O EPAMINONDAZINHO, um moleque de quinze anos, chegou notoriamente cediço na aula de matemática. Assim que o viu entrar, a professora abriu a correr se plantando no encalço dele. Ao pará-lo, antes que se sentasse, o interpelou:
— O que foi que houve Epaminondazinho que você chegou atrasado?
— A senhora nem vai acreditar, tia Camomila: fui atacado por um cachorro bravo justamente quando estava para pegar o caminho aqui da escola!
A professora Camomila fazendo uma cara de assustada:
— Nossa, disse ela confusa! E está tudo bem? — Ele mordeu você? — Acaso se machucou?
Epaminondazinho sem perder a esportiva e rindo de um canto a outro da boca, explicou:
— Olha, tia Camomila. Está tudo nos conformes: Morder ele não me mordeu, só fez latir. — Tampouco me machuquei... aconteceu, inclusive, um fato interessante. Seu Tião...
A mestra o interrompeu:
— Quem é seu Tião?
— O dono do cachorro. Ele chegou em tempo de ralhar com o animal e o prender numa coleira. — Aliás, um gesto desnecessário...
— Graças a Deus, Epaminondazinho. Porém, isso não explica quase quarenta minutos de atraso. Conta a verdade...
— Seu Tião me pediu que fosse até a casa dele. É perto lá da minha rua. E eu não perdi tempo. Aceitei o convite, até porque a Lilica...
A professora Camomila estava a ponto de perder a esportiva. Berrou:
— Quem é Lilica, Epaminondazinho? — Você está me enrolando... conta a verdade ou vou levar você agora e o entregarei de bandeja à tia Valquíria, da coordenadoria. E você sabe que ela é dura na queda: — Pedirei para chamarem seus pais.
Epaminondazinho, não se fez de rogado. Respondeu sem pressa. A sala, em peso, observava atenciosamente e em silêncio, cada palavra dita pelo coleguinha:
— Tia, não há necessidade. Estou falando a verdade, Lilica é a filha dele. Um ano mais nova que eu, e não é de hoje que estou de olho nela...
O moleque fez uma pausa e prosseguiu:
— Conversa vai, conversa vem, acertei dois passarinhos com uma estilingada só. Revi a Lilica, e descobri que o Stubby...
— Meu Pai Santíssimo, Epaminondazinho. — Quem é esse... como é mesmo o nome?
— Stubby, tia. Se escreve assim. Esse, tê, u, dois bês e ípsilon... aliás, é o nome do cachorro. Ele jamais me morderia. Só fez latir e fazer festinha. Confesso, me assustei com outra coisa. Quando em casa de seu Tião, ele me mostrou as medalhas que o danado ganhou... nossa! Mais de vinte, só a senhora vendo...
— Medalhas?
— Sim, tia Camomila. Eu disse para a senhora que ele veio para cima de mim muito bravo... e como eu não o conhecia...
A professora não se intimidou. Todavia, dava para se perceber, estava furiosa. Redarguiu:
— Cão bravo ataca, Epaminondazinho. Você deu foi sorte. Ponha as mãos para o céu.
— Tia, a senhora não entendeu. Não sabe diferenciar bravo de brabo?
— Seja mais claro, mocinho... não estou aqui para perder tempo.
— Stubby correu para meu lado latindo e querendo carinho, exatamente por ser bravo... ouvira falar dele, mas nunca o havia visto...
Tia Camomila ainda tentou manter o controle:
— Desenhe. Enquanto desenha, pegue seu material escolar. Vamos para a sala da tia Valquíria.
Epaminondazinho estava começando a se irritar. Não era para menos:
— Calma, tia Camomila. Deixa eu explicar. A senhora vai dizer que não gosto de sua aula. Daí minha demora. Negativo. A senhorita é para mim como uma prova de matemática. Difícil, mas elegantemente compensadora.
A tia Camomila diante desta revelação, sorriu, brejeira. Epaminondazinho voltou ao cachorro:
— Stubby é bravo, de braveza e de bravura. Simplificando, um cachorro valente.
Epaminondazinho fez uma breve pausa e seguiu em frente:
— Não tem medo de nada. Por sua característica destemida, ele ganhou medalhas em diversas competições caninas. É um atleta olímpico nato. Diferente de brabo, que seria o contrário, ou um cachorro perverso, feroz. Entre um cachorro brabo, e um cãozinho bravo, o que faz toda a diferença é a letra “B” substituída pela letra “V”.
A tia Camomila finalmente sem munição para seguir discutindo, mandou o garoto se acomodar e continuou a aula. Se via, em seu semblante uma abespinhes desconcertante. Numa olhada geral da sala, meia dúzia de rostos pingados captou a conversa e intimamente aplaudiu a discussão. A outra banda caiu na gargalhada, — ou seja — ninguém entendeu bulhufas. Resumindo, em números de cabeças presentes: cinco ou seis alunos assimilaram o que Epaminondazinho discutia com a professora de matemática. O resto da galera, a bem da verdade não passava de um bando de mentes vazias.
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(*) STUBBY: — O lendário bull terrier Stubby, citado como sendo o cão de estimação do senhor Tião, no presente conto, foi o cão mais condecorado da história militar dos Estados Unidos. Ele foi adotado pelo soldado J. Robert Conroy ainda filhote, em 1917. Conroy conseguiu embarcá-lo escondido em um navio para a França durante a Primeira Guerra Mundial. Lá, ele participou de 17 combates. Stubby realizou inúmeras façanhas durante a guerra. Entre elas salvou soldados de gases tóxicos no front de batalha, localizou feridos em combates e até mesmo capturou sozinho um espião alemão. Graças às suas façanhas, ele foi o primeiro cão a ser condecorado sargento do exército americano. O obituário da morte de Stubby foi publicado em três colunas no jornal “The New York Times” em 4 de abril de 1926.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Aos doze anos, deu vida ao livro “O menino de Andirá,” onde contava a sua vida desde os primórdios de seu nascimento, o qual nunca chegou a ser publicado. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras. Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas. Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes: Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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