sábado, 1 de maio de 2010

Carlos Leite Ribeiro (O Avô Guido - Parte I) Novela em 4 partes



Apreciação de Tito Olívio

Carlos Leite Ribeiro é um escritor multifacetado, que se dedica à criação literária em diversos géneros, movendo-se com facilidade entre a investigação histórica e a comédia.

A obra presente, “O Avô”, é uma gostosa comédia de teor revisteiro, que vive de gagues e trocadilhos, que se vão sucedendo de uma forma tão natural, que mais parece o desenvolvimento de uma narração de factos reais. O humor é uma arte difícil, sobretudo se não utiliza no jogo peças de sucesso garantido, mas susceptíveis de ofender alguém, como a política, as instituições sociais e administrativas, a moral vigente e a religião maioritária.

O autor escolheu para este trabalho a modalidade de teatro, que já demonstrou dominar com naturalidade, e os quadros apresentados atingem o humor característico da revista à portuguesa, sobre que assentarem peças teatrais, detentoras de sucesso nos palcos de outras décadas passadas. “O Avô” é uma peça com diversas personagens, criteriosamente definidas e intervenientes entre si na comédia.
(Tito Olívio, poeta e escritor )

Francisco Margarido Ribeiro, que todos tratavam por “Guido”, depois de ter terminado a instrução primária, abandonou a sua aldeia perto da cidade de Bragança, e foi para casa de um tio que tinha uma padaria em Lisboa. Foi aí que aprendeu a arte de fazer pão.

Alguns anos depois, por sugestão de outro tio, também industrial de panificadora e que estava imigrado já há anos no Brasil, Guido partiu para terras do outro lado do Atlântico.

E um dia, embarcou no navio Lima que, depois de passar pelo Funchal e por São Vicente (Cabo Verde), chegou por fim a Salvador, onde um primo o esperava. No dia seguinte, os primos embarcaram em outro navio que os transportou até à cidade do Recife.

Nos primeiros tempos na capital do Estado de Pernambuco, trabalhou como moço de fabricação de pão; mais tarde o tio nomeou-o como distribuidor e vendedor de pão em bairros do Recife.

Numa casa de pessoas abastadas desta cidade, conheceu um dia uma jovem senhora, viúva de nome Maria Mello, com um filho de tenra idade, proprietária de uma indústria de rapadura na cidade de Triunfo.

Engraçaram um com o outro e um dia, Guido aceitou o convite de Maria Mello e ambos foram morar para Triunfo. As coisas corriam bem entre eles e o negócio de fabrico de rapadura prosperava. O problema foi a família da Maria, que nunca lhe perdoou ela ter-se juntado com um português e para mais padeiro.

Como a situação não era nada agradável, ambos foram viver para a cidade de Garanhuns, conhecida também como a “cidade das flores” onde se estabeleceram com o negócio da rapadura e da panificação.

Pouco tempo depois de se estabelecerem nesta cidade, casaram-se na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, também conhecida por Igreja de Cuscuz. Foi uma festa familiar, pois só os familiares do noivo estiveram presentes.

Foi nesta festa que entre primos e tios, combinaram em estenderem os seus negócios pelas cidades do Recife, Triunfo e Garanhuns. Começaram por adquirirem postos de abastecimento de combustível e, mais tarde, supermercados nestas três cidades.

Por essa altura, nasceu um filho de ambos.

Com a idade a avançar e os filhos criado, o casal Maria e Guido visitaram várias vezes Portugal passando férias perto de Bragança, distrito de Trás-os-Montes, onde compraram um velho e grande casarão que aos poucos o foram recuperando. Com a morte de Maria Mello e depois de seus filhos, Guido regressou a Portugal em companhia de seus dois netos, um filho de seu filho natural e outro de seu enteado.
Fonte: Rogério Haruo Sakai
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NOVELA: O AVÔ GUIDO

Aventuras! Bem-vindas sejam, sempre que trouxerem à vida algum encanto, alguma novidade, qualquer coisa que saia da vulgaridade quotidiana!

Correspondendo ao seu desejo, surgiu naquele instante, com a chegada do imprevisto, a trocista resposta do Destino...

Margarida, ouviu confusamente, o ruído de uma chave na fechadura. E, no espelho em que se mirava, viu, cheia de surpresa, abrir-se a porta de entrada e dar passagem a três desconhecidos: um velho, um rapaz e uma criança.

Com a boca aberta e um bocado de creme na ponta do nariz, Margarida, voltou-se muda de surpresa.

As três figuras avançavam para ela, e a criança, um rapazito, apartou-se dos outros, correndo a pendurar-se ao pescoço.

- Sandro: – Mamã querida … mamãzinha!

O espanto impediu-a de lutar contra os seus intempestivos beijos. Quis falar, mas a sua garganta não emitiu qualquer som. Atrás da criança, avançava o velho, murmurando ternamente:

- Avô Guido: - A minha neta, a minha netinha!

E, por último, a terceira personagem adiantou-se, e, atraindo-a para si, apresentou-a:

- Fernando: - Avôzinho, aqui tem a minha mulherzinha!

Margarida, fechou os olhos. Estava certa de que sonhava. Dentro de um segundo, acordaria, encontrar-se-ia na cama, ou, talvez no autocarro. Apertou os dentes, procurando despertar. Abriu outra vez os olhos. Continuava em casa da sua amiga Isabel. Não sonhava. Na sua frente, estavam ainda o velho, o homem e a criança, que lhe sorriam ternamente.

Avô Guido: - Filhinha, não dá um beijo ao avô?... Desejava tanto conhecer-te. O Fernando falou-me muito de ti. Aproxima-te minha querida. Os meus pobres olhos quase já não vêem, mas, adivinho que és muito linda...

Era o velho mais enrugado que a jovem vira na sua vida. Não tinha um único dente, e, muito pouco cabelo. Parecia que o menor sopro de vento, poderia deitá-lo por terra. Sentia-se petrificada, e mal deu pelo beijo que o velho lhe depôs na sua fronte.

Fernando: - Passaram-te as dores de cabeça, querida?... O avô lamentou que a tua indisposição te impedisse de nos acompanhar…

O pesadelo continua. Estariam loucos os três?...deviam de estar, com certeza! A começar pela feíssima criança que lhe chamava mamã, e a acabar no jovem que lhe chamava sua "mulherzinha". O jovem contaria uns trinta anos e era muito alto e também distinto. O cabelo castanho e muito claro, contrastava com a sua pele morena. Os olhos escuros e expressivos, pousavam nela com angustiosa insistência. Assustada, passou a mão pela fronte, retirando-a cheia de creme. A convicção de que devia ter uma aparência pouco atraente, aumentou o seu mal-estar. Com um gesto brusco, afastou o braço do jovem e retrocedeu uns passos.

- Margarida: - Faça o favor de não me tocar, ou, pedirei socorro!

- Fernando: - Que dizes, querida?

- Margarida: - Olhe que não sou sua mulher, e, nem sequer o conheço!

Seguiu-se um minuto de silêncio, interrompido por uma risada do garoto, e pela voz aflautada do velhote, que se deixara cair numa cadeira...

- Avô Guido: - Que diz a pequena, Fernando?... Dói-lhe ainda a cabeça?

- Fernando: - Já está melhorzinha. Sente-se encantada por te ver, Avôzinho. Olha lá, estás confortavelmente instalado nessa cadeira?

- Avô Guido - Eu, estou muito bem assim, filho.

O denominado Fernando, voltou-se depois para o pequeno, que mexia no televisor, produzindo toda a sorte de ruídos incómodos.

- Fernando: - Está quieto, Sandrito!

- Sandro: - Está bem,"papá"…

Em seguida, encarou Margarida, dizendo-lhe em voz baixa:

- Fernando: - Queira explicar-me a sua absurda atitude, menina. Isto não é o que ficou combinado...

- Margarida: - O que ficou combinado?... Mas eu não sei o que ficou combinado...

- Fernando: - Não vai agora faltar à sua palavra?... Comporte-se…

- Margarida: - Mas...
Alguém toca a campainha da porta de entrada…

- Fernando: - Vou abrir. Deve de ser o Augusto, o criado do avô, vou abrir a porta. entra, Augusto. Encontraste tudo o que precisávamos?... Leva estão tudo para a cozinha.
- Avô Guido: - Estou muito cansado, filhos, muito cansados mesmo. Não devia ter vindo, pois, já não estou para estas andanças. As viagens são para gente mais nova. Mas o Augusto tanto insistiu em que eu consultasse esse especialista em Leiria, e tudo para quê?... Para, no fim de contas, me dizer que não tenho remédio senão esperar a morte. Que eu morro de velhice...
- Fernando: - Não sejas pessimista, avô!...
- Avô Guido: - Mas não me importa esta situação, podes acreditar. Sabendo que és feliz, que tens finalmente juízo e que possuis um lar ditoso. Foi isso que me decidiu na verdade a deixar o meu casarão em Trás-os-Montes, e, vir até Leiria. Queria vê-los, e conhecer a Márcia e o meu bisneto... Augusto...mas onde é que está o Augusto?... São horas de tomar o remédio. Estou a ficar muito fraco…
- Fernando: - O Augusto está a preparar o teu café com leite. Depois do jantar, acompanhar-te-ei ao hotel, em São Pedro de Moel. É pena que não possas ficar aqui, mas, a casa é muito pequena…
- Avô Guido: - Não, não. Não quero incomodá-los, demais, agora que estão instalados de novo. Amanhã, voltarei para a minha casa, e, já não sairei mais de lá. Vocês irão ver-me, não é verdade, Márcia, minha filha?
- Fernando: - Márcia, não ouve o avô?...
- Margarida: - Não me chamo Márcia. Esta brincadeira começa a ser muito desagradável, muito desagradável mesmo...
- Fernando: - Claro que sim, claro que iremos, avô. Iremos e até muitas vezes. Mas, agora avô, vais dispensar-nos por cinco minutos, sim?...O Sandrito far-te-á companhia... Mas onde está ele?...há, estás aqui! … Faz companhia ao Avôzinho, mas com muito juízo!
- Sandro: - Sim,"papá"...
- Fernando: - Márcia, chega aqui à cozinha, por favor...quero-lhe dizer que o seu comportamento é revoltante. Até parece que enlouqueceu, ou se esqueceu...
- Margarida: - Os senhores são completamente loucos!... Queira me explicar o que se está a passar, pois, julgo-me vítima de um pesadelo, em que o senhor é a principal personagem!
- Fernando: - Como?... Porventura a senhora não é amiga da dona desta casa?
- Margarida: - Claro que sou. Mas não acho que isso tenha que ver com...
- Fernando: - A Georgina disse-me que chegara a acordo consigo.
- Margarida: - Georgina?! Quem é essa, Georgina?
- Fernando: - É a dona da casa...
- Margarida: - A dona desta casa chama-se Isabel, e foi ela que me emprestou a casa, por esta noite.
- Fernando: - Mas a dona da casa, chama-se Georgina...
- Margarida: - Georgina?... Agora, compreendo. A Georgina, é a amiga da Isabel.
- Fernando: - E a Isabel, quem é?...
- Margarida: - É a amiga da Georgina!
- Fernando: - Calma, calma. Esclareçamos isto. A menina diz que a Isabel é ...
- Margarida: - A Isabel e a Georgina, compartilham desta casa, de que nós estamos a dispor com um certo à vontade, pelo que vejo. Eu sou amiga da Isabel...
- Fernando: - E eu, amigo da Georgina.
- Margarida: - Muito me alegro, mas isso não explica que o senhor me chame sua "mulherzinha", e me considere mãe desse horroroso rapaz que...perdão!...esquecia-me de que é seu filho…
- Fernando: - Não pude encontrar outro melhor. Tem-me feito passar umas horas insuportáveis. Cheguei ao ponto de compreender a resolução de Herodes…
- Margarida: - Ah, o Sandrito não é seu filho?
- Fernando: - Não, não. Graças a Deus que não é!
- Margarida: - Então, não estou a compreender?...
- Margarida: - Contratei-o, tal como contratei a si...
- Margarida: - Perdão, queira repetir o que disse?....
- Fernando: - Disse o quê?...
- Margarida: - Isso do meu contrato. Quero fazê-lo calar, dando-lhe um grande bofetão e exigindo-lhe pedido de desculpas.
- Fernando: - Como?!...
- Margarida: - O senhor é um malcriado, um insolente, que está a ofender-me. Eu não fui contratada para...
- Fernando: -...para representar o papel de digníssima esposa e mãe, o qual, de resto, lhe foi paga com generosidade!
- Margarida: - Decididamente, o senhor está louco! o senhor, pagou a mim, quando e como?
- Fernando: - Acaso, a Georgina se esqueceu de dar-lhe os quinhentos euros?
- Margarida: - Não conheço a Georgina, nem nunca a vi, na minha vida!
-Fernando: - Então, a menina, não é a artista, companheira de Georgina que, devia tirar-me destas dificuldades?
- Margarida: - Não sou atriz, e, nunca soube representar sequer comédias de amadores.
- Fernando: - Mas que demônio é você? Que Diabo?... Explique-se de uma vez!
- Margarida: - Nada lhe explicarei, se me falar nesse tom. Vou sair imediatamente desta casa, para que o senhor represente a sua farsa. Ou lá o que é.
- Fernando: - Perdoe-me. Perdoe as minhas palavras, mas estou desesperado. Compreendo que deve ter-se dado um equívoco. Georgina prometeu-me que, quando eu chegasse aqui, esta noite, me esperaria uma sua amiga, que representaria o papel de minha esposa. A própria Georgina o teria interpretado, se não fosse a sua partida para essa maldita tournée. Entretanto, entregou-me a chave da casa e...compreende a minha surpresa ante a sua atitude.
- Margarida: - Mas que caso tão intrincado…
- Fernando: - Volto a pedir-lhe que me desculpe, menina, e agora, será tão amável que me queira explicar…
- Margarida: - Vou explicar-lhe com todo o prazer. Sou uma amiga da Isabel cheguei há poucas horas a Leiria. Embora natural desta cidade, vivo desde muito nova em Lisboa. Mas, voltando à questão, a Isabel permitiu-me que passasse a noite em sua casa. Nada mais lhe poderei dizer.
- Fernando: - Terrível! Terrível! E a outra, a amiga da Georgina?
- Margarida: - Quando cheguei, só cá estava a Isabel, preparando-se para seguir para a tournée.
- Fernando: - Será possível que a Georgina se tenha esquecido? é uma cabecinha de vento…
- Margarida: - Ignoro tudo quanto se refere a Georgina, a si, ao seu avô, e ao seu filho, senhor...senhor... Caro senhor, agora faca o favor de sair do quarto, para que eu mude de roupa e me vá embora.
- Fernando: - Você vai-se embora?! E que direi eu ao avô?!
- Margarida: - Como deve de calcular, não me interessam os seus problemas familiares. Tenha a bondade de sair.
- Fernando: - Você diverte-se ao ver um homem desesperado. Que coração o seu!
- Margarida: - Não lhe permito que duvide da bondade do meu coração. Se você pudesse ver a figura que faz, dando voltas e mais voltas, como esses cães que tentam morder a própria cauda!
- Fernando: - É muito impiedosa!
- Margarida: - Perdoe-me, mas quando me assalta a vontade de rir, é superior às minhas forcas. Na escola, isso granjeou-me muitos castigos. Mas adiante, Suponho que não lhe interessarão as minhas anedotas escolares. Leio nos seus olhos, que o senhor não deve de gostar muito de humor.
- Fernando: - Em troca, você deve tê-lo em demasia.
- Margarida: - O humorismo é uma arma defensiva, com que se escudam os que têm excesso de sensibilidade...Bravo!!! Que bonita me saiu esta tirada! Sinto não poder incluí-lo em algum artigo ou crônica…
- Fernando: - Ah, você é escritora?
- Margarida: Não o diga por troça. Pode ser escritora e não ter bigode, nem usar óculos e gravata. Sou jornalista. Ou, antes, fui. Agora sou secretária particular.
- Fernando: - Muito particular?
- Manuela: - Porquê?...
- Fernando: - É que não tem aspecto de secretária.
- Margarida: O que lhe pareço, então?
- Fernando: - Olhe, se quer que lhe diga a verdade, uma menina...e malcriada.
- Margarida: - É muito amável. Começo a achá-lo simpatiquíssimo…
- Fernando: - Está a rir-se de mim, sem ter em conta a minha situação. Ria-se, ria-se à vontade. Tudo isto acontece por eu ser um sentimental!
- Margarida: - Sentimental?! Que enorme surpresa!
- Fernando: - Naturalmente. No fim de contas, que lhe importa que o velho sofra um desgosto ou que morra?
- Margarida: - O velho? Refere-se ao seu avô?
- Fernando: - Não é meu avô.
- Margarida: - Engraçadíssimo!!! O senhor tem um filho que não é seu filho; uma esposa que não é sua esposa; um avô que não é seu avô...E o criado? Por acaso o criado é autêntico, ou será... algum príncipe encantado?!
- Fernando: - Meu avô, não é meu avô, embora quase o seja...
- Margarida: - Que originalidade! Ter um "quase avô"!
- Fernando: - É avô do meu meio-irmão... do Fernando...
- Margarida: - Fernando?!... Também possui um nome...que não é seu nome?...
- Fernando: - O meu nome é Josué. Fernando era meu irmão...
- Margarida: - Era?!...
- Fernando: - Pois era. Morreu há poucos meses, num brutal desastre.
- Margarida: - Cada vez o entendo menos…
- Fernando: -E, contudo, é muito fácil entender. O velho julga que eu sou o Fernando. E eu deixo-o nessa ilusão. Está meio cego, meio surdo, e com a vida segura por um fio. Tem quase noventa e cinco anos. A sua cabeça já não está tão lúcida como dantes. Nem o Augusto, nem eu, nos atrevemos a participar-lhe a morte do neto. Queria-lhe com loucura. Há pouco tempo, esteve à morte, com um ataque cardíaco. Fui a Trás-os-Montes visitá-lo. Ao abrir os olhos, tomou-me pelo Fernando, julgando que ele regressara da América.
- Margarida: - O seu irmão vivia na América?
-Fernando: - Pois...pois...na realidade, não vivia. Sinto que faça má ideia de meu irmão. Era um pouco desorientado, mas... e não, não vivia na América. Mas o avô julgava-o lá. Fui tudo por causa de um caso bastante infeliz, que o avô teve de resolver à força de dinheiro. Disse que ia para a América, a fim de regenerar-se…
- Margarida: - Mas, não foi?...
-Fernando: - Não. Dedicou-se a passear pela Europa, gastando assim a quantia que lhe deu para empreender vida nova. Todavia, por intermédio de um amigo, escrevia "da América"para o avô. Custa-me um pouco contar-lhe isto...
- Margarida: - Você, gostava do seu meio-irmão?
- Fernando: - Eu gostava do meu irmão, embora, só nos víssemos de longe em longe.
- Margarida: - Então, o Fernando nunca mais pediu dinheiro ao avô?
- Fernando: - Ah, pediu, pediu. Para obter mais dinheiro do velhote. Ocorreu-lhe dizer que se casara. Era um bom estratagema. Imagine: as despesas com as casas, os filhos, as doenças destes, etc. Era um verdadeiro achado. Assim, decorreram sete anos, e assim passaria toda a vida, se, entretanto, não tivesse morrido...
- Margarida: - Naturalmente, que isso do casamento, não era verdade?
- Fernando: - Não era não, por felicidade!
- Margarida: - Começo a compreender a situação.
- Fernando: - E assim, como o avô não via nenhum de nós há muitos anos, confundiu-nos. Fisicamente, parecíamos extraordinariamente, apesar de sermos apenas irmãos, por parte da mãe.
- Margarida: - E por isso, o senhor se converteu em Fernando?...
-Fernando: - Só para o avô, está claro. Era muito fácil. Bastava escrever-lhe e visitá-lo a miúdo. Mas surgiu uma complicação, quando melhorou dos seus achaques e recobrou parte da sua lucidez…
- Margarida: - Lembrou-se então da família, não é assim?
- Fernando: - Sim, e dos numerosos filhos do Fernando…
-Margarida: - Então, quantos eram eles?
- Fernando: - Muitos! Por felicidade, o meu irmão tinha-os "matado" um a um, afim de obter o costumado auxílio para os "funerais". Só lhe restava o mais velhito…
-Margarida: - Adivinho o resto da história: o senhor teve de contratar uma família!

(continua…)

Fonte:
Colaboração do autor

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