foi mantida a grafia original.
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O ÚLTIMO D. JUAN
Daquele de quem falo, as sossegadas lousas
Podiam-vos contar as violações brutais!
A gula com que morde as mais sagradas cousas
De horror faz recuar os trémulos chacais.
Não descanta à viola, à noite, os seus enleios:
Ele vive na sombra e eu sei também que vós,
Gentis belezas de hoje, á astros dos Passeios,
Lhe não lançais, a furto, a escada de retrós.
Mas sede muito embora as virgens sem desejos,
As monjas virginais, uns pudicos dragões;
Fechai o níveo colo aos vendavais dos beijos,
E às noites de luar os vossos corações;
Um dia há de chegar em que ele, informe, tosco,
Sem garbo, sem pudor, grotesco, infame, vil;
Nas grandes solidões irá dormir convosco,
Mordendo em cada seio o lírio mais gentil!
E o que ele adora muito ó virgens romanescas
Não é o que abrigais de etéreo e virginal:
Adora os corpos nus; as belas carnes frescas;
Deixando o resto a vós danados do ideal!
Não vive como nós de cândidas mentiras:
Não comunga do amor esse ilusório pão:
Devora com fervor as pálidas Elviras
E em muitos seios bons dá pasto ao coração!
Tem palácios na sombra e fazem-lhe um tesouro
Maior do que o dos reis; adora as solidões:
Não usa de espadim; não traz esporas de ouro;
Mas vive como os reis das grandes corrupções!
Flores sentimentais! Treinei do paladino,
Do velho D. Juan, feroz conquistador,
A quem da vossa boca um hálito divino,
Em vida, faz fugir talvez cheio de horror;
Mas que um dia virá, na cândida epiderme,
Na sagrada nudez dos colos virginais,
Em hinos de triunfo — o grande César-Verme! -
Colher o que ficou de tantos ideais!
Formosuras do inverno! Ao sol das duas horas
A aérea multidão de fadas quebradiças,
Gentis aparições dos bailes e das missas,
Desliza no fulgor das pompas sedutoras.
No arfar da casimira há frases tentadoras
E maciezas tais nas lânguidas peliças,
Que as tristes comoções, decrépitas, mortiças,
Ressurgem do letargo á pálidas senhoras!
E muitos hão de ter uns êxtases divinos
Ouvindo soluçar, à noite, aos violinos,
A vaga introdução duma balada aérea;
Enquanto, do futuro, ao toque da alvorada,
Se escuta, a martelar na sua barricada,
Sinistra, rota e fria, a lívida Miséria.
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ANTIGO TEMA
Passai larvas gentis na rua da cidade
Aonde se atropela a turba folgazã;
A noite é um tanto agreste e cheia de humidade
Mas o tédio mortal precisa a claridade
Que em vosso olhar trazeis, visões do macadame!
Estátuas sem calor! Vós sois das grandes vasas
Dum corrompido mar as Deusas menos vis!
Se à noite abandonais, voando, as pobres casas,
E vindes pela rua enlamear as asas,
Quem sabe a fome oculta, as sedes que sentis!
A pálida Miséria em seu triste cortejo
Precisa as contrações de muitos ombros nus:
E vós ides sorrindo ao lúbrico desejo,
Do carro da desgraça arremessando um beijo
Que apenas é de lama em vez de ser de luz!
Embora! Caminhai deixando um grande rastro
De estranhas emoções, de aromas sensuais:
E ao pobre que mendiga a palidez dum astro;
Ao que sonha visões e arcanjos de alabastro
Fazei por despenhar nos longos tremedais!
Do velho idílio, a musa, há muito já que dorme,
E o arroio em vão suspira e chora a nossos pés!
A grande multidão — a vaga, a onda enorme,
Que oscila sem cessar, e gira multiforme
Às corridas, ao circo, ao templo e aos cafés,
Talvez ao pressentir que tudo, enfim, declina,
Adore a imensa luz, em vós, constelações,
Que não baixais do céu; que vindes duma esquina,
Vagando no rumor da aérea musselina,
Em plena bacanal fingindo de visões?
Oh, sois do nosso tempo! A lânguida existência
De tédios se consome e sente febres más!
Aspira ao que é bizarro: a uma esquisita essência
Que exala aquela flor que vem na decadência
E quando a toda a luz sucede a luz do gás!
Do século a voz rude apenas diz — trabalha! -
Ao poste vil amarra o lúbrico ideal
Que expira, enfim, talhando a fúnebre mortalha
Na vossa trança gasta, ó musas da canalha
Que apenas revoais do olimpo ao hospital!
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O ÚLTIMO D. JUAN
Daquele de quem falo, as sossegadas lousas
Podiam-vos contar as violações brutais!
A gula com que morde as mais sagradas cousas
De horror faz recuar os trémulos chacais.
Não descanta à viola, à noite, os seus enleios:
Ele vive na sombra e eu sei também que vós,
Gentis belezas de hoje, á astros dos Passeios,
Lhe não lançais, a furto, a escada de retrós.
Mas sede muito embora as virgens sem desejos,
As monjas virginais, uns pudicos dragões;
Fechai o níveo colo aos vendavais dos beijos,
E às noites de luar os vossos corações;
Um dia há de chegar em que ele, informe, tosco,
Sem garbo, sem pudor, grotesco, infame, vil;
Nas grandes solidões irá dormir convosco,
Mordendo em cada seio o lírio mais gentil!
E o que ele adora muito ó virgens romanescas
Não é o que abrigais de etéreo e virginal:
Adora os corpos nus; as belas carnes frescas;
Deixando o resto a vós danados do ideal!
Não vive como nós de cândidas mentiras:
Não comunga do amor esse ilusório pão:
Devora com fervor as pálidas Elviras
E em muitos seios bons dá pasto ao coração!
Tem palácios na sombra e fazem-lhe um tesouro
Maior do que o dos reis; adora as solidões:
Não usa de espadim; não traz esporas de ouro;
Mas vive como os reis das grandes corrupções!
Flores sentimentais! Treinei do paladino,
Do velho D. Juan, feroz conquistador,
A quem da vossa boca um hálito divino,
Em vida, faz fugir talvez cheio de horror;
Mas que um dia virá, na cândida epiderme,
Na sagrada nudez dos colos virginais,
Em hinos de triunfo — o grande César-Verme! -
Colher o que ficou de tantos ideais!
Formosuras do inverno! Ao sol das duas horas
A aérea multidão de fadas quebradiças,
Gentis aparições dos bailes e das missas,
Desliza no fulgor das pompas sedutoras.
No arfar da casimira há frases tentadoras
E maciezas tais nas lânguidas peliças,
Que as tristes comoções, decrépitas, mortiças,
Ressurgem do letargo á pálidas senhoras!
E muitos hão de ter uns êxtases divinos
Ouvindo soluçar, à noite, aos violinos,
A vaga introdução duma balada aérea;
Enquanto, do futuro, ao toque da alvorada,
Se escuta, a martelar na sua barricada,
Sinistra, rota e fria, a lívida Miséria.
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ANTIGO TEMA
Passai larvas gentis na rua da cidade
Aonde se atropela a turba folgazã;
A noite é um tanto agreste e cheia de humidade
Mas o tédio mortal precisa a claridade
Que em vosso olhar trazeis, visões do macadame!
Estátuas sem calor! Vós sois das grandes vasas
Dum corrompido mar as Deusas menos vis!
Se à noite abandonais, voando, as pobres casas,
E vindes pela rua enlamear as asas,
Quem sabe a fome oculta, as sedes que sentis!
A pálida Miséria em seu triste cortejo
Precisa as contrações de muitos ombros nus:
E vós ides sorrindo ao lúbrico desejo,
Do carro da desgraça arremessando um beijo
Que apenas é de lama em vez de ser de luz!
Embora! Caminhai deixando um grande rastro
De estranhas emoções, de aromas sensuais:
E ao pobre que mendiga a palidez dum astro;
Ao que sonha visões e arcanjos de alabastro
Fazei por despenhar nos longos tremedais!
Do velho idílio, a musa, há muito já que dorme,
E o arroio em vão suspira e chora a nossos pés!
A grande multidão — a vaga, a onda enorme,
Que oscila sem cessar, e gira multiforme
Às corridas, ao circo, ao templo e aos cafés,
Talvez ao pressentir que tudo, enfim, declina,
Adore a imensa luz, em vós, constelações,
Que não baixais do céu; que vindes duma esquina,
Vagando no rumor da aérea musselina,
Em plena bacanal fingindo de visões?
Oh, sois do nosso tempo! A lânguida existência
De tédios se consome e sente febres más!
Aspira ao que é bizarro: a uma esquisita essência
Que exala aquela flor que vem na decadência
E quando a toda a luz sucede a luz do gás!
Do século a voz rude apenas diz — trabalha! -
Ao poste vil amarra o lúbrico ideal
Que expira, enfim, talhando a fúnebre mortalha
Na vossa trança gasta, ó musas da canalha
Que apenas revoais do olimpo ao hospital!
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