim!
Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente…
Já murmuro orações… falo sozinha…
E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente.
Como se fosse um bando de netinhos.
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Trova Premiada em Blumenau/SC, 2016
GERALDO TROMBIN
Americana/SP
Quando a vida joga os dados,
mexe com os corações,
que precisam de cuidados
contra as fortes emoções.
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Poema de Lisboa/Portugal
SAMUEL COSTA VELHO
Tanto tempo sem nós
Deu tempo para lembrar tudo
enquanto o meu corpo embatia no chão.
Desde o primeiro olhar fresco que trocámos
até à ausência mútua,
revivi e desvivi, nesse instante.
Com os ossos a desistirem de resistir ao encontro
com o chão suave que me abraçava
e a dor/prazer/tu a começar a sentir-se.
Morri aos pedaços quando a queda acabou, quando
todo eu me apaguei contra o teu peito.
Deu tempo para um pensamento.
O amor ou a tua mão, pergunto-me com qual
me abandonaste primeiro.
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Trova de Queluz/Portugal
AMÉRICO FERRER LOPES
As sementes da mentira,
e da calúnia também,
giram num mundo que gira
na lama que o mundo tem.
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Pantun de Caicó/RN
PROFESSOR GARCIA
Pantun da pedra escondida
TROVA TEMA:
Nas ruas da minha vida
quantas pedras eu saltei,
mas a pequena escondida,..
Foi nela que eu tropecei!
Vera Maria Bastos Braz
Juiz de Fora/MG
PANTUN:
Quantas pedras eu saltei,
na menor de todas elas,
foi nela que eu tropecei
em meio a pedras tão belas.
Na menor de todas elas,
eu vi um brilho tão forte,
em meio a pedras tão belas
há nela, o brilho da sorte.
Eu vi um brilho tão forte,
e essa luz, eu não renego,
há nela, o brilho da sorte
da velha cruz que carrego.
E essa luz, eu não renego,
eis a forma desmedida,
da velha cruz que carrego
nas ruas de minha vida!
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Trova de Portugal
DIMAS LOPES DE ALMEIDA
Sandim/Vila Nova de Gaia, 1915 - 1994
O lenço branco que acena
um adeus de despedida
é leve como uma pena
e pesa tanto na vida!
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Hino de Sabará/MG
Entre as lindas montanhas mineiras,
neste vale que Deus escolheu
brava gente formando bandeiras
as primeiras choupanas ergueu!
Em demanda de um vasto tesouro,
o baiano e o paulista valente
iniciaram com as minas de ouro
o progresso da pátria nascente!
Sabará, Sabará, Sabará!
vila real das áureas tradições!
Tua imagem gloriosa aqui está
viva e presente em nossos corações!
Fluorescente, risonha e formosa,
enfeitando estas plagas louçãs,
bem merece o prestigio que goza
entre as belas cidades irmãs!
Lindos templos cristãos, onde entoa
o bom gosto com a arte mais rara,
em que Antônio Francisco Lisboa
seu talento invulgar confirmara.
Sabará, Sabará, Sabará!
vila real das áureas tradições!
Tua imagem gloriosa aqui está
viva e presente em nossos corações!
Aos chamados da pátria querida
respondeste garbosa e de pé
'fidelíssima" atenta e aguerrida
em defesa da honra e da fé!
Grandes feitos se alinham na história
pela fibra de um povo altaneiro,
sempre em marcha e vibrante de gloria
na vanguarda do solo mineiro!
Sabará, Sabará, Sabará!
vila real das áureas tradições!
Tua imagem gloriosa aqui está
viva e presente em nossos corações!
Corre o aço de forno candente,
movimenta-se a indústria fabril
em favor do progresso crescente
e a grandeza de nosso Brasil!
Salve, salve cidade adorada!
Grandes filhos que deste ao país!
Do porvir, na perene jornada,
Deus te faça maior e feliz.
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Trova de Faro/Portugal
ÁLVARO MANUEL VIEGAS CAVACO
Quem na vida o bem pratica
dos outros faz a dif’rença…
Sua alma mais nobre fica
e Deus dá-lhe a recompensa!
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Poema de Lisboa/Portugal
FERNANDO PESSOA
1888 – 1935
Quem vende a verdade?
Quem vende a verdade, e a que esquina?
Quem dá a hortelã com que temperá-la?
Quem traz para casa a menina
E arruma as jarras da sala?
Quem interroga os baluartes
E conhece o nome dos navios?
Dividi o meu estudo inteiro em partes
E os títulos dos capítulos são vazios…
Meu pobre conhecimento ligeiro,
Andas buscando o estandarte eloquente
Da filarmónica de um Barreiro
Para que não há barco nem gente.
Tapeçarias de parte nenhuma
Quadros virados contra a parede…
Ninguém conhece, ninguém arruma
Ninguém dá nem pede.
Ó coração epitélico e macio,
Colcha de crochê do anseio morto,
Grande prolixidade do navio
Que existe só para nunca chegar ao porto.
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Trova de Soalheira/Portugal
ANA ROLÃO PRETO
Olhando as folhas caídas
que o vento arrasta no chão,
fico a pensar nessas vidas
a quem ninguém deu a mão.
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Fábula em Versos da França
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris
O mono e o leopardo
O leopardo e o mono
Mostravam-se nas feiras
Enchendo as algibeiras.
Bradava o leopardo com entono:
«É conhecida a história
Da minha imensa glória.
O próprio rei quis ver
O meu pelo esquisito, e, ao contemplá-lo,
Ordenou que, no dia em que eu morrer,
Lhe façam um regalo
Da minha pele ondeada,
Zebrada, chamuscada,
Mosqueada, marchetada!»
A cor sempre agradou. Cada qual ia,
Olhava, e nada mais, depois saía.
E o macaco a gritar: «Vinde, senhores,
A ver o rei dos escamoteadores.
Deixai gabar-se o leopardo, que ele
Só tem a variedade à flor da pele:
É vazio no espírito! — Simão,
Vosso servo, que é primo coirmão
E genro de Gaspar,
Que foi mono do papa noutras eras,
Acaba de chegar em três galeras
Só para vos falar.
Sabe falar, cantar, dança e rebola,
Salta, pula, marinha e cabriola,
Faz caretas e partes,
Fura paredes e arcos,
Tudo isto por uns parcos
Quatro vinténs: vinde animar as artes.
E, o que ainda mais importa,
Se a alguém lhe não agrada,
Ensina-se-lhe a porta
E não se leva nada.»
Dou razão ao macaco. Na verdade
A mim não me cativa a variedade
No exterior; chega a cansar a vista.
O espírito, não há quem lhe resista,
Renova-se e seduz.
São certos figurões como o leopardo,
Das galas do trajar fazem alardo,
Tendo os cérebros nus.
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Trovadora Homenageada
Rainha da Trova
LILINHA FERNANDES
MARIA DAS DORES FERNANDES RIBEIRO DA SILVA
Rio de Janeiro/RJ, 1891 – 1981
1
A definição exata
do remorso, está patente:
fino punhal que não mata
mas tira a vida da gente.
2
A Inveja dorme na rede
da Injustiça, sua amiga;
do Mal se alimenta, e a sede
mata na fonte da Intriga.
3
Chorei na infância insofrida
para na roda ir cantar.
Hoje, na roda da vida,
eu canto pra não chorar.
4
Da morta felicidade
guarda a saudade dorida,
pois quem tem uma saudade
tem muita coisa na vida.
5
És de beleza um portento,
no perfil, nas formas puras.
Mas beleza sem talento
é um palácio às escuras.
6
Feliz nunca fui! Sem crença,
procuro a felicidade,
como o cego de nascença
que quer ver a claridade.
7
Há muita gente cativa
neste mundo, como eu,
que vive porque está viva,
no entanto, nunca viveu.
8
Mãe: nem um tálamo nobre
esquecerei, sem mentir,
aquele bercinho pobre
que embalavas pra eu dormir.
9
Não me odeias nem me queres...
Meu Deus! Que tortura imensa!
Mais do que o ódio, as mulheres
detestam a indiferença.
10
O vento que atro zunia,
queria a noite açoitar;
e a noite, calma, dormia
no regaço do luar.
11
Saudade é assim como fado
lembrando quem vive ausente:
é um suspiro do passado
na garganta do presente.
12
Velho em trajes de rapaz
dá a impressão, diz o povo,
de um livro antigo demais
encadernado de novo.
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