segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

José Feldman (Estrepolias de um insone)

Era uma vez, em uma cidade não muito longe daqui, um sujeito chamado Tico. Ele era conhecido por uma peculiaridade: ele não conseguia dormir. Enquanto a maioria das pessoas se entregava aos braços de Morfeu, ele passava as noites em claro, contando carneirinhos, assistindo a infindáveis maratonas de programas de culinária e fazendo listas de coisas que nunca faria. Com o tempo, a insônia foi se agravando, e ele decidiu que, se não podia dormir, pelo menos poderia se divertir à custa dos que estavam.

Em uma noite particularmente longa, enquanto o relógio marcava 3 da manhã, Tico teve uma ideia brilhante. Ele se vestiu como um ninja (ou, pelo menos, como um ninja que não tinha um bom senso de moda) e decidiu que iria “visitar” seus vizinhos que, ao contrário dele, estavam desfrutando do sono dos justos.

Primeiro, ele foi até a casa da Dona Efigênia, uma senhora que sempre reclamava do barulho na rua. Com um sorriso travesso, ele começou a bater na porta, fazendo imitações de vários animais. Primeiro, ele grunhiu como um porco, depois miou como um gato e, por último, uivou como um lobo. A Dona Efigênia, que estava tendo um sonho maravilhoso com um bolo de chocolate, acordou assustada, pensando que um zoológico tinha se instalado em sua sala. Quando abriu a porta, encontrou Tico agachado, fazendo a pose de um gato.

— O que você está fazendo, Tico? — perguntou ela, com os olhos arregalados.

— Apenas testando se a senhora está sonhando! — respondeu ele, tentando conter o riso.

A Dona Efigênia, com um olhar de quem não tinha a menor paciência para brincadeiras, fechou a porta na cara dele. Mas Tico não estava disposto a desistir. Ele seguiu para a casa do Seu Joaquim, um aposentado que sempre sonhava em voltar a pescar.

Ao chegar lá, decidiu que a melhor estratégia seria imitar o barulho de um peixe fora d'água. Ele se jogou no chão e começou a se contorcer, fazendo ruídos estrondosos. O Seu Joaquim acordou, pulou da cama e correu para a sala, armado com um taco de beisebol que mantinha para "emergências".

— O que está acontecendo aqui? — gritou ele, olhando para Tico se debatendo no chão.

— Estou apenas fazendo uma pesca noturna, Seu Joaquim! — respondeu Tico, gargalhando.

Naturalmente, o Seu Joaquim não achou graça nenhuma. Ele deu uma rápida olhada para Tico e saiu para a rua, murmurando algo sobre “juventude perdida” e “jovens insensatos”.

Com uma sensação crescente de missão cumprida, Tico decidiu que ainda não era hora de parar. Ele se dirigiu para a casa do Luís, o estudante que sempre tirava notas altas, mas que tinha uma aversão a qualquer tipo de perturbação. Tocou a campainha e, assim que Luís abriu a porta, ele começou a fazer uma apresentação de stand-up, mas com piadas completamente sem graça.

— Você sabe por que a galinha atravessou a estrada? Para ir do outro lado! — disse Tico, enquanto Luís, sem paciência, tentava entender o que acontecia àquelas horas da noite.

Luís, que estava prestes a fazer uma prova importante, não achou muita graça e, em um impulso, empurrou Tico para fora de casa, fechando a porta com força. Tico, no entanto, não se deixou abalar. Em vez disso, decidiu que era hora de uma nova abordagem.

Ele foi até o parque, onde alguns jovens costumavam se reunir à noite para tocar violão.  Juntou-se a eles e começou a cantar, mas em vez de músicas conhecidas, ele fez versões paródicas de clássicos, como “Garota de Ipanema” transformada em “Garoto de Insônia”. A letra, que falava sobre coisas totalmente sem sentido, fez com que todos se unissem a ele, rindo e se divertindo.

No entanto, a festa logo atraiu a atenção dos vizinhos, que saíram de suas casas, sonolentos e irritados. A cena era hilária: pessoas de pijama, com cabelos desgrenhados, tentando descobrir o que estava acontecendo. Tico, percebendo que havia criado um verdadeiro show improvisado, decidiu que era hora de encerrar a apresentação.

— Obrigado, pessoal! Espero que tenham gostado! E lembrem-se: a insônia pode ser divertida! — gritou, antes de sair correndo, rindo da confusão que deixara para trás.

Na manhã seguinte, enquanto os moradores da rua tentavam recuperar o sono perdido, Tico percebeu que talvez estivesse indo longe demais. Ele sentiu uma pontinha de culpa ao ver a Dona Efigênia, o Seu Joaquim e o Luís todos com olheiras profundas. Mas logo essa culpa se transformou em uma nova ideia.

— Que tal uma festa do pijama? — pensou, já imaginando a diversão.

E assim, ele começou a planejar um evento que traria todos os vizinhos para uma noite de risadas e histórias, prometendo que, ao menos uma vez, eles poderiam se divertir juntos, mesmo que isso significasse perder algumas horas de sono.

Enquanto isso, ele continuava a infernizar a vida dos que dormiam, mas agora com uma pitada de humor e um convite para a festa do pijama. Afinal, quem disse que a insônia não poderia ser uma bênção disfarçada? Só não se sabe para quem.
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Fontes:
 José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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