(artigo de Haydée Ribeiro Coelho para o Suplemento Literário de Minas Gerais)
São inúmeras as possibilidades de abordagem sugeridas pelos livros do escritor mineiro. Uma delas diz respeito à viagem. Sob essa perspectiva, podem ser consideradas: a viagem literária, a viagem pela memória, a viagem como deslocamento no tempo e no espaço, a viagem como busca da identidade, a viagem autobiográfica e aquela realizada além das fronteiras nacionais. Todas essas variações são abrigadas pela viagem literária, que engloba as demais. Em Aqui e em outros lugares (1980), o narrador não conta uma única história. Como se fosse uma câmera, flagra um detalhe e é esse ponto que lhe permite dar início a uma outra história e à sucessão de muitas outras. O livro começa com uma situação que põe em evidência “uma casa que estava sendo construída no final de uma rua”. O verbo “olhar” permite avistar, de um lado, “um vale, um rio e as montanhas no horizonte”, de outro, o “centro da cidade”, onde uma casa estava sendo construída no final de uma rua.
O vigia dessa construção participa de uma história que desencadeia muitas outras. Nesse sentido, o universo literário de França Júnior, particularizado por uma sucessividade de narrativas e de cenas, permite, no decorrer do romance, destacar imagens relacionadas à violência, praticada em uma delegacia, aos bêbados na calçada; à disputa de mendigos pelos melhores pontos de esmola e à ternura do delegado com a filha, em contraste com sua brutalidade na delegacia. Todos esses aspectos constituem flagrantes das entranhas da cidade e da vida moderna. Essa relação com o espaço urbano evoca, na tradição literária, o poeta Charles Baudelaire que, em “Quadros parisienses”, no poema “O sol” mostra como o poeta, em analogia com o sol, penetra “Quer os palácios, quer os tristes hospitais”. O olhar aguça um outro sentido: o da escuta. O som de uma seresta, no meio da noite, constrói a última história do livro:
a da solidão de um rapaz que vai estudar na cidade e deixa a fazenda, onde morava com a famíla. O visual e o auditivo instituem outras viagens literárias, relacionadas à memória e à busca da identidade. Em As lembranças de Eliana (1978), as recordações da protagonista, mediadas pelo narrador, nos transportam para um universo que já não mais existe, como no poema “Profundamente”, de Manuel Bandeira. No poema, o ato de dormir “profundamente” está relacionado à morte, à mistura de tempos tão distantes, mas também às vozes, aos sons do passado, captados pela escrita, uma das formas de dar corpo à alegria “errante” dos balões que entrecortavam o despertar do “eu” no meio da noite.
No início do romance, a imagem do “homem avançando na chuva ao cair da tarde” estabelece um elo entre Eliana e a voz do pai. Na medida em que o homem “avança cada vez mais longe”, Eliana se aproxima do seu passado familiar. A protagonista testemunha a modernização que atinge os lugares mais distantes e se pergunta sobre as razões dessas mudanças. Apesar de as lembranças pertencerem a Eliana, não é ela quem narra o texto. Ao lado de um processo de modernização implacável, evidenciado na imagem da construção de pontes, encontram-se outros quadros contrastantes, como aquele de uma menina que, diante de vendedoras de flores, examina-as, tocando-as com as mãos. As lembranças, que fazem emergir um passado que já não existe, evocam outros romances do autor como No fundo das águas (1987) que abarca uma infinidade de histórias de pessoas que viveram em lugares que foram submersos por uma represa. A palavra do narrador ressurge dessa impossibilidade de retorno à vida a não ser pela rememoração. Retomando o gesto do olhar para a cidade, com o qual abri esse texto, minha vista pode alcançar outros romances, como Um dia no Rio (1969). O protagonista, de nome Márcio, vindo de Minas, busca resolver, no Rio de Janeiro, seus problemas comerciais.
Na medida em que isso ocorre, a personagem precisa se deslocar de um ponto a outro no centro da cidade, transformado em um campo de luta entre os estudantes que protestam contra a ditadura e os militares. A narração dos acontecimentos, em torno desse conflito, é intensificada no romance. Se, por um lado, a agitação dos estudantes é apenas uma referência,
no início do livro, passa a ganhar força no decorrer da narrativa, o que permite acentuar a alienação de Márcio, que é jogado dentro dos fatos, enovelado por eles. O romancista, valendo-se do seu narrador e do personagem, permite um confronto entre diferentes espaços, ressignificados pelo social.
O tema do insulamento do sujeito reaparece nesse texto de várias maneiras. Uma delas é a impossibilidade de convivência entre os irmãos Márcio e Lúcio, questão que também está desenvolvida em Os dois irmãos (1976). Nesse romance, a busca do irmão distante, após a morte do pai, em muitos momentos da narrativa, se faz pelo olhar que aproxima os personagens espacialmente e os distancia no plano das ideias e das visões de mundo.
Com base em À procura dos motivos (1982), pode-se pensar na viagem como busca de si e do outro. A narrativa começa com uma viagem a uma fazenda, cujo ex-proprietário é um pai que, no passado, tinha se aposentado aos 56 anos e abandonado sua primeira família, construindo outros vínculos familiares. Nesse percurso, Carmem, uma das filhas, busca os motivos das ações desse pai ausente e morto. Enquanto procura explicações nos lugares por onde o pai passou, e ouve histórias que lhe revelam o pai ausente, Fátima, sua irmã, fotografa paisagens, tipos, a família, durante o caminho até à fazenda. Entre fotos, histórias desconhecidas e rememoradas, o pai ausente se mostra de diferentes maneiras para as personagens e para o leitor.
Na volta da viagem, Fátima não mais fotografa. A câmera flagrou os instantes da busca, eternizou esses momentos. Finda a travessia, o instante fotografado diz por por si mesmo. O pai continua ausente, está morto, mas é essa presença/ausência o motivo da viagem, que se eterniza no ato da busca, e não do encontro materializado, impossível.
Essa procura que motiva o texto, o ato de inventar, de gerar uma história, desencadeia uma breve reflexão sobre A volta para Marilda (1974), narrativa gestada pelo diálogo/monólogo de um sujeito que ascende economicamente (de empregado a pequeno comerciante). Esse texto, que vai sendo enredado tem, como motivo principal, a reconciliação com Marilda, que não se realiza até o final do romance.
O viúvo (1965) e O homem de macacão (1972) ocorrem no espaço urbano. O primeiro texto mostra os últimos instantes de vida da esposa de Pedro: “Estavam todos ali; esperando pela morte de Darcy. Eu me achava olhando sobre seu colo e vi precisamente o momento em que parou de respirar”. A partir dessa morte, o viúvo continua seu cotidiano, marcado por novos enfrentamentos diante da violência da cidade sobre o corpo de seus filhos, acidentados no trânsito. Nesse contexto, agride e é agredido, literalmente, não só por imagens e cenas consecutivas, narradas, como por verbos indicadores de ação: “puxar”, “pegar”, “enfiar” e “bater”.
Em O Homem de macacão, o escritor focaliza o mundo do trabalho de um empregado de oficina que ascende à condição de dono. No romance de França Júnior, o empregado/patrão se depara com adversidades, incluindo as difíceis condições de seus empregados, habitantes de subúrbios, analfabetos e bêbados. Em Jorge, um brasileiro (1967), há o deslocamento do protagonista para o interior do Brasil. Na medida em que conta sua história e traz o carregamento para Belo Horizonte, fica dividido entre a imagem grotesca e quase caricatural da amante do patrão (“E fui fumando o cigarro da outra testemunha, e pensando no senhor Mário que àquela hora devia estar com a loura que se pintava com os riscos grossos nos olhos, e dormia de boca aberta”) e aquela de compromisso:
“Dei minha palavra. Dei minha palavra que esse milho chegaria antes da inauguração”.
Embora Oswaldo França Júnior afirme, em entrevista, que O passo-bandeira: uma história de aviadores (1984) não é um romance autobiográfico, é evidente que o protagonista mantém estreita ligação com a trajetória do seu criador, pois há pontos comuns entre a história do protagonista e aquela de França Júnior, ambas ocorridas nos anos 60. Nesse livro, acontece o encontro do leitor com o norte do Brasil, pelo caminho das histórias de Paulo César, no roteiro do “Correio Aéreo Nacional”, que fazia o itinerário de Brasília até Porto Velho e Rio Branco”. Recordações de amar em Cuba (1986) decorre da viagem de Oswaldo França Júnior a Cuba, como membro do júri da “Casa de las Américas”, tranfigurando–a em experiência literária. Em uma das entrevistas que concede em solo cubano (“França el narrador que vino del cielo”), perguntado a respeito de sua aproximação com outros narradores, responde que se sente mais perto de Juan Rulfo, Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez e Alejo Carpentier e de autores
brasileiros como Guimarães Rosa, Euclides da Cunha e Jorge Amado. Embora Adélia Bezerra de Menezes ( “Oswaldo França Júnior e a modernidade”) não tome, como centro do seu estudo, a viagem, partindo do olhar, como foi realizado nesse percurso, há elementos de conexão entre o trabalho da referida autora e o estudo aqui apresentado. Reporto-me, sobretudo, às questões sobre a modernidade em França Júnior. Por esse motivo, chamo a atenção para o trabalho da ensaísta que desenvolve seu artigo com base nas seguintes questões:
a representação do quotidiano, a perda do caráter épico, a recusa à transcendência e o fragmentário.
Para o desenvolvimento desses aspectos, vale-se de A volta para Marilda, Lembranças de Eliana, À procura de motivos e Aqui e em outros lugares. A modernidade, explicitada com base nos romances mencionados, decorreria, sucintamente, dessa inserção dos personagens no quotidiano, no fato de o “o narrador (seja personagem, narrador, seja foco narrativo em 3ª. pessoa)” não deter “a verdade das personagens” e no aspecto fragmentário. O romance Aqui e em outros lugares, onde ocorre “uma verdadeira pulverização da narrativa”, exemplificaria essa última perspectiva. Mesmo fragmentando a narrativa, como em Aqui e outros lugares, há um sentido ético e humano que o escritor deseja conservar. Refiro-me ao combate “à ideia de alheamento em relação ao outro” e à ideia de irresponsabilidade em relação a si”, segundo Jurandir Costa em “A ética democrática e seus inimigos”.
Em De ouro e da Amazônia (1989), último romance do escritor, há o desvelamento de outra realidade brasileira, como se cumprisse uma parte de seu projeto de escritor, já enunciado no jornal cubano Gramma: enfoque da realidade brasileira, sua compreensão e explicitação das coisas que ocorreram. Maria Angélica Guimarães Lopes, em seu estudo (“Água e ouro: o Brasil em dois romances de Oswaldo França Júnior”) compara Jorge, um brasileiro, com o romance De ouro e da Amazônia. Acentuando o aspecto da viagem nos dois textos, mostra, entre outros aspectos, que ambas “as narrativas sugerem perigo constante, a fornecer caráter dramático e a
impulsionar suspense”.
Oswaldo França Júnior, além de todos esses romances ressaltados, escreveu um livro de contos
intitulado As laranjas iguais (1985). Nessa publicação aparecem aspectos que já foram trabalhados pelo autor em textos anteriores como a presença do quotidiano, o verbo descarnado e o insólito dentro do quotidiano.
Fonte:
Suplemento Literário . Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais. ed. 1325. Outubro de 2009.
São inúmeras as possibilidades de abordagem sugeridas pelos livros do escritor mineiro. Uma delas diz respeito à viagem. Sob essa perspectiva, podem ser consideradas: a viagem literária, a viagem pela memória, a viagem como deslocamento no tempo e no espaço, a viagem como busca da identidade, a viagem autobiográfica e aquela realizada além das fronteiras nacionais. Todas essas variações são abrigadas pela viagem literária, que engloba as demais. Em Aqui e em outros lugares (1980), o narrador não conta uma única história. Como se fosse uma câmera, flagra um detalhe e é esse ponto que lhe permite dar início a uma outra história e à sucessão de muitas outras. O livro começa com uma situação que põe em evidência “uma casa que estava sendo construída no final de uma rua”. O verbo “olhar” permite avistar, de um lado, “um vale, um rio e as montanhas no horizonte”, de outro, o “centro da cidade”, onde uma casa estava sendo construída no final de uma rua.
O vigia dessa construção participa de uma história que desencadeia muitas outras. Nesse sentido, o universo literário de França Júnior, particularizado por uma sucessividade de narrativas e de cenas, permite, no decorrer do romance, destacar imagens relacionadas à violência, praticada em uma delegacia, aos bêbados na calçada; à disputa de mendigos pelos melhores pontos de esmola e à ternura do delegado com a filha, em contraste com sua brutalidade na delegacia. Todos esses aspectos constituem flagrantes das entranhas da cidade e da vida moderna. Essa relação com o espaço urbano evoca, na tradição literária, o poeta Charles Baudelaire que, em “Quadros parisienses”, no poema “O sol” mostra como o poeta, em analogia com o sol, penetra “Quer os palácios, quer os tristes hospitais”. O olhar aguça um outro sentido: o da escuta. O som de uma seresta, no meio da noite, constrói a última história do livro:
a da solidão de um rapaz que vai estudar na cidade e deixa a fazenda, onde morava com a famíla. O visual e o auditivo instituem outras viagens literárias, relacionadas à memória e à busca da identidade. Em As lembranças de Eliana (1978), as recordações da protagonista, mediadas pelo narrador, nos transportam para um universo que já não mais existe, como no poema “Profundamente”, de Manuel Bandeira. No poema, o ato de dormir “profundamente” está relacionado à morte, à mistura de tempos tão distantes, mas também às vozes, aos sons do passado, captados pela escrita, uma das formas de dar corpo à alegria “errante” dos balões que entrecortavam o despertar do “eu” no meio da noite.
No início do romance, a imagem do “homem avançando na chuva ao cair da tarde” estabelece um elo entre Eliana e a voz do pai. Na medida em que o homem “avança cada vez mais longe”, Eliana se aproxima do seu passado familiar. A protagonista testemunha a modernização que atinge os lugares mais distantes e se pergunta sobre as razões dessas mudanças. Apesar de as lembranças pertencerem a Eliana, não é ela quem narra o texto. Ao lado de um processo de modernização implacável, evidenciado na imagem da construção de pontes, encontram-se outros quadros contrastantes, como aquele de uma menina que, diante de vendedoras de flores, examina-as, tocando-as com as mãos. As lembranças, que fazem emergir um passado que já não existe, evocam outros romances do autor como No fundo das águas (1987) que abarca uma infinidade de histórias de pessoas que viveram em lugares que foram submersos por uma represa. A palavra do narrador ressurge dessa impossibilidade de retorno à vida a não ser pela rememoração. Retomando o gesto do olhar para a cidade, com o qual abri esse texto, minha vista pode alcançar outros romances, como Um dia no Rio (1969). O protagonista, de nome Márcio, vindo de Minas, busca resolver, no Rio de Janeiro, seus problemas comerciais.
Na medida em que isso ocorre, a personagem precisa se deslocar de um ponto a outro no centro da cidade, transformado em um campo de luta entre os estudantes que protestam contra a ditadura e os militares. A narração dos acontecimentos, em torno desse conflito, é intensificada no romance. Se, por um lado, a agitação dos estudantes é apenas uma referência,
no início do livro, passa a ganhar força no decorrer da narrativa, o que permite acentuar a alienação de Márcio, que é jogado dentro dos fatos, enovelado por eles. O romancista, valendo-se do seu narrador e do personagem, permite um confronto entre diferentes espaços, ressignificados pelo social.
O tema do insulamento do sujeito reaparece nesse texto de várias maneiras. Uma delas é a impossibilidade de convivência entre os irmãos Márcio e Lúcio, questão que também está desenvolvida em Os dois irmãos (1976). Nesse romance, a busca do irmão distante, após a morte do pai, em muitos momentos da narrativa, se faz pelo olhar que aproxima os personagens espacialmente e os distancia no plano das ideias e das visões de mundo.
Com base em À procura dos motivos (1982), pode-se pensar na viagem como busca de si e do outro. A narrativa começa com uma viagem a uma fazenda, cujo ex-proprietário é um pai que, no passado, tinha se aposentado aos 56 anos e abandonado sua primeira família, construindo outros vínculos familiares. Nesse percurso, Carmem, uma das filhas, busca os motivos das ações desse pai ausente e morto. Enquanto procura explicações nos lugares por onde o pai passou, e ouve histórias que lhe revelam o pai ausente, Fátima, sua irmã, fotografa paisagens, tipos, a família, durante o caminho até à fazenda. Entre fotos, histórias desconhecidas e rememoradas, o pai ausente se mostra de diferentes maneiras para as personagens e para o leitor.
Na volta da viagem, Fátima não mais fotografa. A câmera flagrou os instantes da busca, eternizou esses momentos. Finda a travessia, o instante fotografado diz por por si mesmo. O pai continua ausente, está morto, mas é essa presença/ausência o motivo da viagem, que se eterniza no ato da busca, e não do encontro materializado, impossível.
Essa procura que motiva o texto, o ato de inventar, de gerar uma história, desencadeia uma breve reflexão sobre A volta para Marilda (1974), narrativa gestada pelo diálogo/monólogo de um sujeito que ascende economicamente (de empregado a pequeno comerciante). Esse texto, que vai sendo enredado tem, como motivo principal, a reconciliação com Marilda, que não se realiza até o final do romance.
O viúvo (1965) e O homem de macacão (1972) ocorrem no espaço urbano. O primeiro texto mostra os últimos instantes de vida da esposa de Pedro: “Estavam todos ali; esperando pela morte de Darcy. Eu me achava olhando sobre seu colo e vi precisamente o momento em que parou de respirar”. A partir dessa morte, o viúvo continua seu cotidiano, marcado por novos enfrentamentos diante da violência da cidade sobre o corpo de seus filhos, acidentados no trânsito. Nesse contexto, agride e é agredido, literalmente, não só por imagens e cenas consecutivas, narradas, como por verbos indicadores de ação: “puxar”, “pegar”, “enfiar” e “bater”.
Em O Homem de macacão, o escritor focaliza o mundo do trabalho de um empregado de oficina que ascende à condição de dono. No romance de França Júnior, o empregado/patrão se depara com adversidades, incluindo as difíceis condições de seus empregados, habitantes de subúrbios, analfabetos e bêbados. Em Jorge, um brasileiro (1967), há o deslocamento do protagonista para o interior do Brasil. Na medida em que conta sua história e traz o carregamento para Belo Horizonte, fica dividido entre a imagem grotesca e quase caricatural da amante do patrão (“E fui fumando o cigarro da outra testemunha, e pensando no senhor Mário que àquela hora devia estar com a loura que se pintava com os riscos grossos nos olhos, e dormia de boca aberta”) e aquela de compromisso:
“Dei minha palavra. Dei minha palavra que esse milho chegaria antes da inauguração”.
Embora Oswaldo França Júnior afirme, em entrevista, que O passo-bandeira: uma história de aviadores (1984) não é um romance autobiográfico, é evidente que o protagonista mantém estreita ligação com a trajetória do seu criador, pois há pontos comuns entre a história do protagonista e aquela de França Júnior, ambas ocorridas nos anos 60. Nesse livro, acontece o encontro do leitor com o norte do Brasil, pelo caminho das histórias de Paulo César, no roteiro do “Correio Aéreo Nacional”, que fazia o itinerário de Brasília até Porto Velho e Rio Branco”. Recordações de amar em Cuba (1986) decorre da viagem de Oswaldo França Júnior a Cuba, como membro do júri da “Casa de las Américas”, tranfigurando–a em experiência literária. Em uma das entrevistas que concede em solo cubano (“França el narrador que vino del cielo”), perguntado a respeito de sua aproximação com outros narradores, responde que se sente mais perto de Juan Rulfo, Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez e Alejo Carpentier e de autores
brasileiros como Guimarães Rosa, Euclides da Cunha e Jorge Amado. Embora Adélia Bezerra de Menezes ( “Oswaldo França Júnior e a modernidade”) não tome, como centro do seu estudo, a viagem, partindo do olhar, como foi realizado nesse percurso, há elementos de conexão entre o trabalho da referida autora e o estudo aqui apresentado. Reporto-me, sobretudo, às questões sobre a modernidade em França Júnior. Por esse motivo, chamo a atenção para o trabalho da ensaísta que desenvolve seu artigo com base nas seguintes questões:
a representação do quotidiano, a perda do caráter épico, a recusa à transcendência e o fragmentário.
Para o desenvolvimento desses aspectos, vale-se de A volta para Marilda, Lembranças de Eliana, À procura de motivos e Aqui e em outros lugares. A modernidade, explicitada com base nos romances mencionados, decorreria, sucintamente, dessa inserção dos personagens no quotidiano, no fato de o “o narrador (seja personagem, narrador, seja foco narrativo em 3ª. pessoa)” não deter “a verdade das personagens” e no aspecto fragmentário. O romance Aqui e em outros lugares, onde ocorre “uma verdadeira pulverização da narrativa”, exemplificaria essa última perspectiva. Mesmo fragmentando a narrativa, como em Aqui e outros lugares, há um sentido ético e humano que o escritor deseja conservar. Refiro-me ao combate “à ideia de alheamento em relação ao outro” e à ideia de irresponsabilidade em relação a si”, segundo Jurandir Costa em “A ética democrática e seus inimigos”.
Em De ouro e da Amazônia (1989), último romance do escritor, há o desvelamento de outra realidade brasileira, como se cumprisse uma parte de seu projeto de escritor, já enunciado no jornal cubano Gramma: enfoque da realidade brasileira, sua compreensão e explicitação das coisas que ocorreram. Maria Angélica Guimarães Lopes, em seu estudo (“Água e ouro: o Brasil em dois romances de Oswaldo França Júnior”) compara Jorge, um brasileiro, com o romance De ouro e da Amazônia. Acentuando o aspecto da viagem nos dois textos, mostra, entre outros aspectos, que ambas “as narrativas sugerem perigo constante, a fornecer caráter dramático e a
impulsionar suspense”.
Oswaldo França Júnior, além de todos esses romances ressaltados, escreveu um livro de contos
intitulado As laranjas iguais (1985). Nessa publicação aparecem aspectos que já foram trabalhados pelo autor em textos anteriores como a presença do quotidiano, o verbo descarnado e o insólito dentro do quotidiano.
Fonte:
Suplemento Literário . Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais. ed. 1325. Outubro de 2009.
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