sábado, 1 de setembro de 2012

Fernando Augusto Buarque Franco Netto (Poemas Escolhidos)

A GRANDE ESPERA

As palavras que disseste nesta noite
Não foram pronunciadas em vão;
Tampouco dissiparam-se os teus gestos
E o brilho dos teus olhos,
Ou se perdeu o teu prazer efêmero.

O som de tua voz e de outras vozes,
O cinto das nuvens carregadas,
A melancólica nudez das ruas molhadas,
O bater de tua porta quando entraste,

Tudo ficou gravado invisivelmente
Na lousa branca do tempo,
E no dia da revelação,
Teus olhos espantados
Ver-se-ão a si próprios.

A VOLTA INÚTIL

Um canto de cigarras se acomoda
Na amplidão da tarde e da saudade.
As flores trocam segredos
Que o vento trouxe de longe;
Só tu não estas.

Mas tua evocação se dilata no pensamento,
E na tua presença de milagre
Eu contemplo os tens olhos abatidos
Pela longa espera.
Eu contemplo os teus olhos apagados
Que não me dizem nada,
Como a boca que não sorri ,
E os braços que não se movem.
Quisera que me visses, que falasses,
Como se não estivesses imóvel e fria
Entre as coisas que nunca mais retornam.

BEATRIZ

Beatriz temerosa, subindo a velha escada,
Balançando a medo quadris de vinte anos.
(Até a escada era voluptuosa).

Beatriz furtiva, empurrando um sorriso meigo
Detrás do pudor quase intransponível.
Beatriz de pupilas de criança,
Em que havia uma pequenina mulher adormecida..
Beatriz lânguida, de olhos quase amorosos
(Beatriz ainda não sabia o que era o amor)

Beatriz quase mulher.

A tarde cora de lhe ver os olhos,
E encosta suavemente nas vidraças
O biombo negro da noite.

OUTONAL

Olhei a noite e senti-me só.
Olhei a noite que te abraçava
Com infinitos braços de treva;
De tanto te desejar,
Senti os braços imensos,
E abracei a noite toda
Para abraçar-te dentro dela.

Não posso juntar as estrelas,
Por meus olhos dentro delas.
Se pudesse, não cegava:
Não ceguei quando chegaste.

O forro negro do céu
São teus olhos dissolvidos
Na pele azul do Inf inito,
E teu sorriso se oculta
Atrás dos raios da lua;
Mas a lua se esconde aflita
Atrás de nuvens de chumbo,
Cansada de ser ferida
Que verte sangue de prata.

Que alvura invade o ar!
Sempre imaginei teus seios
De indefinida brancura -

Desce de leve a neblina,
Trama de chuva tão fina
Como o ouro entretecido
Na seda dos teus cabelos.

As nuvens negras castigam
Meu caminhar solitário
Com finas gotas geladas,
Que me escorrem pela face.

E eu beijo a chuva que cai
Longe, nos teus cabelos.

RECUERDO

Imagens preciosas de outros dias
Irrompem como flores na lembrança,
Enchendo de perfume e esquecimento
Os momentos tristíssimos de hoje.

Aquele amor das tardes muito azuis
Em que o mundo eram teus olhos, o céu e teus cabelos...
Amor era uma rosa perfeita.

Teus cabelos douraram a despedida,
Do azul de teus olhos partia uma angústia
Maior que toda as lágrimas.
Amor despedaçou-se em adeuses
Na dor da tarde vermelha.

TODA VESTIDA DE AZUL

Toda vestida de azul.
As pálpebras tenuemente fechadas,
Como à espera de minha voz
Para descobrirem os olhos infinitamente límpidos.

Toda vestida de azul.
A cabeça suavemente reclinada
No travesseiro e no último sonho,
E os cabelos se desmanchando pelos ombros
Como rios de luz.

Fechei todas as janelas,
Para não deixar o vento apagar
O sorriso levíssimo que seduziu teus lábios.

Estas tão pura dormindo!
Para acordar-te pura assim
É preciso chamar Deus..

- Estás toda vestida de azul, Meu Senhor,
E morta.

Fonte:
JORGE, J. G. de Araújo. Antologia da Nova Poesia Brasileira. 1a ed. 1948.

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