sábado, 25 de janeiro de 2025

Humberto de Campos (O Rio Purús)

(De uma frase de Dumas Filho)

À pequenina mesa de chá que Mme. Peixoto Leroux me reservara naquela primeira reunião dos seus íntimos, sentavam-se, à sombra das mangueiras seculares da sua linda chácara da Tijuca, o desembargador Abelardo, a jovem Mme. Costa Retore e, mais alegre que todos nós reunidos, a encantadora baronesa de São Bonifácio, recentemente chegada de Londres. Risonha, graciosa, inteligente, a loura titular tomou conta, logo, de todos nós, guiando a palestra com a habilidade com que dirige, às vezes, à tarde, pelas estradas da Gávea, o seu grande automóvel de seis lugares. Ligando os assuntos como quem liga, uma a uma, e continuamente, as pérolas do mesmo colar, a baronesa indagou, de repente:

- É verdade, que noticias me dão vocês da Lilita Wilson?

O desembargador, que é entendidíssimo em novidades de salão, alcova e cozinha, acudiu, pronto:

- Casou-se, outra vez. Logo que lhe morreu o primeiro marido, casou-se com o Alberto Manzoni, de São Paulo. Com a morte deste, na guerra, contraiu terceiras núpcias aqui mesmo.

- Com o Alexandre?

- Não; com o Viana Moreira, do Rio Grande do Sul.

A baronesa, sem mostrar espanto, sorriu, e, após um gole de chá e de uma torradinha minúscula, que lhe encheu toda a boca, lamentou, penalizada:

- Coitadinha! Até parece, já, o rio Purús, descrito por Euclides da Cunha!

- O rio Purús? - estranhei, pousando a chávena.

E a minha amiga, perversa.

- Então? Ela tem mudado tanto de leito!...

Uma folha amarela que se despregara da mangueira pôs termo à conversa, caindo, certeira, aos rodopios, como uma flecha vegetal, na xícara vazia da baronesa...
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Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.

Fontes:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.  
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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