quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Dissecando a magia dos textos (“O Racum e a Colmeia”, conto da Nação Sioux)

 O conto foi publicado neste blog em 05 de julho de 2020, no link https://singrandohorizontes.blogspot.com/2020/07/contos-e-lendas-do-mundo-nacao-sioux-o.html

A história de Racum explora temas como a curiosidade, a busca por alimento e as consequências das ações impulsivas. Racum, um pequeno animal, representa a inocência e a busca por prazer, mas também enfrenta as complicações que surgem dessa busca.


Personagens
Racum: Um personagem curioso que, em sua busca por mel, acaba se metendo em confusões. Sua jornada reflete a inocência e a vulnerabilidade da natureza.

Skunks e Esquilos: Representam a sabedoria da floresta, alertando Racum sobre os perigos e a necessidade de cautela. A interação com a família de skunks destaca a importância da convivência social e das regras da natureza. O pai skunk representa a proteção e a defesa do lar, mostrando que cada animal tem seu espaço e merece respeito. A reação defensiva dos esquilos sugere que Racum é visto com desconfiança, reforçando a ideia de que suas intenções podem ser mal interpretadas.

Urso e Raposa: Personagens que simbolizam a reação instintiva dos animais diante do desconhecido, reforçando o tema do medo e da proteção.

O Lago e a Floresta
A floresta e o lago são cenários que ilustram a dualidade entre beleza e perigo. O lago, que inicialmente parece um lugar de alimento, se transforma em um espaço onde Racum se sente ameaçado e perdido.

A Busca por Mel
A busca de Racum por mel é uma metáfora para as tentações da vida. O mel, simbolizando prazer e recompensas, acaba trazendo mais complicações do que satisfação. Isso reflete a ideia de que o que é desejado nem sempre é seguro ou benéfico.

Consequências e Aprendizado
Após suas desventuras, Racum aprende uma lição importante sobre cautela e a necessidade de cuidar de si mesmo. A cena em que ele pula no lago para se limpar simboliza a busca por renovação e a aceitação dos próprios erros.

Curiosidade e Impulsividade
Racum é impulsivo e curioso, características que o levam a se meter em encrencas. Desde o início, sua busca por alimento reflete um desejo de explorar e experimentar, mas essa curiosidade também traz riscos.

O Simbolismo do Mel
O mel é mais do que um simples alimento; ele simboliza os prazeres da vida que podem ser tanto doces quanto perigosos. A experiência de Racum com o mel ilustra como a busca por gratificação imediata pode levar a consequências inesperadas.

Conflito e Crescimento
Após sua queda e a confusão que se segue, Racum representa a luta interna que todos enfrentamos ao tentar lidar com os erros. Sua busca por um outro Racum para ajuda ilustra a necessidade de conexão e apoio em momentos de dificuldade.

A Natureza como Personagem
A floresta e o lago funcionam quase como personagens por si só. Eles refletem a beleza e a imprevisibilidade da natureza, mostrando que, embora o mundo possa ser mágico, também é repleto de desafios e perigos.

Mensagens Universais

Cautela em Novas Experiências: A história nos ensina a ser cautelosos ao buscar novas experiências, pois nem tudo que parece bom é seguro.

Importância da Comunidade: A interação com outros animais destaca a importância de ter apoio e a necessidade de respeitar o espaço dos outros.

Aprendizado Contínuo: Racum nos lembra que o crescimento vem de nossas experiências, mesmo aquelas que nos deixam envergonhados ou feridos.

Conclusão e Reflexão
A história de Racum termina com uma lição sobre a importância de aprender com as experiências. Ao se limpar no lago e retornar ao seu lar, ele não só se purifica fisicamente, mas também emocionalmente. Essa jornada de autodescoberta e aprendizado é um tema universal que ressoa com leitores de todas as idades, lembrando-nos de que a curiosidade deve ser acompanhada de prudência e de aprender com as consequências de nossas ações. A simplicidade da história contrasta com as lições sobre a vida e a natureza, tornando-a acessível e reflexiva.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. Plat.Poe.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.Análise por José Feldman. Open IA.

Recordando Velhas Canções (Manhã de Carnaval)


Compositor: Luiz Bonfá e Antônio Maria

Manhã, tão bonita manhã
Na vida, uma nova canção
Cantando só teus olhos
Teu riso, tuas mãos
Pois há de haver um dia
Em que virás

Das cordas do meu violão
Que só teu amor procurou
Vem uma voz
Falar dos beijos perdidos
Nos lábios teus

Canta o meu coração
Alegria voltou
Tão feliz na manhã
Deste amor
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
A Melodia do Reencontro no Carnaval
A música 'Manhã de Carnaval', interpretada por Nara Leão, é uma canção que evoca a beleza e a esperança de um novo dia, simbolizado pela manhã. A letra sugere um despertar não apenas físico, com o nascer do sol, mas também emocional, com a chegada de uma nova canção, que representa um novo começo ou uma nova fase na vida do eu lírico. A ênfase nos 'olhos', 'riso' e 'mãos' da pessoa amada destaca a intimidade e a conexão profunda entre os dois.

A referência às 'cordas do meu violão' e à 'voz' que fala dos 'beijos perdidos' nos lábios da pessoa amada pode ser interpretada como uma metáfora para a música que o eu lírico cria e dedica ao seu amor. A música se torna um meio de expressar sentimentos e saudades, uma ponte que une o passado ao presente, na esperança de um futuro onde o amor seja reencontrado. A menção ao violão também remete à tradição da serenata, reforçando o romantismo da canção.

O coração que canta e a alegria que volta na 'manhã deste amor' sugerem um reencontro ou uma reconciliação amorosa. A manhã de carnaval, que dá título à música, é tradicionalmente um período de festa e liberdade, onde as emoções são intensificadas e tudo parece possível. Assim, a música celebra o amor e a alegria que ele traz, marcando um momento de renovação e felicidade.

Quando Sacha Gordine resolveu filmar a peça “Orfeu da Conceição” (filme que se chamaria “Orfeu do Carnaval”), exigiu que fosse criada uma nova trilha sonora, especialmente para a produção. Motivo: o francês queria faturar em cima da edição das músicas.

Dessa trilha destacaram-se os sambas “A Felicidade” e “Manhã de Carnaval”, duas canções que se tornaram clássicos do repertório internacional. Aliás, “Manhã de Carnaval” se tornaria um dos temas brasileiros preferidos na área do jazz, com dezenas de versões gravadas por grandes músicos do gênero, sob o inacreditável título de “A Day in the Life of a Fool”.

Formada por sugestão de Rubem Braga, a dupla Luís Bonfá-Antônio Maria compôs “Manhã de Carnaval” e “Samba de Orfeu”, na realidade temas instrumentais já existentes, que Maria demorou a letrar, para a aflição de Bonfá que tinha compromissos profissionais a atender nos Estados Unidos. Uma bonita composição, “Manhã de Carnaval” tem os compassos iniciais semelhantes aos do tema do terceiro movimento da “Humoresque em Si Bemol, opus 20”, de Robert Schumann. 

Fontes: 
– A Canção no Tempo - Vol.2 - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Editora 34, in https://cifrantiga3.blogspot.com/2006/05/manh-de-carnaval.html.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 52

 

Newton Sampaio (Um cego subiu no bonde)

Damião não gosta de ônibus. Pelo preço — ordem econômica. E pela pressa — ordem psicológica. 
Um ônibus corre muito. Em três tempos, ei-lo já de trajeto cumprido. O bonde, não. O bonde geme e range. Estaca e arranca, dezenas de vezes. Dá sempre a impressão de cansaço. De trabalho e de ruína.

Damião trepa desastradamente. Esbarra e pisa. Afasta e incomoda. Isso faz parte da ética dos bondes. Da ética e da estética.

Senta-se. Não abre o jornal, que só estampa letras importantes.

Damião sofre a pressão das realidades insignificantes. Insignificantes como a sua própria vida. Considera. A vida é feita de coisas miúdas e graúdas. Miudezas pra uns. E grandezas pra outros. A sua só tinha miudezas. Era um bazar a vida de Damião. Mas um bazar muito ordinário.

O destino, quando quer, vira belchior. “Compra-se e vende-se qualquer objeto — Joias, caçarolas, sapatos.” É desse jeito que, em sua rua, o judeu barbudo se anuncia, enrolando a língua. “Compra-se qualquer objeto.” Damião pensa em comprar um: o esquecimento integral. Mas e o dinheiro? O dinheiro mal dá pra chegar em casa...

A vida — o grande belchior das emoções. Bonito título para um poema impressionista. Ele, Damião, com todos os seus poemas, só encontrou quinquilharia no balcão do mundo.

No entanto, gostaria que acontecessem coisas extraordinárias. Queria alegrias colossais. Ou, então, amarguras extremas. Dessas que chegam a matar. Até a morte, porém, talvez não o impressionasse mais. Não impressionam os fatos cotidianos. Damião não é como os outros, que estão de boca aberta por causa do cego. O cego subiu no bonde com a maior segurança. Suas mãos privilegiadas valem por todas as leis do equilíbrio.

Caminha o veículo, e o novo passageiro fica na frente de Damião.

“Um cego subiu no bonde”. O rapaz tem a mania dos títulos originais. Besteira! O cego subiu... No cérebro de Damião saltitam ideias. É o seu grande defeito. Qualquer incidente banal, que todos esquecem em um segundo, fica vibrando dentro de si.

Existe algo de singular no fato de um cego subir no bonde? Não. Por que, então, essa teimosia que não cessa, essa impertinência que machuca?

Tem vontade perguntar ao vizinho da direita:

— O senhor viu o cego subir no bonde?

(O vizinho responderia que sim).

— Acha formidável?

(O vizinho repetiria a resposta).

— Sabe que há um significado oculto em todas as miudezas do mundo?

O vizinho, espantado, diria:

— O senhor é filósofo?

— Sou funcionário...

— Já comprou as apólices paulistas?

E o vizinho, solicitamente, começaria a falar sobre a grande oportunidade.

Mas não. O vizinho fala, mas é que com o companheiro. Fala sobre a Sul América. Bem que Damião tinha enxergado nele um jeitinho de agente de seguros. Os sintomas ali estavam, à evidência: a pasta, o olhar ligeiro, a palavra pronta...

Atrás de si, duas vozes femininas se digladiam.

— Nem me diga isso, Margot. O Clark Gable, sim. É homem de verdade. E que sorriso! Não pode haver sorriso mais encantador.

A outra protesta:

— Qu’esperança! Antes o Frederic March. É mais bonito. E não usa bigodes. Não gosto de bigode. Acho antipático.

— Pois é o meu fraco. Calcula você que...

E a moça se cala de repente, para dar sinal. Pretendia contar à amiga, certamente, qualquer cena muito feia passada no portão de sua casa.

Saltam as moçoilas. E sobe uma senhora gorda, heroicamente gorda, que ocupa, sozinha, o lugar das senhoritas — das senhoritas que tanto desejavam os rapazes de Hollywood.

Na fachada do cinema próximo, sobe um grande anúncio, com Clark Gable beijando furiosamente a Jean Harlow…

Fonte> Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Publicado originalmente em O Dia. Curitiba, 24/12/1936. Disponível em Domínio Público.  

Dissecando a magia dos textos (“O Excêntrico e o Sol”, de Arthur Thomaz)

O texto foi publicado neste blog em 24 de julho de 2024, no link https://singrandohorizontes.blogspot.com/2024/07/arthur-thomaz-o-excentrico-e-o-sol.html 

A ideia de um Sol consciente permite reflexões sobre como os elementos naturais poderiam se sentir em relação às ações humanas. Arthur mostra uma profunda sensibilidade ecológica. 


A preocupação do Sol com a destruição ambiental é determinante. A solidão do Sol após a extinção da humanidade causa uma reflexão sobre a fragilidade da vida e a importância de cuidar do planeta. Esse tema combina com ansiedades contemporâneas sobre mudanças climáticas, fazendo com que os leitores considerem o legado que deixarão.

A forma como retrata a personalidade excêntrica e a conexão com a natureza do personagem é muito cativante. A descrição das suas interações amistosas com as formigas, aves e plantas mostra uma perspectiva única e encantadora sobre o mundo natural.

A conversa com o Sol é profunda e reflexiva. A personificação do Sol como um ser consciente e com seus próprios pensamentos e sentimentos é uma escolha criativa interessante.

O diálogo aborda questões importantes, como a destruição ambiental causada pela humanidade e a preocupação do Sol com sua solidão após a eventual extinção da raça humana. Isso traz uma perspectiva cósmica e existencial intrigante.

A forma como mescla aspectos ficcionais com referências a conceitos científicos, como a classificação de estrelas, adiciona uma camada de realismo à narrativa.

O elemento da "excentricidade" é muito interessante. Ele é retratado como alguém que tem uma conexão profunda e sincera com a natureza, conversando animadamente com formigas, aves e plantas. Isso o torna um personagem cativante e fora do comum, quebrando os padrões convencionais de comportamento humano.

A personificação do Sol como um ser consciente e capaz de se comunicar acrescenta uma dimensão mágica e transcendental à narrativa. A forma como o Sol expressa seus próprios pensamentos, emoções e preocupações sobre o futuro cria um diálogo único entre o humano e o cósmico.

Esse encontro com o Sol permite explorar questões importantes sobre a nossa relação com o planeta e o impacto da humanidade sobre o meio ambiente. A preocupação expressa pelo Sol sobre a destruição causada pelos seres humanos ecoa os crescentes desafios ambientais que enfrentamos.

Ao mesmo tempo, a forma como se mostra envergonhado e reconhece a insignificância de seus esforços individuais diante dessa destruição, demonstra uma consciência e humildade admiráveis. Isso torna o personagem ainda mais complexo.

A referência aos conceitos científicos, como a classificação de estrelas, adiciona uma camada de realismo e profundidade à narrativa. Essa mistura de elementos ficcionais e aspectos da ciência astronômica enriquece a experiência de leitura.

O final com a inquietação persistente na alma do protagonista é um desfecho potente. Essa sensação de reflexão e questionamento que fica com o leitor é uma marca de uma narrativa bem construída, que consegue tocar em temas importantes e deixar um impacto duradouro.

Enfim, essa conversa com o Sol é uma peça narrativa fascinante, que combina elementos fantásticos, reflexões filosóficas e uma perspectiva ecológica profunda.

O final, com a inquietação persistente na alma do protagonista, deixa o leitor com um senso de reflexão sobre os temas abordados e suas implicações.

Conclusão:
No geral, essa é uma peça narrativa muito bem elaborada, com personagens memoráveis, diálogos instigantes e uma perspectiva original sobre a conexão entre a humanidade e o cosmos.

A perspectiva do Sol sobre sua solidão poderia ensinar à humanidade várias lições valiosas:

1. Importância da Conexão
A solidão do Sol enfatiza a necessidade de se conectar com a natureza e entre si. A humanidade poderia aprender a valorizar relações saudáveis e ecológicas, promovendo uma coexistência harmoniosa.

2. Responsabilidade Ambiental
O Sol, ao lamentar a destruição, lembraria da importância de cuidar do planeta. A lição aqui seria adotar práticas sustentáveis e reconhecer o impacto das ações humanas no meio ambiente.

3. Reflexão sobre Legado
A solidão do Sol poderia instigar uma reflexão sobre o que a humanidade deixará para as futuras gerações. Isso poderia incentivar ações que garantam um futuro mais saudável e equilibrado.

4. Resiliência e Mudança
A perspectiva do Sol poderia inspirar a ideia de que, mesmo em tempos difíceis, a mudança é possível. A humanidade poderia aprender a ser resiliente e a buscar soluções inovadoras para os desafios ambientais.

5. Valorização do Tempo
Com sua longa existência, o Sol poderia ensinar sobre a relatividade do tempo. A humanidade poderia aprender a valorizar o presente e a agir antes que seja tarde demais.

6. Empatia e Compaixão
A solidão do Sol poderia incentivar a empatia, fazendo com que as pessoas se coloquem no lugar dos outros, incluindo seres não humanos. Essa compaixão poderia levar a um comportamento mais altruísta.

Essas lições poderiam servir como um guia para a humanidade em sua jornada para um futuro mais consciente e interconectado.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. Plat.Poe.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Coração de papel)


Compositor: Sérgio Reis

Se você pensa
Que meu coração é de papel
Não vá pensando, pois não é
Ele é igualzinho ao seu
E sofre como eu
Por que fazer chorar assim
A quem lhe ama

Se você pensa
Em fazer chorar a quem lhe quer
A quem só pensa em você
Um dia sentirá
Que amar é bom demais
Não jogue amor ao léu
Meu coração que não é de papel

2X
Por que fazer chorar
Por que fazer sofrer
Um coração que só lhe quer
O amor é lindo eu sei
E todo eu lhe dei
Você não quis, jogou ao léu
Meu coração que não é de papel

(Não é
Meu coração que não é de papel
Não é Não é
Meu coração que não é de papel
Não é...)
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A Fragilidade dos Sentimentos em 'Coração de Papel'
A música 'Coração de Papel', é uma expressão lírica da vulnerabilidade emocional e do sofrimento causado pelo amor não correspondido. A letra utiliza a metáfora do 'coração de papel' para ilustrar a delicadeza dos sentimentos do eu-lírico, que, apesar de serem fortes e sinceros, são tratados com descaso pela pessoa amada.

O refrão 'Se você pensa que meu coração é de papel, não vá pensando, pois não é' reforça a ideia de que, embora o coração possa parecer frágil, ele é tão real e capaz de sofrer quanto o coração da pessoa que está causando a dor. A música transmite uma mensagem sobre a importância de valorizar o amor e de não brincar com os sentimentos alheios, pois o amor verdadeiro é um bem precioso que não deve ser desperdiçado.

A repetição das frases 'Por que fazer chorar, por que fazer sofrer, um coração que só lhe quer' ressalta a incompreensão do eu-lírico diante da indiferença e da rejeição, destacando a dor de amar sem ser correspondido. A canção, com sua melodia suave e letras tocantes, é um apelo emocional para um tratamento mais cuidadoso e respeitoso dos sentimentos humanos, especialmente no contexto amoroso.

Magoado por haver brigado com a namorada Ruth, Sérgio Reis dedilhava o violão, enquanto aguardava o almoço, preparado por dona Clara, sua mãe. Como estava demorando, resolveu escrever uma letra, mas logo desistiu da tarefa e, ao jogar fora o papel, comentou para dona Clara: “meu coração está amassado como aquela bola de papel.” De repente, percebendo que a imagem poderia funcionar como motivo para uma canção, retomou o violão e compôs em poucos minutos “Coração de Papel”, terminando-a antes mesmo do almoço ficar pronto.

Dias depois, vindo à sua casa o produtor Tony Campello, em busca de repertório para a dupla Deny e Dino, gostou tanto da composição que acabou sugerindo uma fita demo com o próprio Sérgio, o mais indicado para cantar sua pungente melodia: “Se você pensa que meu coração é de papel / não vá pensando pois não é / ele é igualzinho ao seu / e sofre como eu / por que fazer chorar assim / a quem lhe ama...”

Aprovada por Milton Miranda, diretor da Odeon, “Coração de Papel” foi gravada por Sérgio num compacto duplo, acompanhado pela orquestra de Peruzzi, com o reforço vocal dos Fevers, Golden Boys e Trio Esperança. Apesar de bem executada nas rádios, a composição recebeu um impulso definitivo do Chacrinha, que durante oito semanas ofereceu um prêmio de mil cruzeiros novos ao calouro que melhor a interpretasse.

Com isso deslanchou o sucesso de “Coração de Papel” no Rio de Janeiro, suplantando nas paradas suas maiores rivais, “O Bom Rapaz”, com Wanderley Cardoso, e “Meu Grito”, com Agnaldo Timóteo. Em tempo: teve um happy end o romance de Sérgio e Ruth, com o casamento dos dois. 
Fontes:
A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34, in https://cifrantiga2.blogspot.com/2007/05/corao-de-papel.html

domingo, 4 de agosto de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 53: Indigente

 

Dissecando a magia dos textos (“Tudo se fez imensurável”, de Aparecido Raimundo de Souza)

Análise por José Feldman 



Tudo se fez imensurável
No texto de Aparecido Raimundo de Souza, somos levados a uma tarde cinzenta e melancólica, onde a saudade pesa como um sonho desfeito. O protagonista, sentado em uma cadeira de balanço herdada da avó, reflete sobre a ausência de quem amou.

A Despedida
A última lembrança da pessoa amada é marcada pela tristeza. Os olhos dela refletem a dor da despedida, enquanto a força da mão entrelaçada simboliza um desejo de eternizar aquele momento. A expressão "Até breve" ecoa, alimentando uma esperança vã de retorno.

O Vazio e a Ausência
Com a partida, o vazio se torna opressivo. O protagonista descreve como cada cômodo da casa se transforma, mergulhando em um silêncio sepulcral. As memórias são deixadas de lado, e até as músicas que antes eram companheiras se tornam notas soltas em um livro empoeirado.

Memórias Intensas
As lembranças dos momentos compartilhados se tornam um fardo. O primeiro amor é relembrado com intensidade: a perplexidade da amada ao sentir a paixão pela primeira vez. Essa lembrança se mistura à dor da ausência, transformando noites em um tormento.

A Ilusão do Retorno
A cama, agora maior, simboliza a ampliação do vazio. O protagonista, ao deitar-se, ainda busca a presença da amada, abraçando um espaço vazio. Essa ilusão representa a luta entre a realidade da perda e a esperança de um reencontro.

A Profundidade da Saudade
A saudade é central na obra. O protagonista não apenas sente falta da pessoa amada, mas também de momentos que nunca mais retornarão. Essa nostalgia é descrita de forma vívida, revelando como pequenas lembranças podem se tornar pesadas e insuportáveis.

A Imagem da Casa
A casa, antes cheia de vida e amor, se transforma em um espaço vazio e frio. Essa mudança física reflete a transformação emocional do protagonista. Cada cômodo carrega memórias, mas também um silêncio que amplifica a dor da ausência.

O Tempo e a Memória
O tempo, que deveria curar, no caso do protagonista, intensifica a dor. A passagem dos meses não traz alívio, mas sim um martírio crescente. As lembranças se tornam cada vez mais intensas, como se o passado se tornasse um peso maior a cada dia.

Momentos de Intimidade
Os momentos de intimidade, como o primeiro ato de amor, são retratados com uma mistura de beleza e tristeza. A conexão física é apresentada como um marco de felicidade, agora contrastando com a solidão. Essa dualidade realça a profundidade da perda.

A Ilusão do Reencontro
A ilusão de que a amada pode voltar é um tema recorrente. O protagonista se agarra a essa esperança, mesmo sabendo que é improvável. Essa luta interna entre a realidade e o desejo torna-se uma batalha emocional intensa.

Conclusão
O texto de Aparecido Raimundo de Souza é uma meditação poderosa sobre amor, perda e a complexidade das emoções humanas. O protagonista se vê preso em um ciclo de lembranças, incapaz de seguir em frente. A forma como ele entrelaça lembranças com a dor da ausência cria um retrato tocante da saudade, ressoando com qualquer um que já tenha enfrentado a perda de alguém amado. Isso levanta questões sobre como cada um de nós enfrenta a ausência de entes queridos e a dificuldade de deixar o passado para trás.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. Plat.Poe.
 Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Simões Lopes Neto (Casos do Romualdo) A Figueira

Morava na rua da tomba em um casarão acachapado, pintado de amarelo. Ao fundo o quintal, parecendo pequeno por ter ao centro uma colossal figueira.

Esta colossal figueira havia estendido grossos braços para todos os lados e copava e fechava de tal forma a ramaria e a folhagem, que a sombra era perpétua.

Não só através dela não filtrava um rastilho de sol, como também nem um pingo de chuva passava para baixo.

Não consegui manter uma galinha no quintal: quantas lá punha morriam de frio; e ali mesmo as enterrava, o cachorro, esse, tiritava como se estivesse em plena garoa de agosto, batida de minuano.

Por estas e outras andava eu aborrecido com a figueira. Carregar, isso carregava que era uma temeridade.., mas nos últimos anos, menos, bastante menos.

Por outro lado, era debaixo da figueira que os meus pequenos e os da vizinhança brincavam; aí faziam as suas merendas, principalmente quando havia frutas; e com o andar do tempo a criançada chegou a fazer em volta dela um verdadeiro tapete de sementes diversas, de laranjas, marmelos, pêssegos, uvas, peras, ameixas, de araçás, de butiás, de limas, melões, etc., enfim um calçamento de caroços e pevides.

Naturalmente cada ano as raízes da figueira cresciam e enterravam e afogavam essa caroçama que desaparecia.

Preciso dizer que a casa e o quintal e portanto a árvore pertenceram aos avós da minha sogra, esta aí nasceu e faleceu, com noventa e sete anos; e que há cinquenta e três anos que os ditos bens pertenciam ao meu casal: basta isto para calcular-se a idade da figueira!

Ora muito bem.

Há de haver uns sete anos fez um inverno molhado e frio como nunca passei outro. Todo o mundo lembra-se desse ano. Em casa fomos todos, de ponta a ponta, atacados de tosses e catarreiras tão fortes, que julguei iríamos acabar héticos (magros). Chiados de peito, roncos, assobios, fanhosidades, rouquidões... um barulho que até alarmava os andantes na rua!

O doutor que acudiu, como se tratasse de uma única doença, já receitava os lambedouros em dose para vir em frasco grande, dos de genebra.

Mas, qual! ... Cheguei a desanimar, e certa vez puxei o médico para uma sala dos fundos, para conversar à vontade. Conforme íamos andando, a casa ia ficando às escuras; o doutor estacou:

— Homessa! Estaremos à boca da noite às duas horas da tarde?...

— Não é nada, doutor: é a figueira!

— Que figueira, Romualdo?

— Ali, na escuridão.., não vê?

O doutor teve medo de seguir avante; eu, já se vê, prático velho, nem me abalei.

Mas tanto como rodou nos calcanhares, disse-me com franqueza:

— Romualdo, toda a doença da sua casa está ali; é a umidade, a escuridão, o abafamento que a figueira produz, derrube-a, Romualdo, derrube-a!

— O abafamento... a escuridão... a umidade...

— Sim, homem: meta-lhe o machado!

Compreendi: era tal e qual! Mas como todos estimávamos muito a figueira, resolvi derruba-la, não podá-la muito, sim.

Logo no dia seguinte começou a esgalhação; trabalhou-se uma semana, de fio a pavio, apenas parando para comer, veio carreta de bois para levantar as lenhas da poda.

Foi uma alegria, na casa. Sol, ar livre, por todas as portas e janelas; chio e paredes começaram a orear.

Ninguém mais tomou lambedouro.

Logo na primavera começou a brotação e vieram galhos novos, bonitos porém com um enfolhamento esquisito.

Esquisito, deveras. Folhas compridas e curtas, e largas e estreitas; recortadas umas, lisas outras; lustrosas, foscas; ... uma atrapalhada! ... e até notei alguns pequenos espinhos.

Vi, vi bem: eram espinhos; pequenos, porém espinhos.

Até aí nada de espantar: curioso e tal, mas tem-se visto..

No ano seguinte porém, e nos outros, é que a figueira começou a encher-me de espanto, a mim e a vizinhança e outras pessoas muitas. Sinto não lhes haver tomado os nomes, mas nem tudo lembra: se tenho tido essa precaução, hoje, com tais testemunhas, entupiria a muitos incrédulos malcriados a quem hei referido este caso. Mas quem mal não pensa, mal não cuida...

Pois esse ano a figueira deu figos e... marmelos; no seguinte, pêssegos e ameixas, de repente, só peras; no noutro ano, puramente laranjas, depois, apenas figos; em seguida, uvas.., e assim sucessivamente, melancias, cocos, limas, araçás, etc.., até que em certa temporada deu umas frutas esquisitas, compridinhas, ressequidas, sem gosto nenhum, nem sumo, e que, bem examinadas, eram quase como penas de aves.., até pelo cheiro ... de galinha, que conservavam...

Matutei muito, mas encontrei a explicação do fenômeno.

Simplíssimo: a figueira tinha absorvido o suco germinativo de todas as pevides e caroços e sementes que lhe alastravam o chão.., e também o das galinhas mortas que junto às suas raízes foram enterradas... Com a força do sol tudo aquilo grelou dentro da sua seiva. Como a árvore não pôde reagir contra a invasão, antes foi dominada, assim é que começou a dar frutos, na desordem que mencionei.

Em conclusão: a figueira já não sabia o que fazia; estava como uma pessoa muito velha, de miolo mole, que já não regula.

Pobre da minha figueira. Coitada!

Estava caduca!

Fonte: João Simões Lopes Neto. Casos do Romualdo. Publicado em 1914. Disponível em Domínio Público
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ANÁLISE DO CONTO

A figueira não era apenas uma árvore; era um símbolo de tradição e história. Romualdo cresceu sob seus ramos, e a árvore fazia parte das memórias familiares. As crianças da vizinhança se reuniam ali, criando laços e brincadeiras que se estendiam por gerações.

Embora a sombra da figueira trouxesse um frescor no calor do verão, ela também representava uma prisão. A falta de luz e a umidade criavam um ambiente insalubre. A dualidade da figueira — seu conforto e seu sufoco — refletia a luta de Romualdo entre o passado e o presente.

Quando o médico recomendou derrubar a árvore, Romualdo se viu em um dilema. Era uma decisão difícil, pois a figueira era parte de sua história familiar. No entanto, a saúde da família estava em jogo, e ele optou por priorizar o bem-estar.

Após a poda, a casa renasceu. A luz do sol iluminou os cômodos e trouxe uma nova energia ao lar. As crianças, agora livres da sombra opressiva, criaram novos jogos e histórias sob um céu aberto.

Os frutos inusitados que a figueira começou a dar serviram como uma metáfora para a confusão da vida. A mistura de frutas representava a complexidade das experiências e memórias acumuladas ao longo dos anos. Romualdo percebeu que, assim como a árvore, ele também carregava as influências do passado.

A transformação da figueira trouxe reflexões sobre envelhecimento e mudança. A árvore, antes forte e majestosa, agora estava caduca, simbolizando como o tempo pode afetar até os seres mais robustos. Romualdo aprendeu a aceitar as mudanças e a valorizar as novas possibilidades.

Conclusão
A figueira, mesmo em sua decadência, deixou uma marca indelével na vida de Romualdo. A história da árvore é um lembrete de que, às vezes, é preciso derrubar o que nos prende para permitir um novo crescimento. A vida é um ciclo de perdas e renascimentos, e cada fase traz suas próprias lições.

Recordando Velhas Canções (Acorda, Maria Bonita)


 Compositor: Volta Seca (Antonio dos Santos)

Acorda, Maria Bonita
Levanta, vai fazer o café
Que o dia já vem raiando
E a polícia já está em pé

Acorda, Maria Bonita
Levanta, vai fazer o café
Que o dia já vem raiando
E a polícia já está em pé

Se eu soubesse que chorando
Empato a tua viagem
Meus olhos eram dois rios
Que não te davam passagem

Cabelos pretos anelados
Olhos castanhos delicados
Quem não ama a cor morena
Morre cego e não vê nada

Acorda, Maria Bonita
Levanta, vai fazer o café
Que o dia já vem raiando
E a polícia já está em pé

Acorda, Maria Bonita
Levanta, vai fazer o café
Que o dia já vem raiando
E a polícia já está em pé

Se eu soubesse que chorando
Empato a tua viagem
Meus olhos eram dois rios
Que não te davam passagem

Cabelos pretos anelados
Olhos castanhos delicados
Quem não ama a cor morena
Morre cego e não vê nada

Acorda, Maria Bonita
Levanta, vai fazer o café
Que o dia já vem raiando
E a polícia já está em pé

Acorda, Maria Bonita
Levanta, vai fazer o café
Que o dia já vem raiando
E a polícia já está em pé

E a polícia já está em pé
E a polícia já está em pé
E a polícia já está em pé
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A Alvorada de Maria Bonita nas Marchinhas de Carnaval
A música "Acorda, Maria Bonita" é uma marchinha de carnaval que evoca a figura histórica de Maria Bonita, companheira de Lampião, o famoso cangaceiro do sertão nordestino. A letra da canção, apesar de simples, carrega consigo um contexto cultural rico e uma pitada de romantismo e nostalgia.

A repetição do verso que pede para Maria Bonita acordar e preparar o café enquanto a polícia já está de pé sugere uma rotina matinal apressada, possivelmente em referência à vida no cangaço, onde a vigilância constante era necessária. A menção à polícia pode ser interpretada como uma alusão aos confrontos entre os cangaceiros e as forças da lei. A canção, contudo, não se aprofunda nos aspectos violentos dessa época, preferindo focar na beleza e na rotina da personagem.

Os versos que falam sobre chorar e impedir a viagem de alguém, seguidos pela descrição física de Maria Bonita, trazem um tom de admiração e amor pela figura feminina. A música celebra a beleza da mulher morena, uma característica comum no Nordeste brasileiro, e sugere que não apreciar tal beleza é como viver na cegueira. A marchinha, portanto, além de ser um elemento festivo do carnaval, serve também como uma homenagem à cultura nordestina e à figura emblemática de Maria Bonita.

sábado, 3 de agosto de 2024

Therezinha Dieguez Brisolla (Trov’ Humor) 35

 

Renato Frata (O homem do saco)

Num dia dos meus cinco anos, estando sobre a cadeira olhando a rua, o tal "homem do saco" passou e acenou para mim. 

Era um velho arcado e de barba grande, maltrapilho, roupas surradas, sapatos desbeiçados, que levava às costas um saco vazio, para ser enchido com meninos desobedientes, no dizer de
minha mãe.

Com os pés sobre o assento, tremi me encolhendo, tomado de uma batedeira que me fez agarrar no espaldar. O pavor entrou nos meus olhos, o que me fez descer e, sem nada falar, me enfiar entre as pernas dela, enrolando-me na sua saia.

O homem do saco existia.

Ela não mentira.

Ele passara bem à nossa porta...

E acenara, sinal que poderia me enfiar no seu saco.

Percebendo meu estado, ela alisou-me o cocuruto, deu-me dois tapinhas e me mandou brincar. Havia trabalho a fazer, mas foi tão grande o medo que, para onde eu olhava, via-o a me espreitar, sorrindo com dentes amarelos em meio aos pelos sujos do longo bigode e barba.

Passaram-se dias sem que voltasse a subir na cadeira até que aquela sensação de medo se amainasse, quando alguém bateu palmas e ela foi atender.

Curioso, grudei nos seus calcanhares... e que decepção! O velho, do lado de fora, abria o portão.

Um uivado, quase mugido, escorreu-me da garganta eriçando-me a pele e cabelos em agonia.

Ele me viu, riu e acenou, depois, calmamente, sentou-se na soleira.

Pedia comida e água.

O medo era tanto que não senti o xixi escorrer, mas lembro de ter deixado um rastro molhado no assoalho e, se minha mãe quisesse cumprir as ameaças que fazia pela minha impertinência em querer brincar na rua, era a hora de me fazer virar miolo de saco de estopa.

Ele, preocupado com meu choro, pôs os pés na sala e, sem saber motivo, afagou, com seus dedos retorcidos, minha cabeça.

Não eram dedos, mas garras cortantes, instante que minha mãe, deixando suas tarefas, me socorreu tomando-me rapidamente no colo e ordenando que ele permanecesse sentado e aguardasse.

Na cozinha foi um upa me pôr no chão para poder encher de comida o prato a ele destinado, até que, com a reserva de forças que as mães sempre têm, um safanão me colocou trêmulo aos seus pés.

A proximidade ao fogão não era permitida, mas dessa vez ela, sabendo da minha angústia, consentiu que ficasse perto das panelas quentes. 

Tomou da moringa, de um prato bem feito e me olhou com olhos felinos que disseram que aquela era sua vingança à minha teimosia.

O medo afugentou-me por bom tempo da janela e das malcriações, fica a lição:

"Quando não se aprende com o amor, a dor aproveita e ensina."

Fonte> Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor

Recordando Velhas Canções (Odeon)


Compositores: Ernesto Nazareth e Vinicius de Moraes

Ai quem me dera
O meu chorinho há tanto tempo abandonado
E a melancolia que eu sentia
quando ouvia
ele fazer tanto chorado

Ai nem me lembro tanto, tanto
Todo encanto de um passado
Que era lindo, era triste, era bom
Igualzinho ao chorinho chamado Odeon

Terçando flauta e cavaquinho
Meu chorinho se desata
Tirando a canção do violão nesse bordão
Que me dá vida, que me mata
É só carinho, meu chorinho
Quando pega e chega assim, devagarzinho...
Meia luz, meia voz, meio tom
Meu chorinho chamado Odeon

Ah, vem depressa
Chorinho querido, vem
Mostra da graça que o choro sentido tem
Quanto tempo passou, quanta coisa mudou
Já ninguém chora mais por ninguém

Ah, quem diria que um dia, chorinho meu
Você viria com a graça que o amor lhe deu
Pra dizer não faz mal
Tanto faz, tanto fez
Eu voltei pra chorar por vocês

Chora bastante, meu chorinho
Teu chorinho de saudade
Diz ao bandolim pra não tocar tão lindo assim
Porque parece até maldade
Ai meu chorinho, eu só queria
Transformar em realidade a poesia
Ai que lindo, ai que triste, ai que bom
De um chorinho chamado Odeon

Chorinho antigo, chorinho amigo
Eu até hoje ainda persigo essa ilusão
Essa saudade que vai comigo
Que até parece aquela prece de sai só do coração
Se eu pudesse recordar e ser criança
Se eu pudesse renovar minha esperança
Se eu pudesse relembrar como se dança
Esse chorinho que hoje em dia ninguém sabe mais

Chora bastante, meu chorinho
Teu chorinho de saudade
Diz ao bandolim pra não tocar tão lindo assim
Porque parece até maldade
Ai meu chorinho, eu só queria
Transformar em realidade a poesia
Ai que lindo, ai que triste, ai que bom
De um chorinho chamado Odeon
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A Saudade e a Melancolia em 'Odeon' de Ernesto Nazareth
A música 'Odeon' de Ernesto Nazareth é uma ode ao chorinho, um gênero musical brasileiro que combina elementos de música popular e erudita. A letra expressa uma profunda saudade e melancolia, sentimentos que são intrínsecos ao chorinho. A canção começa com um desejo nostálgico de reviver o chorinho abandonado e a melancolia que ele trazia. A menção ao passado, descrito como 'lindo, triste e bom', reforça a dualidade de emoções que o chorinho evoca.

A letra também destaca a importância dos instrumentos musicais típicos do chorinho, como a flauta, o cavaquinho e o violão. Esses instrumentos são personificados, quase como se tivessem vida própria, e são responsáveis por desatar as emoções do narrador. A música é descrita como um carinho, algo que dá vida e ao mesmo tempo mata, mostrando a intensidade emocional que o chorinho pode provocar. A meia luz, meia voz e meio tom criam uma atmosfera íntima e introspectiva, onde o chorinho chamado 'Odeon' se manifesta.

A canção também aborda a passagem do tempo e as mudanças que ele traz. O narrador lamenta que 'já ninguém chora mais por ninguém', sugerindo uma perda de sensibilidade e conexão emocional na sociedade moderna. No entanto, o chorinho retorna com a graça que o amor lhe deu, para dizer que não faz mal, que tanto faz. Essa resignação é um consolo, uma aceitação da realidade. A saudade e a ilusão de reviver o passado são temas recorrentes, e o desejo de transformar a poesia em realidade é uma expressão do anseio por um tempo que não volta mais. A música termina com um apelo ao chorinho para chorar bastante, pois sua beleza é quase uma maldade, e um desejo de transformar a poesia em realidade, encapsulando a beleza, a tristeza e a bondade do chorinho chamado 'Odeon'.

Ernesto Nazareth ouviu os sons que vinham da rua, tocados por nossos músicos populares, e os levou para o piano, dando-lhes roupagem requintada. Sua obra se situa, assim, na fronteira do popular com o erudito, transitando à vontade pelas duas áreas. Em nada destoa se interpretada por um concertista, como Arthur Moreira Lima, ou um chorão como Jacó do Bandolim.

O espírito do choro estará sempre presente, estilizado nas teclas do primeiro ou voltando às origens nas cordas do segundo. E é esse espírito, essa síntese da própria música de choro, que marca a série de seus quase cem tangos-brasileiros, à qual pertence "Odeon". Obra-prima no gênero, este tango é apenas mais uma das inúmeras peças de Nazareth em que "melodia, harmonia e ritmo se entrosam de maneira quase espontânea, com refinamento de expressão", como opina o pianista-musicólogo Aloysio de Alencar Pinto.

"Odeon" é dedicado à empresa Zambelli & Cia., dona do cinema homenageado no título, onde o autor tocou na sala de espera. Localizado na Avenida Rio Branco 137, possuía duas salas de projeção e considerado um dos "mais chiques cinematógrafos do Rio de Janeiro".
Fontes: