sábado, 1 de maio de 2010

Oswaldo França Junior (Folhas Avulsas)


A VIDA DE UM HOMEM

Tudo foi a certeza que ele teve. Primeiro que algo iria acontecer. Depois que iria demorar. Não muito, mas que demoraria. E, por fim, que quando acontecesse, seria uma coisa fantástica. Tão grande e solene como o carro preto que chega à noite e todos se reúnem sérios, graves e curiosos.

Ele entrou para dentro de casa e não saiu nem viveu, esperando o que iria acontecer.

Seu amigo disse, na hora em que ele morria:

— Agora já é tarde para que as coisas lhe aconteçam.

O TELEFONEMA

Um homem saiu de casa para ir ao trabalho mas não seguiu o caminho do escritório e sim do aeroporto. Comprou uma passagem com um nome que não era o seu, e foi para São Paulo, que é a maior cidade do Brasil. Lá escolheu um hotel em que havia telefone nos quartos. No registro de hóspedes todos os dados que fornecera eram falsos. Ele nunca havia ido a São Paulo e não conhecia ninguém de lá.

No quarto o homem trancou a porta, tirou os sapatos, as meias, a roupa do
corpo e sentou-se na cama. Puxou a mesa do telefone para perto e ficou esperando o telefone tocar.

O telefone não tocou uma vez e o homem morreu de fome e sede sentado na cama esperando que alguém lhe telefonasse.

RECADO A UMA MULHER AMADA

Mulher, eu fumava e hoje não fumo mais. Eu fumava muito. Tanto que nunca vi ninguém fumar. Eu gostava de fumar. Sentia com intensidade o prazer de fumar. Fumava dormindo. Sentava na cama e acendia o cigarro. E não tinha conhecimento que estava fumando.

Fumava enquanto comia. Você já viu alguém fumando durante o almoço ou o jantar? Pois eu fumava. Comia e fumava. Na minha mesa havia sempre os pratos e um cinzeiro. Todo mundo tem uma mania. Eu tinha a mania do cigarro. Em minha casa ainda existe a cadeira de fumar. É uma cadeira onde eu ficava por longo tempo esquecido de tudo e fumando. Ficava recostado, quieto, olhando a fumaça e não pensando em nada além do prazer que estava sentindo. Às vezes, eu atrasava a hora de comprar um novo maço só para sentir ainda mais a agradável sensação do retorno do cigarro.

Eu fumava muito, mulher. Fumava como nunca vi ninguém fumar. Mas um dia deixei. Deixei de uma vez. Não foi à noite, nem pela manhã. Foi assim, no meio do dia, durante o trabalho. Deixei de uma vez. Estava com um maço no bolso, na hora em que
disse “vou deixar de fumar”.

Deixei de fumar e aí? Aí, mulher, perdi por algum tempo a vontade de viver. Para que viver se não podia fumar? Para que acordar de manhã se não podia ter um cigarro na mão? Não almoçava, não jantava. Para quê? Antes eu fumava enquanto comia. Como conseguir então comer se não tinha junto o cigarro? E durante um certo período não fiz mais nada, nada. Apenas pensei na falta do cigarro. Como conviver com os outros se eles estavam fumando e eu não podia? Como assistir a um jogo e ver todas aquelas pessoas com cigarro e eu sem ter o meu? Eu não ia a lugar nenhum.

E emagreci dez quilos. Sabe o que é perder dez quilos por falta de cigarro? Pois eu perdi. Mas isto já passou. Hoje sinto apenas a lembrança um pouco doída do prazer que o cigarro me dava. E agora, preste atenção: hoje completa vinte e três dias que nós não nos vemos. E eu gosto tanto de você. Eu lhe quero tanto. Sua falta me dá um vazio tão grande que se eu pudesse escolher entre passar por tudo o que passei quando deixei de fumar, e ficar sem a sua presença, eu deixaria uma outra vez de fumar. Deixaria novamente uma, duas, dez vezes, mas não ficaria sem você. Não ficaria nunca um minuto. Não ficaria de modo nenhum.

Fonte:
Suplemento Literário. Secretaria de Cultura de Minas Gerais. Belo Horizonte, outubro de 2009. edição 1.325.

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