Meu pai era maçom. Nunca soube muito bem o que significava isso. Mas sabia que era como ser de capricórnio – algo que eu nunca seria.
Havia a lenda de que os maçons se reconheciam à distância, como os cachorros. Mas era só um toque de mão, um jeito de cumprimentar, de coçar a orelha, ou três pontinhos ao final da assinatura. Coisas assim, bem mais banais. Como as formigas, batendo as antenas. Abelhas dançando no ar.
Tinham segredos.
Montavam bodes.
Faziam pactos de sangue.
Adoravam o diabo.
Não conseguia ver meu pai fazendo nada disso, principalmente montar um bode. Então nunca levei essas crendices muito a sério.
Mas gostavam, sim, de símbolos.
E de roupas estranhas.
Aventais.
Babadores.
Anéis.
Não conseguia imaginar meu pai de avental, como minha mãe, e de babador, como meu irmão caçula.
Mas isso não queria dizer nada, porque eu tampouco conseguia imaginá-lo fazendo sexo com minha mãe – eu tinha doze anos, já tinham me contado tudo na rua, e, como éramos cinco filhos, eu sabia não apenas que já tinham feito, como que não fora uma vez só.
Mas entre acreditar e conseguir imaginar vai uma boa distância.
Eu via os maçons como uma espécie de templários genéricos, fora de época, sem armadura, sem cavalos, sem jerusaléns a conquistar.
Seu templo era, naquela época, uma série de valetas escavadas no terreno baldio em frente à nossa casa, onde seriam as fundações da sua Loja.
Brincávamos por ali, tentando adivinhar onde era a sala da caveira, o calabouço, a sala do bode.
Só quando começaram a subir a construção é que perceberam que havia um erro no projeto. O engenheiro rabiscara a planta apenas com linhas, sem considerar a espessura das paredes.
Com 50 cm perdidos nas alvenarias externas, mais 15 descontados aqui, 15 esquecidos ali e outros 15 acolá, as salas menores se tornaram corredores.
Alheios às sérias discussões dos adultos sobre como resolver o problema e salvar a Loja, brincávamos do mesmo jeito no corredor da caveira, no corredor do calabouço, no corredor do bode.
Nisso que dava acreditar num Supremo Arquiteto do Universo e contratar um engenheiro na hora de fazer o projeto.
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Eduardo Affonso é arquiteto mineiro de Belo Horizonte, 1950. Colunista do jornal O Globo. Coordena a Oficina Literária Eduardo Affonso, voltada para cronistas. Participa do coletivo literário Flique. Nenhum livro publicado.
Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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