sábado, 25 de janeiro de 2025

Artur de Azevedo (Um cacete*)

* Cacete = chato, maçante, importuno.
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Uma noite em que o Siqueira saía do Lírico, viu de longe o Rubião, no Largo da Carioca, e quis fugir, mas não teve tempo: O Rubião avistou-o e correu para ele.

- Ó Siqueira! Vem cá! Não fujas! Que diabo! Não te vejo há um século!

- Adeus, Rubíão; como vai isso?

- Parece que fugias de mim!

- Eu?! Que lembrança!

- Não, que, para te falar com franqueza, ando muito ressabiado: o outro dia... quando foi?... terça-feira... ora, espera! foi quarta-feira... não!... enfim, terça, ou quarta-feira, o Honorato viu-me e fugiu!

- Fugiu?!

- Como o diabo da cruz! E tomou um bonde que passava! Bem sei porque isso e... estou pobre... não tenho mais vintém.

O Siqueira teve ímpetos de lhe dizer: "Não, não é porque estejas pobre; é porque és muito cacete", mas conteve-se.

- Mas tu, Siqueira, tu, não creio que fujas de mim pelo mesmo motivo. .

- Mas eu não fugi!

- Antes assim. De onde vens?

- Do Lírico.

- És um homem feliz.

- Porquê?

- Porque podes ir ao Lírico. Tu sabes como eu sou doido por música; pois bem: desde 1871... não! Ora, espera!.. desde 1872... ou 1873... enfim, há trinta e tantos anos, nunca mais ouvi uma ópera!

- Que estás dizendo?

- A verdade. Não sei o que é Tamagno, nem Gayarre, nem Caruso, nem nada! A última ópera que ouvi, ainda no Provisório, no Campo de Sant'Ana, foi a Força do Destino.

O Siqueira estendeu a mão para despedir-se, mas o Rubião agarrou-o por um botão do sobretudo, e continuou:

- Ah! naquele tempo eu não só ia ao teatro, como era amigo dos artistas... Fiz muita amizade com um deles, justamente naquele tempo... 1871 ou 1872... era um baixo, mas que baixo! Não creio que voltasse nunca ao Rio de Janeiro um baixo com uma voz daquelas! Era de primo cartelo!

- Como se chamava?

- Chamava-se... ora espera... Chamava-se...

E o Rubião meditou durante dois minutos, a procurar o nome do cantor sempre agarrado ao botão do Siqueira.

- Bem! depois me dirás... Adeus, Rubião!

- Espera, homem de Deus! Tenho o nome debaixo da língua! Ora, senhor! Um artista com quem eu ceava todas as noites! Por falar em cear: não te apetece agora um chocolate?

- O que me apetece é dormir.

- Ainda é cedo. Vamos ali ao Paris.

O Siqueira não teve remédio senão ir tomar chocolate com o Rubião.

- Ora, que coisa esquisita! - dizia o maçador enquanto bebia. - Não me posso lembrar do nome do baixo!

- Deixa lá o baixo e anda com isso, que são horas.

- Onde estás morando?

- Na Rua da Imperatriz.

- Ainda no mesmo sobradinho?

- Ainda.

Quando acabaram de tomar o chocolate, que o Siqueira pagou, vieram ambos de novo para o Largo da Carioca.

- Bom! Agora adeus, Rubião!

- Que diabo! Eu não queria separar-me de ti antes de me lembrar do nome do baixo. Não imaginas a aflição que isto me causa!

E quis de novo agarrar o outro pelo botão, mas desta vez o Siqueira protestou:

- Deixa o botão!

- Sabes que mais? A noite está fresca... vou levar-te até a porta de casa... Talvez que em caminho eu me lembre do nome do baixo.

Siqueira quis evitar que ele realizasse a ameaça, mas não houve meio, e o pobre rapaz foi cruelmente caceteado até à Rua da Imperatriz.

À porta de casa, já o trinco estava na fechadura, e o Rubião procurava lembrar-se do nome do cantor.

- Eu desespero! Enfim, amanhã mando-te o nome dele num cartão postal... Adeus, Siqueira!

- Adeus, Rubião!.

- Olha!

- Não! Adeus!.

E a porta bateu com força.

O Siqueira suspirou, subiu a escada e foi para o seu quarto, despindo-se, deitou-se, e adormeceu logo, pois estava realmente com sono; mas não se tinha passado talvez meia hora, que despertou sobressaltado com o barulho que faziam, batendo à porta da rua.

- Ó Siqueira! Ó Siqueira! Chega à janela!... – gritava uma voz.

O Siqueira deu um pulo da cama, embrulhou-se num cobertor, abriu a janela e viu no meio da rua o Rubião, que disse:

- Olha, o nome do baixo era Ordinás! Boa noite.
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Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo, jornalista, poeta, contista e teatrólogo, nasceu em São Luís/MA, em 1855, e faleceu no Rio de Janeiro/RJ, em 1908. Aos oito anos Artur já demonstrava pendor para o teatro, brincando com adaptações de textos de autores. Muito cedo começou a trabalhar no comércio. Depois foi empregado na administração provincial, de onde foi demitido por ter publicado sátiras contra autoridades do governo. Ao mesmo tempo lançava as primeiras comédias nos teatros de São Luís. Aos quinze anos escreveu a peça Amor por anexins, que teve grande êxito, com mais de mil representações no século passado. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, no ano de 1873, e logo obteve emprego no Ministério da Agricultura. Dedicou-se também ao magistério, ensinando Português. Mas foi no jornalismo que ele pôde desenvolver atividades que o projetaram como um dos maiores contistas e teatrólogos brasileiros. Fundou publicações literárias, como A Gazetinha, Vida Moderna e O Álbum. Colaborou em A Estação, ao lado de Machado de Assis, e no jornal Novidades, onde seus companheiros eram Alcindo Guanabara, Moreira Sampaio, Olavo Bilac e Coelho Neto. Foi um dos grandes defensores da abolição da escravatura, em seus ardorosos artigos de jornal, em cenas de revistas dramáticas e em peças dramáticas, como O Liberato e A família Salazar, proibida pela censura imperial e publicada mais tarde em volume, com o título de O escravocrata. Escreveu mais de quatro mil artigos sobre eventos artísticos, principalmente sobre teatro, nas seções que manteve, sucessivamente, em diversos jornais.. Multiplicava-se em pseudônimos: Elói o herói, Gavroche, Petrônio, Cosimo, Juvenal, Dorante, Frivolino, Batista o trocista, e outros. Embora escrevendo contos desde 1871, só em 1889 animou-se a reunir alguns deles no volume Contos possíveis, dedicado pelo autor a Machado de Assis, que então era seu companheiro na secretaria da Viação e um de seus mais severos críticos. Em 1894, publicou o segundo livro de histórias curtas, Contos fora de moda, e mais dois volumes, Contos cariocas e Vida alheia, constituídos de histórias deixadas por Artur de Azevedo nos vários jornais em que colaborara. Suas comédias fixaram aspectos da vida e da sociedade carioca. Teve em vida cerca de uma centena de peças de vários gêneros e extensão encenadas em palcos nacionais e portugueses. Outra atividade a que se dedicou foi a poesia. Foi um dos representantes do Parnasianismo, pelo temperamento alegre e expansivo, não tinha nada que o filiasse àquela escola. É um poeta lírico, sentimental, e seus sonetos estão perfeitamente dentro da tradição amorosa dos sonetos brasileiros.

Fontes:
Artur de Azevedo. Contos publicados em 1897. Disponível em Domínio Público
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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