quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

José Feldman (A História de uma Cadela)

Olá, humanos! Meu nome é Laila, e sou uma cadela que tem muito a contar. Minha vida começou em uma manhã ensolarada, mas, como vocês sabem, nem sempre o sol brilha para todos. Eu nasci em uma caixa de papelão, em um canto esquecido de uma rua movimentada. Minha mãe, uma cadela corajosa, tentou me proteger, mas o mundo lá fora era difícil, e logo ela se foi nem sei porquê, deixando eu e meus irmãos sozinhos.

Os primeiros dias da minha vida foram cheios de barulhos estranhos e cheiros intensos. Havia pessoas passando, mas ninguém parecia notar a gente. Eu e meus irmãos nos aconchegávamos juntos, tentando manter o calor e a esperança. Mas, ao longo do tempo, um a um, eles foram desaparecendo. O medo e a solidão começaram a ser meus companheiros.

Eu ainda me lembro do dia em que a caixa foi descoberta. Um grupo de crianças a abriu, e eu, com meu pequeno corpo trêmulo, tentei abanar o rabo. 

“Olha! Um filhote!” gritou uma delas. 

Mas logo as risadas se transformaram em gritos de desespero. As crianças começaram a chorar quando perceberam que não podíamos ficar. E assim, eu fui deixada para trás, sozinha novamente.

A vida na rua era dura. Eu procurava comida entre os restos dos lanches e tentava me esconder do frio à noite. Aprendi a evitar os humanos que passavam apressados, e a me manter distante dos carros que zuniam. A cada dia, eu me tornava mais cautelosa, mas a esperança de um lar nunca me abandonou. Sonhava com um lugar quentinho, onde pudesse dormir em paz.

Certa vez, enquanto procurava comida, conheci outros cães. Eles eram mais velhos e tinham histórias próprias. Um deles, um vira-lata chamado Rufus, me ensinou a caçar migalhas e a encontrar abrigo. 

“Você precisa ter cuidado”, dizia ele, com seu olhar sábio. “A vida na rua pode ser cruel, mas somos sobreviventes.”

Foi em um dia qualquer, em que o sol brilhava intensamente, que tudo mudou. Eu estava encolhida em um canto, quando um homem apareceu. Ele não parecia apressado como os outros. Ele tinha uma expressão gentil e um olhar que transmitia calma. Quando se aproximou, meu coração disparou. 

“Oi, pequena”, disse ele, agachando-se. “Você está sozinha?”

Naquele momento, algo dentro de mim despertou. Eu sabia que ele era diferente. Ele me ofereceu um pedaço de pão e, com a barriga roncando, não consegui resistir. Depois de comer, eu me aproximei dele, hesitante, mas ele estendeu a mão e acariciou minha orelha. Era o toque mais suave que eu já havia sentido.

Ele decidiu me levar para casa. O caminho foi uma mistura de emoções: medo, alegria e incredulidade. Quando cheguei ao seu apartamento, percebi que era um lugar acolhedor, cheio de cheiros que pareciam prometer conforto. Ele me deu um nome: Laila, e desde então, minha vida começou a mudar.

Nos primeiros dias, eu era tímida e desconfiada. Mas ele, com muita paciência, foi me mostrando que eu estava a salvo. Ele me chamava de “irmã”, e isso fez meu coração se aquecer. “Você é parte da minha família agora”, dizia ele, enquanto me oferecia carinho e um cobertor quentinho para dormir.

Os dias se passaram, e eu fui descobrindo o que era ser amada. Ele me levava para passear no parque, onde eu corria livre, sentindo a grama fresca sob minhas patas. O cheiro das flores e o canto dos pássaros eram um verdadeiro banquete para os sentidos. Eu nunca havia experimentado tanta alegria.

Ele sempre falava comigo, contando suas histórias, e eu me sentia como se estivesse entendendo tudo. “Hoje, irmã, vamos fazer um piquenique!”, ele dizia, e eu pulava de felicidade. Eu adorava quando ele preparava sanduíches e levava biscoitos para mim.

Às vezes, enquanto observava os outros cães brincando, eu me lembrava da vida na rua. O medo, a solidão e o desamparo. Mas agora, eu tinha um lar, e isso me fazia sentir que tudo tinha valido a pena. Cada dificuldade que enfrentei me trouxe até ele, e eu não trocaria isso por nada.

“Você sabe, Laila”, ele dizia em um tom contemplativo, “a vida é cheia de altos e baixos, mas sempre devemos olhar para frente.” 

E eu, com a cabeça apoiada nas pernas dele, sentia que, ao seu lado, eu poderia enfrentar qualquer coisa.

Hoje, continuo a viver com meu humano, que se tornou meu melhor amigo e protetor. Ele cuida de mim com tanto amor, e eu retribuo com minha lealdade e carinho. Juntos, exploramos novos lugares, vivemos aventuras e criamos memórias que ficarão para sempre em nossos corações.

A cada dia, agradeço por ter encontrado um lar e uma família. A vida pode ser cheia de surpresas, e a minha, que começou com abandono, agora é uma história de amor e superação. 

Eu sou Laila, a cadela que encontrou seu lugar no mundo, e sempre vou lembrar que, por mais difícil que seja a jornada, o amor pode transformar tudo.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Formado em patologia clínica, não concluiu o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR em 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil-Suiça, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Confraria Brasileira de Letras, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia Virtual Brasileira de Trovadores, União Brasileira dos Trovadores, etc, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR, onde pertence a entidades da região. Publicou mais de 500 e-books. Dezenas de premiações em trovas e poesias.
Fontes:
 José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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